Salve as Crianças

575 32 11
                                    

Depois de ter passado a melhor noite de Natal da minha vida, com Vitória, acordamos cedo naquela manhã do dia vinte e cinco pois tínhamos combinado de passar o dia em Corre Ventos.
“-Bom dia, Ninha.”-Me falou com a voz de sono
“-Bom dia, minha amazona”-Dei um beijo molhado e demorado nela.
“-Óia, se tu ficar me beijando assim, juro que não te deixo sair da cama hoje.”-Disse já se posicionando entre minhas pernas.
“-Vitória, a gente combinou de ir lá na tua aldeia vacinar as crianças, lembra?”
“-Tá bom. Mas a noite tu me paga, Ana Clara.”-Deixou beijos em meu pescoço.
“-Ah! Eu fiz um presente pra tu. Peraí que vou pegar.”-Me levantei enrolada no lençol e peguei o pacote. “-Espero que tu goste. Acho que vai servir.”-Falei e entreguei a ela.
“-Que lindo, Ninha! Tu que fez?”-Era um coldre de couro bem reforçado com um espaço de cada lado para ela colocar as machadinhas.
“-Eu que fiz. Tu viu que tem lugar pra duas machadinhas? Duas vezes mais efetivo.”-Falei em um tom engraçado.
“-É lindo! Obrigada!-Me puxou pra cima de seu corpo e enterrou o rosto em meu pescoço. “-A gente pode ficar assim hoje o dia todo?”- Perguntou cheia de preguiça.
“-Não. Vamos levantar e ir vacinar as crianças.”-Falei já tentando sair do abraço de urso.
Com muita dificuldade, levantamos da cama, tomamos nosso café e rumamos para Corre Ventos.
Chegamos e as crianças já corriam, brincando com seus presentes recebidos na noite anterior.
“-Olha, Drª. Caetano, minha boneca!”-Uma pequenina veio em minha direção mostrando o presente.
“-Que linda! E como ela se chama?”
“-É Vitória! O nome da nossa rainha!”-Disse a menina com os olhinhos brilhando ao ver Vitória.
“-É linda, igual a verdadeira. Cuide bem de sua Vitória.”- Falei pra ela e pisquei pra Vitória. Ela fica tão linda vermelhinha de vergonha.
“-Oxi, num sô rainha, não.”-Ela protestou.
“-É sim e vamos lá vacinar as crianças.”- Falei encerrando o assunto.
Nos direcionamos para onde será a futura escola que Vitória e as amazonas estão construindo. Vitória quer dar uma oportunidade de estudarem para ampliarem suas mentes. Me ofereci para dar aulas à algumas amazonas adultas que tenham interesse em lecionar aulas. Ler, escrever e fazer contas todas sabem. Elas são alfabetizadas em casa, por suas mães. Eu daria aulas de ciências, gramática e estudos sociais, Nayara daria aulas de manipulação de plantas e Botânica e Vitória daria aulas de construção civil e técnicas de guerra. Nossa intenção é a melhor. Espero que dê certo.
Todas as mães da aldeia levaram suas filhas para vacinar contra catapora. Imunizamos todas rapidamente. Sabrina me ajudou muito preparando as seringas para que eu aplicasse. Sabra e AnaLu ficaram distribuindo doces para as crianças que se vacinavam.
Encerramos por ali e fomos até a casa de dona Isabel ajudar a preparar o almoço. Bebemos um pouco e dona Isabel desandou a falar.
“-Pois vou contar pra ti, Aninha, sobre o dia que encontrei um tesouro. Minha falecida esposa e eu estávamos passando por uma seca terrível na nossa antiga aldeia. Estávamos cavalgando à procura de algum açúde ou córrego que pudéssemos desviar o curso para nossa aldeia, quando ouvimos o som, que era trazido pelo vento,  de tiros, gritos e relinchos de cavalos. Minha esposa e eu fomos o mais rápido que pudemos na direção do som mas quando chegamos perto, o som havia cessado. Descemos dos cavalos e entramos em um pequeno vilarejo, já em chamas. Várias casas já queimavam junto com plantações de trigo. Corremos pelo vilarejo à procura de sobreviventes e quando estávamos desistindo, ouvi um chorinho de criança bem novinha. Corri na direção do choro. Arrombei a porta e encontrei três meninas, uma, um bebê de colo, a do meio, tinha seis anos e segurava o bebê e a mais velha, tinha onze anos e protegia suas irmãs dentro de seu abraço. Corri na direção delas, pois já haviam inalado muita fumaça, peguei a mais velha, a coloquei no meu ombro e peguei a menor com o bebê no colo pela cintura e corri pra fora da casa antes que desabasse. Minha esposa pegou Sabra  e levou em seu cavalo. Eu a segui com Vitória carregando AnaB. Naquele momento, decidimos que daríamos uma vida decente para as meninas. Buscamos um lugar com terra fértil e próximo de onde tivesse um lago para irrigarmos nossas plantações e, então, fundamos Corre Ventos.”
