Onde o Coração Está

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Capítulo um pouco mais longo que os anteriores. Esse é meio que um divisor de águas.
Quero agradecer a todas que estão acompanhando Dra. Caetano. Vocês me deixam muito feliz com as estrelinhas e os comentários. Sem mais, bora pro capítulo ;)
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Desde que Maria foi levada de nós, Vitória não era mais a mesma. Estava sempre dispersa, sem foco, não conversava comigo e quase não ia lá em casa. Toda informação que eu tinha sobre ela era quando Sabra me dava notícias. Uma noite ela chegou embreagada:
“-Oi, Vitória, por onde tu...”-Nem me deixou falar e atacou meus lábios, deixando todo gosto do álcool pela minha boca.
Rasgou meu vestido, me deitou no tapete e começou a me tocar.
“-Espera, Vitória, nós precisamos conversar...”-Nem ouviu e continuou arranhando minha pele e chupando meu seio. Aquilo não estava sendo prazeiroso para mim. Eu tentava afastá-la mas ela era muito mais forte do que eu. Nós não estávamos bem.
Ela enfiou seus dedos em mim com força maior que a habitual e me machucou.
“-Pára, Vitória! Tu tá me machucando!”-Parece que nesse momento ela voltou a sí. Retirou seus dedos de dentro de mim e havia meu sangue neles.
“-Ninha...desculpa....eu...”-Colocou suas mãos em seu rosto afim de esconder as lágrimas. “-Eu vou embora”-Se levantou e saiu batendo a porta.
Naquela noite eu não dormi, apenas chorei. Nunca me senti tão sozinha desde que saí da casa dos meus pais. Estava perdida e havia perdido algo que talvez não reencontrasse. Precisava voltar ao começo.
Fiz minha malinha, colocando poucas roupas, dois livros e peguei minha maleta. Deixei um bilhete em cima da mesa, caso Vitória voltasse, mas duvido que voltaria:
“-Amada Vitória,
Estou voltando para casa de meus pais. Desculpe por causar essa tristeza em teu coração e me perdoe por não poder te dar um filho. Desejo que tu encontre a felicidade e viva uma boa vida. O tempo vai passar mas eu não vou te esquecer, eu nunca esqueci.
Com todo meu amor, Ana Clara.”- Terminei o bilhete e deixei-o em cima da mesa junto com o anel que ela me deu.
Peguei minhas coisas e fui até minha clínica pegar meu diploma e meu livro de anatomia. Letícia estava lá.
“-Onde a senhorita está indo?”-Me perguntou.
“-Tô voltando pra casa, Letícia. Preciso reorganizar meus pensamentos. Preciso voltar pra me reconhecer de volta, pra me reaprender e me apreender de novo. Não sei se vou pra lá em definitivo. Deixei algumas coisas na casa de Vitória.”-Falei triste.
“-Ah, entendi doutora, tu tá fugindo da tua cacheada. Percebi que as coisas estavam diferentes entre vocês. Vou respeitar tua tristeza e não vou te oferecer minha cama como consolo, mas se você quiser, está disponível.”-Letícia sempre fazendo graça.
“-Tu é besta, Letícia, mas me faz rir.”-Dei um abraço nela de despedida e pedi pra que cuidasse dos pacientes e alimentasse Ventania e meus bichos na minha ausência.
Parti para Southfolk para me refazer longe de você.

Vitória’s PoV:
Acordei com uma tremenda ressaca. Como tu é imbecil, Vitória! Tu vai estragar a coisa mais verdadeira da tua vida por nada. Parabéns, tu magoou a pessoa que sempre te deu a mão e nunca exigiu nada em troca. Olhei para minha mão e o sangue dela ainda estava em mim. Preciso consertar as coisas. Espero não ser tarde.
Chamei Trovão, parti para casa de Ana Clara e qual não foi minha surpresa quando cheguei lá e encontrei um bilhete em cima da mesa com nosso anel de noivado. Ana Clara foi embora.
Preciso que ela me perdoe, embora eu mesma não me perdoaria depois do que fiz, preciso dela de volta pra mim. Resolvi não ficar lá sentindo pena de mim mesma e fui lutar por ela. Entrei em seu quarto e peguei um de seus vestidos, tranquei a casa e rumei para Corre Ventos.
“-Sabra, estou saindo em viagem. Tome conta de mainha na minha ausência.”-Falei para Sabra enquanto arrumava algumas coisas para viagem.
“-Tu tá indo onde, criatura?”
