A Biblioteca

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Tenham todas um excelente final de semana ;)
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Eu estava na clínica, fazendo a limpeza dos meus instrumentos enquanto Agnes varria o chão e Arthur brincava com Maria, quando Vitória entrou com uma caixa de madeira enorme:
“-O que é isso? Posso abrir?”-Perguntou nosso pequeno curioso.
“-Isso é de sua mainha. E tem mais um monte lá no telégrafo. Agnes, vem me ajudar  descarregar.”-Agnes largou a vassoura e foi auxiliar a mãe.
“-Mas o que será isso? Tá meio grande pra ser os medicamentos que encomendei.”-Olhei desconfiada.
“-Tem uma carta junto, Ana, olha.”-Vitória me entregou o envelope. Abri a carta enquanto Vitória abria a caixa de madeira.
“-Olha! São livros!”-Arthur falou admirado com tantos exemplares.
“-São da coleção do meu pai.”-Reconheceria aqueles livros em qualquer lugar. “-Vou ler o que ele escreveu:
“Querida filha, como estão meus netos e vocês duas? Espero que muito bem. Estou mandando alguns exemplares para você usufruir com sua família. Eles estão aqui em casa pegando poeira. Façam bom proveito das histórias como fazíamos antigamente.
Com todo amor do mundo, papai e mamãe.”
“-Ah, que lindo Ana. Mas onde vamos guardar isso tudo?”-Vitória quis saber.
“-No celeiro?”-Arthur sugeriu.
“-Não, filho, acho que não. Livros são muito especiais para ficarem escondidos num celeiro. Livros devem ser compartilhados.”- Expliquei.
“-Vamos deixá-los em casa?”-Agnes perguntou.
“-Lembro das pessoas indo lá em casa para pegá-los emprestados. Meu pai adorava ajudar as pessoas a se instruírem.”-Lembrei com carinho.
“-Como numa biblioteca?”-Agnes falou.
“-Podíamos fazer algo assim?”-Arthur falou com os olhinhos brilhando.
“-Mas lá em casa não é meio longe para as pessoas irem pegá-los emprestado?”-Vitória argumentou.
“-Podemos deixá-los aqui. Abriremos a primeira Biblioteca Pública de Northfolk.”-Falei orgulhosa e todos concordaram.
Corremos até a barbearia para falamos com Guto e sugerir a criação da biblioteca, o qual foi muito receptivo à ideia dizendo que já tinha um local para ela, inclusive. Ele convocou uma reunião com os moradores no centro da cidade, para inaugurarmos a biblioteca e começou discursando:
“-Uma vez pintamos essa construção como se fosse uma Biblioteca e fingimos que havia alguns livros dentro. Mas agora não. Agora temos uma biblioteca tão boa como qualquer uma do leste. Como prefeito...”-Seu discurso foi interrompido por Jeff:
“-Guto, por que não deixa a Dra. Caetano falar?”
“-E por que?”-Guto quis saber.
“-Porque os livros são dela.”-Vitor respondeu.
“-Ah, está bem. Dra. Caetano, venha até aqui e discurse para nós, por favor.”-Guto me chamou até o palanque ao som dos aplausos dos habitantes da vila.
“-Bom, há muito tempo atrás, quando eu era pequena, meu pai viajava muito à trabalho. Uma vez, escrevi à ele dizendo que sentia muito sua falta. Ele me respondeu que quando eu sentisse saudades, eu deveria ir até sua biblioteca e ler. E que a distência entre nós não pareceria tão grande enquanto eu estivesse rodeada por esses livros. Bom, ele tinha razão. A distância já não me parecia tão grande. E nem me parece agora.”-Encerrei meu discurso com as palmas dos moradores.
“-Essa construção será dedicada ao senhor Edimílson Caetano.”-Guto ergueu uma grande placa com o nome de meu pai e fixou acima da porta da biblioteca. Cortei a fita vermelha que envolvia  entrada do prédio, inaugurando assim nossa primeira biblioteca. Todos entravam ordenadamente afim de conhecerem o novo espaço da cidade.
