Oi, gente bonita! Autora aqui pra desejar um Feliz Ano novo a todas vocês. Foi um ano complicado e bastante atípico que nos testou todos os dias. Pandemia, presidente sem noção, racismo e ódio desafiaram nossa sanidade. Em 2021, espero que possamos abraçar e continuar ao lado de quem amamos. Sejamos resilientes.
Um beijo e semana que vem tem mais Dra. Caetano.
🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻Era tão bom acordar com Vitória ao meu lado. É tão leve e natural estar com ela. Nunca imaginei que viveria isso com alguém um dia.
Vitória acordou e ainda sonolenta disse:
“-Ei, tu me chutou a noite inteira, sabia?”- Falou ainda de olhos fechados.
“-Aé? Acho que isso é invenção tua porque eu não senti nada.”-Falei pra provocar.
“-Mesmo assim, eu não me importo de dividir o colchão contigo.” Falou se virando na minha direção.
Sorri e lhe beijei nos lábios.
“-Sabe no que eu tava pensando? Tu não tem vontade de construir uma escola lá em Corre Ventos?”- Falei enrolando meus dedos nos seus cachinhos.
“-Mainha não aprovaria. As amazonas tem uma forma diferente de ensinar. Ensinam em forma de histórias e os costumes são passados de geração em geração. Não sei nem como eu abordaria esse assunto com dona Isabel sem levar bronca.”-Falou pensando no assunto.
“-É que vi tantas crianças lá na tua aldeia. Criança tem que estudar, Vitória. Vejo que Sabrina é tão inteligente. É um desperdício. Ela será uma grande líder quando for a hora e seria tão bom se ela tivesse essa vivência.”-Falei sincera.
“-Ah, agora que tu tocou no assunto, Sabrina me falou que quer ser médica igual tu. Acho que ela tá apaixonada por ti também.”-Falou e nem percebeu.
“-Também? Tem mais alguém apaixonada por mim?”-Pergutei maliciosa.
“-Hum, num sei. Pode ser que uma amazona de cabelo cacheado esteja.”- Falou roçando seus lábios nos meus.
“-Vitória, eu adoro passar esse tempo contigo, mas preciso levantar. Os pacientes de ontem se acumularam com os de hoje.”-Falei mas queria ficar.
“-Vou te dar essa chance de se livrar de meus braços hoje porque também preciso ir. Mainha chega hoje e preciso passar os relatórios pra ela. Essa altura ela ja deve saber que meu casamento foi anulado. Vou ter que me preparar pro que vem por aí.”-Disse se levantando.
Vitória partiu e eu não imaginava a falta que ela me faria.
O dia passou rápido. Consegui atender meus pacientes na clínica e quando estava voltando pra casa, vi um cavalo parado em frente a minha porta. Não era Trovão.
Entrei com cuidado, pois a porta estava aberta. Me deparei com uma senhora muito bonita, com um manto vermelho sobre os ombros, sentada em uma de minhas cadeiras.
“-Boa noite, quem é a senhora ”-Perguntei desconfiada.
“-A senhora é a Drª Caetano?”
“-Sim, eu mesma. Mas a senhora não me disse seu nome”-Insisti.
“-Sou Isabel Falcão. Vim lhe agradecer pelo que fez por minha neta mas quero que se afaste de Vitória. Não quero mais ela saindo por aí com você.”-Falou direta e continuou-“-Eu soube que andou se deitando com Vitória. Não permito mais isso!”-Falou e bateu a mão na mesa.
“-Olha, dona Isabel, eu gosto muito da sua filha, eu queria...”-Não me deixou continuar.
“-Não sei oque você fez com as mulheres da minha família. Sabra e AnaB só sabem falar dos teus feitos, minha neta disse que quer casar contigo e Vitória...ah, Vitória..tive que mandar ela pra uma missão de reconhecimento. Veio com uma história de construir escola. Só pode ser idéia sua.”-De fato era mas me irrita pensar que ela não acredita no potencial das crianças de lá.
“-Dona Isabel, por favor, as crianças precisam ir à escola. Pense na evolução de sua aldeia e...”-Não sei porque tentei argumentar.
“-Não se meta nos nossos assuntos e nossos costumes. Esqueça que Vitória existe. Nos deixe viver em paz.”-Falou e foi saindo. Parou na porta e disse de costas pra mim: “-A senhora tem três dias para sair da minha casa. Arranje outro lugar pra ficar. Vou mandar atearem fogo nesse casebre a senhora estando aqui ou não.”- E saiu.
Agora sei por que Vitória tem medo dela. Mulher braba. Fiquei pensando o que fazer. Pra onde eu iria?
Dois dias se passaram e amanhã eu terei que sair da minha casinha. Embalei minhas coisas deixando minha mala pronta pra viagem. Não consegui nenhuma vaga em pousada ou hotel na vila. Poderia ficar provisóriamente na clínica, mas pensei bem e não queria ser o motivo da briga entre mãe e filha. Resolvi comprar uma passagem e ir embora para Westfolk e começar de novo. Eu daria o espaço para Vitória me apagar. Mas eu jamais apagaria ela de mim.