“-Tô indo em busca da minha felicidade. Vou buscar meu maior tesouro.”-Sabra sabia que eu andava negligenciando Ana então me deu uma lição:
“-Como tu foi deixar as coisas chegarem nesse ponto, Vitória. Tu é sempre assim, quando as coisas não saem como tu quer, tu desconta em quem tá do teu lado.”-Sabra me fez parar e prestar atenção nela.”-Não importa o que aconteça, vocês precisam conversar sempre. Tu não pode virar as costas pra tua parceira. Isso é um relacionamento. É dividir as coisas boas e as coisas ruins, e terão muitas coisas ruins, pode ter certeza. Vai ter dias que a rotina vai consumir vocês e nessa hora tu tem que lembrar de uma palavra-chave: tolerância. Vocês tem que ser tolerantes uma com a outra e dialogarem. Só isso.”-Com essas palavras de Sabra, tive certeza do meu próximo passo.
“-Sabra, tu pode por favor levar esse vestido lá pra Júlia Pak? É bem urgente. Diga pra ela que e um vestido da Ana, pra ela pegar as medidas e fazer o vestido dela. Diga pra ela que vou buscar o vestido daqui dez dias.”-Terminei de arrumar minha mala e já ia saindo quando Sabra me perguntou:
“-O que vai ter daqui dez dias?”
“-Meu casamento.”-Falei e saí.
...
Cinco dias de viagem até Southfolk. Pensei que não chegaria nunca. O tempo age de forma estranha: quando estou com Ana, as horas passam voando e parece que o tempo escorre entre os dedos. Quando estou longe dela, uma hora dura uma eternidade.
Cheguei no centro da cidade de Southfolk e nunca tinha visto nada igual. Muitas carruagens pelas ruas, calçadas de pedras retangulares, homens bem vestidos de terno e cartola, prédios de três andares. Bancos, teatros, bibliotecas...era uma cidade grande. Como vou achar Ana Clara?
Precisava pedir informação, mas onde? Para quem? Quem conhecia Ana Clara aqui nessa cidade enorme? Resolvi confiar nos meus instintos que nunca me abandonaram. Comecei observar toda gente que andava pelas ruas. Pessoas altas, baixas, cabelos longos, curtos e avistei uma moça pequena, com cabelos castanhos e longos e porte físico de Ana Clara. Corri até ela:
“-Ana!”-Toquei em seu braço. Não era ela.”-Desculpe moça, te confundi com uma pessoa. Me perdoe.”-Já ia me retirando quando ela falou:
“-Ana é o nome da minha irmã. Ela se chama Ana Clara.”-Obrigada, Deusa! Nem acreditei na minha sorte!
“-Ana Clara Caetano?”-Perguntei para confirmar.
“-Sim. Eu sou Luana e tu quem é?”-Quis saber a moça.
“-Sou Vitória Falcão.”-Seu sorriso morreu e a expressão em seu rosto mudou.
“-O que tu quer com minha irmã? Já não causou bastante estrago nela?”-As palavras de Luana me acertaram com força.
“-Luana, por favor me deixa vê-la, eu preciso me desculpar. Se ela não quiser voltar comigo, tudo bem, mas não posso deixar as coisas assim.”-Supliquei à ela.
“-Olha, tu deu sorte que tô indo pra casa agora. Me acompanhe.”-Meio contrariada, me levou até sua casa. Chegamos e fomos recebidas por dona Mônica. Uma recepção não muito amigável, tenho que dizer:
“-Boa tarde, me chamo Vitória Falcão, Ana Clara está?”-Perguntei com o maior sorriso no rosto o qual foi desmontado em segundos.
“-Vitória, é?”-Dona Mônica apertou minha mão com a força de alguém que queria quebrar alguns dedos. “-Venha até minha cozinha.”-Falou assim.
Entrei em sua casa e estava tudo em silêncio. Acho que Ana havia saído.