“-Acho que devemos agradecer à Agnes por ser voluntária como bibliotecária.”-Reverendo Simas apertou a mão de Agnes. O reverendo continuou explicando: “-Ela estará aqui diáriamente depois da escola, por uma hora e por duas horas nos sábados pela manhã.”
“-Eu nunca imaginei que teríamos uma biblioteca.”-Manoela falava admirada olhando os exemplares.
“-Eu tinha esquecido de como esses livros me faziam falta.”-Falei enquanto folhava Romeu e Julieta.
“-Ei, mãe, achei um livro interessante! Posso ir lá fora ler?”-Arthur veio correndo me mostrar. Ele pegou o título ‘A Célebre Rã Saltadora’, de Mark Twain.
“-Já entregou para Agnes anotar?”-Perguntei.
“-Tenho que fazer isso?”
“-Sim. Todos tem que fazer.”-Ele correu até a mesa de Agnes e entregou o livro.
“-Esses livros vão ajudar tanto as crianças.”-Reverendo Simas argumentou.
“-Eu sei. Eles me ajudaram muito também.”-Falei com carinho.
Fiquei admirando o ótimo estado de conservação dos livros de meu pai, quando ouvi sem querer a conversa de Manu e Guto:
“-Já vai embora, Guto?”-Manu perguntou.
“-Não tenho mais nada para ver aqui.”
“-Mas teria se aprendesse a ler.”-Manu pontuou.
“-Não tenho tempo para leitura.”
“-Não tem tempo ou não tem coragem?”-Ela desafiou-o. Ele parou na porta, deu meia volta e foi em direção à Manoela.
“-Está dizendo que eu tenho medo?”
“-É o que tá parecendo pra mim.”-Ela sorriu debochada.
“-Eu posso aprender quando eu quiser.”-Ele falou soberbo.
“-Que tal hoje à noite?”-Ela intimou. Ele ficou um pouco encabulado, mas aceitou.
O dia passou rápido e o movimento na biblioteca alternou bastante. Chegamos à noite em casa e cada um de nós havia trazido um livro. Estávamos sentados à mesa quando Arthur falou:
“-Isso é incrível! Dá pra ensinar uma rã a saltar. Sabia disso, Agnes?”-Agnes estava absorta pela sua leitura e nem ouviu a pergunta de seu irmão.
“-Que livro foi esse que tu pegou, Vitória?”-Perguntei enquanto lia um livro sobre técnicas cirúrgicas.
“-Peguei a constituição, Ninha. Quero estudar para fazer o teste de Agente Indígena que abriu concurso. Li hoje um anúncio no jornal que estarão recrutando para agente do governo. A situação de muitas aldeias está complicada desde que começaram essa obra para a ferrovia chegar até o centro de Northfolk. O trem virá pelas montanhas e o fim da linha será aqui, bem no centro da cidade. O problema é que a aldeia Pedra da Lua fica bem no meio do caminho do trem. Prevejo problemas para Júlia. Quero ajudar como puder. Se eu passar nesse concurso, posso inrterceder por elas.”-Realmente as coisas já estavam ficando tensas entre a Pedra da Lua e o exército. Elas haviam recebido uma intimação para deixarem as terras onde passará o trem, basicamente elas terão que abandonar a aldeia.
Olhei o horário e vi que já passava da hora dos pequenos irem para cama:
“-Crianças, tá na hora de fecharem seus livros e irem dormir.”
“-Só mais um pouco, mainha...”-Arthur pediu com os olhinhos tristes.
“-Amanhã tu lê mais, pequeno.”-Vitória fechou seu livro e pegou Arthur e Maria, um em cada braço. “-Eita, que vocês tão pesados...”-Vitória falou.
“-E grandes. Tão crescendo rápido demais nossas crianças.”-Falei com um tom de melâncolia na voz.