Eu teminava de empacotar meus livros quando ouvi um galope se aproximando.
Olhei pela janela mas não era Vitória. Era Sabra, aflita.
Abri a porta e ela me falou ainda em cima do cavalo:”-Drª. Caetano, por favor me ajude. Temos uma emergência na aldeia.”-Falou apressada.
Passei a mão em minha maleta e subi no cavalo. Já estávamos chegando à Corre Ventos quando resolvi perguntar.
“-Aconteceu alguma coisa com Sabrina, Sabra?”
“-Não. É mainha. Ela está com muita dor na região abdominal. Nayara ainda está se recuperando nas montanhas. Não sabia mais oque fazer.”-Disse deixando as lágrimas cairem.
“-Sabra, não se preocupe. Vamos ajudar dona Isabel.”-Falei mas sabia que seria difícil ela aceitar minha ajuda.
Chegamos até a casa de dona Isabel e já pude ouvir os gritos de dor.
“-Mainha, eu trouxe a doutora. Ela vai lhe examinar.”
“-Tira essa mulher da minha casa agora!”-Falou e gritou de dor.
“-Dona Isabel, preciso lhe examinar.”-Falei com calma.
“-Vá embora, branca! Saia já da minha aldeia!”-E se retorceu de dor.
“-Sabra, não posso examiná-la se ela não deixar.”-Falei pra Sabra que chorava. Nesse momento, Sabrina entrou no quarto.
“-Vovó, por favor, deixa a doutora lhe examinar. Eu não quero que a senhora morra”-Falou Sabrina e deitou-se ao lado de sua vó.
A líder das amazonas me encarou e assentiu que eu a examinasse. Dona Isabel tinha uma héria inguinal.
“-A senhora tem uma hérnia próximo à virilha. Hérnia é um deslocamento de uma alça do intestino e pressiona a parede abdominal. Pode estrangular o intestino. Precisa de cirurgia, infelizmente.”- Terminei de explicar e Isabel protestou.
“-Tu quer me matar. Não vou deixar que me corte.”-Falou e gruniu.
“-Dona Isabel, preciso lhe operar imediatamente. Pense em sua neta.”-Apelei porque já percebi seu ponto fraco e continuei: “-A senhora não vai morrer se me deixar lhe operar, eu prometo.”-Falei sem desviar o olhar.
“-Está bem. Eu autorizo a cirurgia.”-Falou fazendo um carinho em sua neta.
Me apressei para arrumar tudo. Precisava de algo que iluminasse bem o local. A cirurgia seria complicada. Eu teria que fazer ali mesmo. Não conseguiria deslocá-la até a clínica. Pedi que Sabra chamasse as amazonas para me ajudar a colocá-la sobre a mesa da cozinha, onde é mais alto. Pedi a Sabrina que me auxiliasse na cirurgia. A pequena ficou bastante empolgada. Sabra improvisou uma iluminação pra mim. Pegou um lampião e colocou ao seu redor uma placa metálica refletindo assim a luz.
“-Prontas?”-Perguntei enquanto lavava e desinfetava minhas mãos. Elas afirmaram com as cabeças.
“-Sabra, pegue esse pano com clorofórmio e não deixe sua mãe acordar durante a cirurgia. De vez em quando, vou precisar que tu ilumine onde eu estiver operando então, fique atenta.”-Sabra assentiu.-“-Vamos começar. Bisturi.”- Pedi à minha assistente.
Cortei a região próxima ao intestino e comecei a explorar. Mostrei à Sabrina:
“-Tá vendo aquela protuberância ali? É ali que vou cortar e suturar. Ela estava quase estrangulando o intestino.”-Expliquei enquanto ela olhava fascinada.
“-Fórceps.”-Pedi à ela.-“-Sabra, por favor ilumine aqui”. Estava bastante complicado. O acesso estava difícil e um sangramento inesperado começou.
“-Grampos, Sabrina, rápido.”-Ela me deu imediatamente e consegui estancar o sangramento.
“-Pronto. Vou suturar agora. Me passe a agulha.”-A menina foi muito bem me auxiliando. Vou conversar com Sabra antes de ir embora e dizer que vou recomendar Sabrina para a faculdade onde me formei.
Terminei de suturar e provalvelmente dona Isabel precisaria de uma transfusão. Perdeu muito sangue durante a cirurgia.
Pedi para Sabra ir até minha casa buscar meu microscópio e minhas lâminas por que precisaria descobrir o tipo sanguineo de dona Isabel e achar um doador compatível.
Uma hora depois ela acordou somente com a dor da cirurgia.
“-Obrigada, Drª Caetano.”- Agradeceu por obrigação.
“-Não me agradeça ainda. A senhora perdeu muito sangue durante a cirurgia. Preciso achar um doador compatível e fazer uma transfusão.”-Fui bem direta.