“-Sente-se, Vitória.”-Dona Mônica enquanto falava, continuava seus afazeres. “-Sabe, vou te contar um pouco sobre minha filha. Ana Clara é uma lutadora. Ela veio de uma gestação problemática, passou por um parto prematuro e sobreviveu quando ninguém acreditava que isso fosse possível, mesmo assim ela nunca se entregou. Minha filha é uma vencedora, ela tem um propósito nessa vida. Essa semana ela chegou aqui, sem o brilho em seus olhos, abatida, derrotada, como se nada mais fizesse sentido e tu sabe por que, Vitória Falcão? Por um coração partido.”-Fez uma pausa, passou a mão em seus cabelos e continuou de costas pra mim. “-Eu já te conhecia de antes, Vitória Falcão, da época que morávamos em Northfolk e ela só falava na menina cacheada que corria mais que os meninos e tinha asas nos pés. Ela sempre quis te conhecer e tu nem sabia que ela existia. Uma vez, Deco, o primo dela, chegou lá em casa e pra provocar Ana, disse que ia casar contigo. Ana chorou a noite toda. Um dia tu vai ser mãe, senhorita Falcão, e eu espero que tu nunca passe por isso. Ver tua filha chorando por um amor que nem sabe que ela existe.”-Dona Mônica se virou pra mim em prantos. “-Eu não sei mais o que faço... por favor, traga minha filha de volta. Devolva o brilho dela. Eu só quero que ela seja feliz.”-Escondeu o rosto entre suas mãos. Me levantei e a abracei.
“-Dona Mônica, eu vim aqui pra buscar Ana Clara. Eu vou me casar com ela. A senhora me dá a mão de sua filha?”-Perguntei olhando em seus olhos.
“-Tu não é merecedora da minha Clarinha, ninguém é. Mas se ela te escolheu, eu não tenho nada a dizer. Só quero ver minhas filhas felizes.”-Falou.
“-Posso vê-la”-Perguntei ansiosa.
“-Ela tá no quartinho dela, no final do corredor. Edmilson tá lá com ela tentando fazê-la comer mas ela só quer dormir.”-Me falou enxugando as lágrimas.
“-A senhora me dá licença pra eu usar seu fogão?”-Pedi à ela.
Fiz o pão que Ana gosta e ainda quente, fatiei e deixei em um prato com dois ovos fritos com a gema mole que ela gosta.
Fui até o quarto e seu Edmilson, acariciava os cabelos da filha que estava deitada de costas para ele. Ele me viu, se levantou devagar me dando seu lugar. Cumprimentei-o e notei que não disfarçava suas lágrimas.
Larguei a bandeija com o lanche em uma mesinha e deitei ao lado dela. O quartinho de Ana é bem simples, como ela e como tudo deveria ser.
Ana perdeu peso esses dias. Cheguei mais pra perto dela, encaixando meu corpo no dela e fiquei acariciando seu braço e sentindo seu cheiro quando adormeci.

Ana Clara PoV:
Ainda de olhos fechados, senti um perfume de flores do campo muito familiar, que invadia meu quarto. Abri os olhos e vi um braço, que não era do meu pai, me envolvendo num abraço. Me virei para o lado. Só pode ser sonho:
“-Vitória? O que tu tá fazendo aqui? Quando tu chegou? Como me achou?”
“-Oi, Ninha...”-Ainda esfregando os olhos.”-Eu fiz um lanche pra tu, óia..aahh...agora o pão esfriou...sou péssima com surpresa...tava tão bom aí do teu lado que acabei dormindo.”-Me falou com aquele sorriso que ilumina até minha pior escuridão.
“-Vitória...tu me mata... como assim tu veio só pra me trazer um lanche?”-Já tava me sentindo bem melhor só de tê-la ali à meu lado.
“-Sim, óia, o pão de milho que tu gosta, fiz pá tu”- Se levantou pegando uma bandeija em cima da minha mesa.
“-Não precisava, Vitória, mas já que trouxe, vou me servir.”-Que delícia esse pãozinho da Vitória. “-Mas Vitória, o que tu tá fazendo aqui?”-Perguntei mordendo um pedaço. Vitória ficou com o semblante sério e falou:
“-Vim te pedir desculpas, NaClara, eu sou uma idiota e acabo com tudo de bom que tenho na vida. Tu é minha verdade, minha saudade e meu querer. É contigo que eu quero dividir meu colchão todas as noites do resto da minha vida. Não posso te perder. Eu não quero filho se não for contigo e se tu não quiser, eu também não vou querer. Eu nunca quis te machucar. Tu aceita esse anel de volta? Tu me aceita de volta?”-Me perguntou segurando o anel.
“-Ô, Vitória, eu poderia acordar sem teu olhar de sono, sem teu lábio que é dono. Poderia encantar qualquer outro par de ouvidos e não te ter mais aqui comigo mas eu não quero, por que eu te amo e é contigo onde meu coração está.”-Ela sorriu, colocou o anel em meu dedo  e me beijou docemente.
“-Ah, Ninha, tem mais uma coisa...”-Fez uma pausa e continuou: “-Marquei nosso casamento pro final da semana que vem”-É o quê?

Dra. CaetanoOnde histórias criam vida. Descubra agora