Enquanto Vitória colocava os três na cama, arrumei a bagunça da mesa e fui para nosso quarto. Como Vitória estava demorando, peguei um livro de poesia, me recostei na cama e continuei minha leitura. Nem sei por quanto tempo fui absorvida pela leitura mas quando levantei meus olhos, vi Vitória parada na porta do nosso quarto:
“-Que foi?”-Perguntei à ela.
“-Nada. Só tô admirando a obra de arte que tá em cima na minha cama.”-Falou com aquele sorriso que me faz perder até o raciocínio. Ela veio se aproximando devagar e sentou-se na cama, ao meu lado. “-O que tu tá lendo?”-Falou com a voz rouca e arrastada que me causou o arrepio dos pelos da nuca.
“-Po...poesia...”-Falei enquanto ela acariciava minha perna.
“-Tu vai ler pra mim?”-Perguntou olhando no fundo dos meus olhos. Acho que me perdi por alguns minutos.
“-T..Tá...”-Limpei a garganta e comecei: “-Tu, oceano! Me submeto a ti também...”-Ela subiu os carinhos que fazia em minha perna até meu abdomen, alisando minha cintura por baixo da camisola. Continuei um pouco ofegante: “-Contemplo da praia teus curvos dedos convidativos. Creio que te recusas a me sentir também...”-Suas mãos passearam pelo meu tronco, repousando em meus seios. Vitória baixou as alças da minha camisola, e massageou um dos meus seios enquanto lambia o mamilo do outro. Eu já estava entregue ao desejo mas decidi continuar: “-Fico nua, corro pra longe dos olhos da terra. Borrifa-me com tua umidade amorosa, posso te recompensar...”-Vitória retirou o livro de minha mão e atacou meus lábios de forma voraz, como se aquela última frase tivesse acionado um gatilho em seu cérebro.
Parou o beijo por um instante e retirou sua túnica rapidamente, ficando nua entre minhas pernas. Ele se ajoelhou na cama, pegou uma de minhas pernas e colocou sobre seu ombro, ficando com o rosto próximo à meu sexo.
“-Vitória, eu te quero em mim.”-Falei desesperada de desejo. Ela não contestou. Desceu sua língua por minha virilha e invadiu minha intimidade me estocando demoradamente. Lambia e chupava de forma tortuosa meu clitóris me causando tremores. Quando ela percebeu que eu já estava quase chegando no climax (e ela sempre percebe), me puxou rapidamente para seu colo e esfregou com força sua intimidade molhada na minha. Não pude evitar de gemer em seu ouvido o que causou um aumento da força de suas mãos em minha cintura. Me abraçou com força com um dos braços enquanto sua mão livre migrou para minha nuca. Emaranhou seus dedos em meus cabelos, puxando minha cabeça de leve para trás e mordeu meu pescoço para abafar seus gemidos. Ela me deitou de costas no colchão sem perder o contato entre nossos sexos e aumentou a velocidade dos movimentos do seu quadril, empurrando para frente e para trás quando então, atingimos juntas o orgasmo.
Me aninhei em seu peito, enrolando meus dedos em seus cachinhos e falei:
“-Tu é minha poesia, Vitória.”- Deixei um beijinho em seus lábios.
“-Eu te amo, minha doutora poeta.”-Disse já com os olhos fechados.
Já fazia uma semana que a biblioteca havia sido aberta e todos estavam aproveitando suas leituras. Aconteceu naquela manhã, quando entrei na biblioteca, no intervalo entre um atendimento e outro e ouvi a conversa entre Agnes e o reverendo Simas:
“-Reverendo, o senhor vai levar somente esses dois?”
“-Sim, obrigado Agnes. Estava te observando ler e fiquei impressionado. O jeito que você se concentra na sua leitura é de grande inspirção para os outros jovens.”-Ele elogiou-a.
“-Gosto muito de ler, reverendo. Cada história nova é como ir à algum lugar totalmente novo e conhecer pessoas interessantes.”-Ela disse.
“-E sobre o que é esse que você tá lendo?”-Ele quis saber.
“-Um homem que está insatisfeito. Então ele vende sua alma ao diabo para que ele faça tudo o que deseja.”