Ela me olhava pensativa enquanto Sabrina contava empolgada como ela havia ajudado na cirurgia da avó.
Deixei as duas no quarto e saí um pouco para rua esperando Sabra. AnaB veio ver como a mãe estava.
“-Pode ir lá vê-la, Aninha. Ela está acordada.”- Falei pra ela com a voz baixa.
“-Já vou entrar lá. Mas e tu? Parece triste.”-AnaB me leu rápido.
“-Só tô um pouco cansada. Foi uma cirurgia difícil.”-Tentei enganá-la.
“-Aham, sei. Tá assim por que queria ver Vitória. Ela volta amanhã da missão. Tu é bem-vinda na minha casa se quiser passar a noite aqui.”- Disse AnaB muito gentil.
“-Obrigada, Aninha, mas amanhã vou viajar. Vou ver meus pais.”-Menti pra encerrar o assunto.
“-Não sei, não. Tô te achando muito triste pra quem tá indo ver a família. Mas enfim, o convite está feito, se quiser pode ficar lá em casa.”-Concluiu e entrou para ver a mãe.
Um tempo depois, Sabra chegou com meu equipamento e entrei para começar os testes.
Pedi pra ela que reunisse em fila todas as amazonas e testaríamos uma por uma até achar o sangue compatível.
Retirei o sangue de dona isabel e comecei analisar no microscópio, sendo observada atentamente por Sabrina. Terminei o teste e me surpreendi com o resultado: RH Nulo, mais conhecido como sangue dourado, o mais raro do mundo. Como diz Vitórinha, a vida é muito sabida. Felizmente eu conhecia alguém com esse sangue.
Sabra organizou a fila e eu tirava o sangue, colocava na lâmina e passava para Sabrina analisar. Expliquei uma vez e a menina entendeu direitinho. Assim era mais rápido porque era muita gente.
Ao final de todas, Sabrina me olhou perocupada e disse:
“-Ninguém é compatível, doutora. Vamos perder a vovó?” Me olhou cheia de lágrimas.
“-Faltou essa lâmina aqui. Testa essa.” -Falei e baixei a manga da blusa.
“-Doutora! O sangue bate! É igual! Minha vó vai viver!”- Falou ela abraçando sua mãe.
Preparei a mangueirinha e as agulhas para transfusão e comecei enquanto dona Isabel dormia. Estava muito fraca pela perda de sangue. Meio litro já seria suficiente. Estava sentada à seu lado, doando o sangue, quando ela acordou.
“-Doutora, o que está fazendo?”- Me perguntou sonolenta.
“-Achei uma doadora compatível. Estou lhe dando meu sangue. Sangue não tem raça, gênero e só tem uma cor: a dele mesmo. Eu já fui pra guerra como médica voluntária e lhe digo com toda propriedade: a morte não faz distinção de raça, cor ou classe social. Por que então nós fazemos?”-Ela aprecia escutar minhas palavras. Fiz uma pausa e continuei:”-Eu terminei de embalar minhas coisas e amanhã estou indo embora. Vou deixá-las em paz. Não quero confusão por minha causa.”- Falei e dessa vez ela me ouviu.
Terminei a transfusão, limpei o material em silêncio, fiz um curativo em seu braço e depois no meu. Guardei minhas coisas e me despedi.
Saí do quarto e me despedi de Sabrina, que me deu um forte abraço me agradecendo pela experiência de hoje. Ela entrou para ver a vó.
Dei algumas instruções a Sabra sobre os curativos e toquei no assunto:
“-Sabra, eu gostaria muito que tu pensasse sobre a possibilidade de colocar Sabrina na escola. Eu posso recomendá-la pra Universidade onde me formei, quando ela tiver idade. A menina é um prodígio.”-Elogiei.
“-Obrigada, doutora. Um elogio desses vindo da senhora é uma honra. Mas onde a senhora vai assim com pressa? Fique para jantar conosco. Nós vamos ficar muito felizes em lhe receber lá em casa.”- Me convidou humidemente.
“-Sabra, eu estou saindo em viagem para ver meus pais. Parto amanhã cedo.”-Menti novamente.
“-Doutora, seus pais moram onde?”- Me perguntou.
“-Em Southfolk.”
“-Então porque tinha uma passagem em cima de sua mesa para Westfolk?”-Ah, não...subestimei a amazona.
Fiquei em silêncio. Não sabia o que responder e ela continuou: “-Você disse que não ia partir o coração dela.”- Virou-se e saiu.
Pedi uma carona para Flávia. Sentirei falta daqui.
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Dra. Caetano
FanfictionNo ano de 1867, Ana Clara Caetano retorna à cidade onde nasceu, Northfolk, para trabalhar como médica numa vila rural onde cresceu. Uma das poucas médicas num mundo de médicos, ela mostra-se uma mulher à frente de seu tempo, não só por suas atitudes...