Dona Isabel terminou a história e, quando percebi, suas três filhas estavam sentadas perto dela, Vitória sentada no chão com a cabeça em uma das pernas de sua mãe, Sabra do outro lado e AnaB sentada em seu colo.
“-Que história linda, dona Isabel. Tô emocionada.”-Falei com a voz embargada pela emoção.
“-Não foi fácil criar três meninas não, visse? Tinha dias que eu tinha vontade de sumir, mas no final, tudo valeu a pena. Essas três só me dão orgulho nessa vida.”-Falou deixando beijos nas filhas.
Conversamos a tarde toda e logo a noite se fez presente. Fomos para casa de Vitória por que ela disse que queria me entregar uma coisa. Ela estava toda misteriosa e eu não sabia se ficava feliz ou preocupada.
Já era por volta das nove da noite, quando chegamos na casa de Vitória. Ela estava agitada, andava de um lado para outro pela casa, até que perguntei:
“-Vitória, tá tudo bem? Tô te achando mais agitada que o normal.”
“-Tá, Ninha, é que preciso te perguntar uma coisa.”-Me ajeitei na cadeira pra ouvir.”-Eu queria...”-E não conseguiu terminar o raciocínio pois começamos a ouvir gritos e barulhos de cavalos invadindo a aldeia. Corre Ventos estava sob ataque.
Vitória colocou as duas machadinhas no coldre e eu peguei minha maleta médica e saímos correndo para ver quem estava nos atacando. Flechas vinham em nossa direção e Vitória, ágil como  um felino, desviava me levando junto consigo.
Parei próximo à uma amazona que estava com marcas de mordidas pelo corpo.
“-O que aconteceu? Quem está nos atacando”-Perguntei Já fazendo curativos nela.
“-Uma tribo de canibais. Elas vieram atrás de Vitória.”-Ela falou e eu gelei. Olhei ao redor e não ví minha amazona em parte alguma.
Saí correndo procurando por Vitória e encontrei Letícia.
“-Letícia? O que faz aqui? Tu viu Vitória?”
“-Passei a noite aqui. Vitória estava próximo da escola. Vi ela derrubando quatro canibais a machadadas.”-Letícia parecia empolgada quando fez esse comentário.
“-Vou procurá-la. Pega aqui umas bandagens. Tem muitas amazonas feridas pelo chão.”
Corri até a escola e vi Vitória protegendo as crianças. Elas estavam cercadas pelas canibais.
“-Vitória!”-Gritei.
“-Ana! Salve as crianças!”-Deu seu grito de guerra se lançou contra as guerreiras canibais que estavam lhe cercando.
Fui correndo até lá, peguei as crianças e voltei para o centro da aldeia onde estavam a maior parte das defesas.
“-Flávia, por favor  vá ajudar Vitória, ela tá sozinha contra várias guerreiras. Elas vieram buscá-la.
Flávia correu para ajudá-la, mas já era tarde. Elas haviam levado Vitória.
Corri para socorrer as amazonas que estavam caídas pelo chão, auxiliando Letícia.
“-Letícia, me ajuda aqui, preciso retirar a flecha do braço dessa guerreira.”-Quebrei a parte da flecha que tinha a ponteira e Letícia me ajudou a empurrar a parte de madeira para fora do braço da amazona. Pedi para Letícia suturar enquanto eu ia para a próxima.
Dona Isabel veio correndo até mim. Estava com a cabeça ensanguentada.
“-Dona Isabel, sente aqui que vou suturar seu corte.”-Não falei sobre o sequestro de Vitória.
“-Aninha, traz minha filha de volta!”- Me falou aos prantos. “-Ela e as irmãs são tudo que eu tenho. Traz ela pra mim, por favor!”-Falava em meio aos soluços.
“-Dona Isabel, não é melhor Flávia e a Tropa irem? Eu acho que só vou atrapalhar se eu for.”-Falei com o coração apertado.
“-Essas canibais não tem medo das tropas. São selvagens extremamente fortes. Nossas Tropas não tem chances. Alguém inteligente e que não tenha medo é que vai conseguir trazer minha Vitória de volta.”-Falou e eu fiquei prestando atenção.
“-Me conta sobre essas canibais, dona Isabel, elas são inteligentes?”-Comecei a estudar minhas adversárias.
“-Não, são extremamente ignorantes mas absurdamente fortes.”-Enquanto ela me explicava eu suturava sua cabeça. “-Elas tem também como rivais as Bruxas da Noite. As Bruxas da Noite são um clã de mulheres muito inteligentes que praticam o sobrenatural, envolvendo rituais de magia.”-Eu estava fascinada, não sabia que tinha um clã assim aqui em Northfolk.
“-E elas vivem onde, dona Isabel?”
“-Elas se escondem na Floresta. É um lugar sagrado para todas nós mas pra elas, é seu lar.”-Enquanto dona Isabel falava eu elaborava meu plano de resgate.
“-Obrigada pelas informações, dona Isabel.”-Terminei de fechar os pontos e disse:”-Bem, terminei sua sutura, agora, vou buscar minha rainha.

Dra. CaetanoOnde histórias criam vida. Descubra agora