“-Ao diabo?!”-O reverendo perguntou espantado.
“-E o diabo faz muitas coisas por ele mas o homem...”-O pastor a interrompeu.
“-Posso ver?”-Pegou o livro das mãos de Agnes e quando percebeu que eu estava ali, veio em minha direção. “-Dra. Caetano, sabe que livro Agnes está lendo?”-Me perguntou.
“-Ah sim, ‘Fausto’. Eu li quando tinha a idade dela.”-Respondi.
“-Você aprova esse livro?”
“-Claro!”
“-Esse livro é sobre um homem que vende sua alma ao diabo!”-Me falou como se eu não conhecesse a história.
“-É sobre mais que isso, reverendo.”-Argumentei.
“-Isso é que o diabo quer que pensemos, Dra. Caetano. É assim que ele nos confunde e que nos afasta de Deus.”
“-É apenas uma história, pastor.”
“-É assim que as pessoas se desviam. Lendo coisas que não deviam ler. Não vou permitir um livro desses na biblioteca.
“-Me perdoe, reverendo mas não acho que seja assunto seu quais livros temos aqui.”-Falei um tom acima.
“-Assim como é sua responsabilidade médica cuidar do bem-estar físico dessa comunidade, é minha responsabilidade, como ministro, cuidar do bem-estar espiritual.
“-E o senhor faz muito bem seu trabalho. Mas confiscar uma obra de ficção não vai beneficiar ninguém. Meus filhos são livres para escolherem o que quiserem ler nessa biblioteca.”-Peguei o livro das mãos do reverendo e devolvi à Agnes.
“-Eu não acho que crianças devam ler o que quiserem. Deve haver algo que você não queira que eles leiam.”-O reverendo me encurralou.
“-Bem, é claro que tem.”-Por exemplo, aquela poesia que li para Vitória. “-É... uma questão de selecionar.”- Expliquei.
“- E quem faria essa seleção?”-Deixou essa pergunta no ar e saiu porta à fora.
Naquela mesma tarde eu estava examinando a garganta de Carlinhos, um amigo de Arthur quando Vitória entrou na clínica com a Gazeta nas mãos:
“-Ninha, tu já leu o jornal? Manoela escreveu um editorial sobre a os livros da biblioteca serem imorais.”-Falou e me entregou o jornal.
“-Carlinhos, toma esse antibiótico para sua garganta e peça para tua mãe fazer um chá de limão e mel todas as noites antes de dormir.”-Abri a porta para o garoto sair. “-Deixa ver isso aqui, Vi.”-O editorial convocava a cidade à discutir o teor de alguns livros expostos na biblioteca e que alguns dos títulos poderiam colcoar ideias ruins nas cabeças das pessoas.”-Mas isso é um absurdo! Vou lá na Gazeta agora falar com Manoela.”-Deixei Vitória cuidando a clínica e me dirigi até o jornal da cidade.
“-Manoela, isso é sério?”-falei com cara de poucos amigos.
“-Dra. Caetano, o reverendo que escreveu esse editorial.”-Falou na defensiva.
“-Mas tu publicou.” –Pontuei.
“-Publico o que me parece apropriado.”-Argumentou.
“-Editores de livros fazem o mesmo, Manu.”
“-Não, não fazem. Eles publicam todo tipo de coisa. Jornais publicam apenas os fatos. Relatam a verdade.”
“-Mas isso não é a verdade, é apenas uma opinião.”
“-O fato é que há livros que não deveriam estar lá, Dr. Caetano. Há um livro chamado ‘Desobediência Civil’. Que tipo de desobediência é civil?”
“-Os livros não causam problemas, Manoela. Eles ajudam a acabar com eles.”
Saí da Gazeta pisando duro e me dirigi até a Igreja onde seria a reunião sobre o teor dos livros. Logo após a eleição, Guto havia montado um ‘Conselho Para Assuntos da Cidade’. Era composto por Jeff, Vítor, Reverendo Simas, Guto e eu. A igreja já estava cheia quando cheguei:
“-Lá tem um livro sobre bruxaria!”-Uma pessoa da comunidade falou.
“-É um livro histórico sobre uma cidade do oeste.”-Expliquei. Com todos falando ao mesmo tempo acho que não me escutaram.
O reverendo bateu o martelo e pediu ordem:
“-Uma biblioteca pode ser uma grande aquisição para nossa cidade mas eu acho que podemos concordar em fechá-la por enquanto.”-Disse o reverendo Simas.
“-Eu não concordo.”-Falei indignada.
“-Só até decidirmos de quais livros vamos nos livrar e quais vão ficar.”-Disse Jeff.
“-E quem vai fazer a seleção?”-Vitória perguntou lá do fundo da Igreja.
“-O reverendo.”-Guto determinou.
“-Como podem permitir que um homem decida o que a cidade toda deve ler?”-Falei visivelmente incomodada.
“-Mas ele não é qualquer um. É o reverendo.”-Vítor falou tentando amenizar.
“-E por que o julgamento dele é melhor que o dos outros?”-Vitória questionou.
“-Usarei o bom senso.”-O reverendo respondeu.
“-Com esses problemas não sei se precisamos de uma biblioteca.”-Falou Jeff.
“-Estou achando que precisamos mais do que nunca de uma biblioteca. É lá que abriremos nossas mentes para novas ideias e outras culturas.”-Expliquei.
“-Vamos votar: os que estiverem a favor de fechar a biblioteca, levantem a mão.”Guto pediu. Ele, Jeff, Reverendo Simas e Vítor levantaram suas mãos. “-O conselho decidiu pelo fechamento da biblioteca.”-Bateu o martelo e encerrou a reunião.
Todos se levantaram e foram até a biblioteca para interditá-la. Guto entrou e pegou o livro de registros.
“-O que tu tá fazendo, Guto?”-Falei revoltada.
“-Ele tem todos os títulos dos livros então, vou confiscá-lo.”-Guto já ia saindo e Vitória o parou:
“-Devolve pra ela esse livro, senão eu tiro à força.”-Vitória falou segurando Guto pelo braço.
“-Sou amparado pela lei.”-Ele falou tranquilamente.
“-Ele tem razão Vi, não vamos resolver nada dessa maneira.”-Vitória largou o braço de Guto e o deixou passar.
Saímos de dentro do prédio e alguns homens pregaram tábuas, lacrando a porta da biblioteca.
À noite, em casa eu conversava com Vitória:
“-Não é justo! Aqueles livros são do meu pai.”-Falei com a cabeça encostada no ombro de minha amazona e com lágrimas em meus olhos.
“-Mas a construção é da cidade, Ninha.”-Vitória disse abraçada à mim e acariciando meu ombro. Virei pra ela e falei:
“-E se a gente levasse os livros para outro lugar, tipo pra um quarto extra da clínica? E se alguém quiser emprestado, pedirá pra mim, diretamente, como meu pai fazia.”-Falei.
E com essa decisão, no outro dia de manhã cedo, pegamos as caixas de madeira, colocamos na nossa carroça e fomos buscar nossos livros. Chegamos na porta da biblioteca e Vitória retirou as tábuas com um pé-de-cabra:
“-Coloquem os livros nas caixas com cuidado.”-Adverti as crianças.
“-O que estão fazendo?”-Guto entrou na biblioteca fazendo estardalhaço.
“-Tô levando meus livros, Guto.”-Falei calmamente.
“-O Conselho votou pelo fechamento da biblioteca. “-Foi a vez do reverendo falar.
“-Não estamos reabrindo a biblioteca. Estamos levando nossos livros.”-Vitória respondeu enquanto acomodava os livros em uma das caixas.
“-Esses livros são da cidade agora. Você doou eles, Caetano!”-Guto falou indignado.
“-Pois eu mudei de ideia. Vou levar de volta e abrir minha biblioteca particular e se alguém quiser um livro, vai pedir pra mim. E quero todos os livros que vocês confiscaram.”-Falei encaixotando os livros.
“-Você está roubando os livros da cidade.”-Guto falou chegando perto de mim e pegando os livros da minha mão. Vitória pulou nele e o empurrou contra a parede.
“-Temos muito o que fazer aqui, Guto, e eu agradeceria se deixasse-nos em paz.”-Ela falou segurando Guto contra a parede. Ela pegou os livros da mão de Guto e deixou ele ir embora.
Saímos com as caixas de livros em nossa carroça e fomos para a clínica. Os moradores em côro diziam que os livros só trouxeram problemas e que tinham que se livrar deles.
Estávamos descarregando as caixas dentro da clínica quando Arthur olhou pela janela e gritou:
“-Mainha! Mãe! Eles vão queimar os livros!”-Arthur disse desesperdo. Guto havia derramado querosene e estava riscando um fósforo e gritando que a biblioteca estava oficialmente fechada.
“-Não!”-Corri para a rua e os livros já estavam queimando. Vitória e Agnes correram para pegar baldes com água e Arthur pegou um cobertor e tentava extinguir as chamas.
Conseguimos apagar o incêndio mas os estragos eram irreversíveis. Aos poucos, todos foram embora, ficando somente eu e minha família para tentar recuperar alguns exemplares.
Era domingo e as pessoas foram para o culto enquanto nós levamos os livros até o campo atrás da Igreja, onde fazíamos nossos picnics depois dos cultos.
O reverendo chegou perto de nós e perguntou:
“-Você vem, Dra. Caetano?”
“-Hoje não, reverendo. Não nesse domingo.”-Falei abrindo um livro ensopado e colocando virado para o sol. Ele apenas acentiu com a cabeça e se dirigiu para a Igreja.
“-Não deu para salvar esse.”-Vitória me entregou o livro.
“-Ah! Fábulas de Esopo. Sempre foram minhas histórias preferidas para dormir.”
“-Alguns estão piores que esse.”-Vitória disse triste.
Continuamos separando os livros em melhor estado para secar, quando me deparei com um livro muito conhecido. Estava com a capa e algumas folhas queimadas. Pensei por um minuto e decidi ir ao culto.
“-Mãe?”-Agnes me chamou mas não parei. Vitória e meus filhos vieram comigo. Entramos na Igreja bem na hora do sermão do reverendo:
“-Decidiu unir-se a nós, Dra Caetano?”-O pastor perguntou.
“-Sim, eu decidi e trouxe algo.”-Mostrei o livro em minhas mãos.
“-Acho que estamos saturados daqueles livros por enquanto.”- O reverendo pontuou.
“-Tem razão, reverendo. Mas eu trouxe esse por que todos concordarão sobre o que fazer com ele. Um livro que fala de um pai que sacrifica sua prórpia filha. Um livro que fala de um homem que é casado com mais de uma mulher ao mesmo tempo. Esse livro tem até uma passagem que descreve como Deus aceitou uma aposta do diabo e...”-Fui interrompida pelo reverendo.
“-Tem razão, Dra. Caetano. Todos concordamos sobre o que fazer com esse livro. E entregá-lo à mim, será um gesto que ajudará a curar o espírito da nossa cidade. Agradeço por mostrar tanta fé.”-Entreguei o livro ao reverendo e esperei sua reação.
“-Que livro é?”-Um morador da comunidade perguntou.
“-A Biblia Sagrada.”-Respondi e saí da Igreja acompanhada de minha família.
Voltamos até o campo onde secávamos os livros. Reverendo Simas e as pessoas que estavam no culto se aproximaram de nós. Eles se abaixaram até os livros e começaram a abrí-los e deixá-los no gramado.
“-Reverendo, o que o senhor está fazendo?”-Arthur perguntou.
“-Bom, precisamos secar esses livros se quisermos a biblioteca reaberta amanhã.”
“-Com todos os livros?”-Perguntei.
“-Com todos eles.”-Ele confirmou.

Dra. CaetanoOnde histórias criam vida. Descubra agora