Fora da Lei

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Alguns dias haviam se passado desde o aniversário de Agnes e como agora ela já havia completado dezessete anos, Vitória e eu queríamos lhe dar uma montaria. Estávamos no estábulo de Lucas quando Vitória disse:
“-Filha, olha que belo esse cavalo.”-Disse Vitória examinando os dentes e os cascos do animal. “-Experimenta montar nele pra ver se vocês se acertam.”-Vitória passou as rédeas do cavalo para Agnes que estava um pouco insegura.
Ela subiu no cavalo e, com calma, tentou dar uma volta com ele. O animal se agitou:
“-Wooaaa! Calma, rapaz!”-O cavalo ficou em suas patas traseiras, empinando e derrubando Agnes de seu lombo.
“-Filha!”-Vitória e eu corremos para ampará-la. “-Machucou, minha filha?”-Agnes atirada no chão levou a mão em sua lombar massageando-a.
“-Acho que não quebrei nada, mas minhas costas estão doendo muito.”-Vitória e eu ajudamos a levantá-la do chão, com cuidado e comecei examinar ali mesmo. Felizmente ela não quebrou nada.
“-Puxa, Agnes, me desculpe! Meus cavalos são mansos...não sei o que assustou esse aí. Ele é bastante dócil.”-Lucas falou se desculpando e levando seu cavalo de volta ao estábulo.
“-Não se preocupe, tio Lucas... eu estou bem. Mas por hora, não quero saber de montar.”-Vitória e eu respiramos aliviadas.
“-Filha, vamos ali na clínica que vou te examinar melhor.”-Estávamos caminhando até o consultório quando vimos uma movimentação no Saloon de Tiago. Três bandidos, com seus rostos cobertos, saíram e davam tiros para cima, assustando quem estava lá dentro. Vitória puxou Agnes e eu, e nos escondemos atrás de uma carroça.
Os fora da lei correram e montaram em seus cavalos e logo em seguida, Tiago saiu correndo do Saloon:
“-Fui roubado! Alguém pare esses ladrões!”-Tiago corria com sua arma em punho. Ele parou, mirou e disparou uma vez, duas vezes e na terceira acertou um deles que caiu de seu cavalo.
Tiago correu em direção ao bandido que estava jogado no chão. Corremos até lá antes que ele fizesse alguma bobagem.
Ele se ajoelhou e agarrou o fora da lei ainda com seu rosto coberto, pelo colarinho, apontou sua arma para o rosto dele e disse:
“-Escolheu o lugar errado para assaltar, parceiro.”-Engatilhou sua arma quando interferi:
“-Tiago, tu não pode atirar num garoto desarmado assim, à sangue frio.”
“-Não é um garoto. É um mentiroso e um bandido.”-Falou se levantando, cutucando as costelas do rapaz com suas botas.
Vitória puxou o lenço que cobria o rosto do rapaz e tivemos uma surpresa:
“-Tu tem razão, Tiago, não é um garoto. É uma moça.”-A garota devia ter por volta dos dezoito anos. Tinha os olhos da cor do céu e cabelos loiros e compridos escondidos embaixo de seu chapéu.  A cidade toda, inclusive eu, olhava incrédula. Nunca ninguém soube de uma moça fora da lei.
“-Tire as mãos de mim! Me deixe ir!”-Ela relutou tentando fugir mas Vitória a manteve imobilizada no chão.
“-Tu vai é pra minha clínica. Tem uma bala alojada no teu ombro.”-Falei com um tom autoritário.
Tiago guardou sua arma no coldre e recolheu o saco com o dinheiro roubado do chão, e voltou para o Saloon. Vitória ajudou a menina a se levantar, levando-a para o consultório.
Entramos na clínica e, imediatamente, Agnes começou a desinfetar meus instrumentos enquanto eu preparava a maca para recebê-la. Deitamos a moça com cuidado que gemia muito de dor no local. Vitória deitou-a de lado, deixando o ombro ferido exposto.
“-Pinça.”-Agnes me alcançou rapidamente. “-Agnes, passe o clorofórmio nela.”-Pedi  examinando o local onde a bala atravessou.
“-O que é isso?”-A fora da lei perguntou.
“-É pra te fazer dormir. Assim tu não sente dor. À propósito, eu sou a Dra. Caetano. E tu? Como se chama?”
“-Belle. E não quero essa coisa aí pra dormir.”-Agnes que levava o anestésico até ela, parou.
“-Mas vai doer.”-Agnes falou. A moça fitou-a com seus belos olhos azuis.
“-Eu posso aguentar. Não sou fresca.”-Falou séria.
Apenas olhei para Agnes que deu de ombros e guardou a anestesia.
Entrei com a pinça em sua ferida aberta. Ela fez cara de dor mas não gritou. A menina virou o rosto para o outro lado.
“-Tu teve muita sorte, Belle, a bala não atingiu teus pulmões. Ela se alojou no teu ombro.”-Falei concentrada no ferimento.
“-Mãe, ela desmaiou.”-Agnes disse afastando os cabelos da moça de seus olhos.
“-Sem fazer um ruído. A menina é dura.”-Vitória comentou.
“-Ela perdeu muito sangue.”-Agnes observou.
“-E não pode perder mais.”-Nesse momento, Arthur entrou na clínica:
“-Mainha, o sr. Tiago quer falar com a senhora.”
“-Diga à ele que já vou.”-Vitória aproveitou a deixa e saiu junto com Arthur.
Alguns minutos depois, com a operação terminada, saí da clínica e parece que a cidade toda estava na frente do meu consultório.
“-Telegrafei ao xerife de Westfolk e ele disse para trancarmos ela até ele chegar. Provavelmente ele chegará semana que vem.”-Guto me informou. Como  não temos um xerife, ficamos dependentes dos oficiais de outras cidades.
“-Ela está inconsciente, Guto.”-Expliquei.
“-Tem uma cama na cadeia.”-Jeff se intrometeu no assunto.
“-Mas movê-la causaria hemorragia...e até a morte.”-Falei.
“-Que pena.”-Tiago falou ironicamente, fumando seu cigarro.
“-Tiago, ela é uma menina de dezoito anos!”-Exclamei.
“-Uma menina que me apontou uma arma.”
“-Mas ela disparou?”-Tentei defendê-la.
“-Não dei essa chance à ela.”-Ele falou quase gritando.
“-Ela ia atirar.”-Guto se meteu.
“-Como tu sbe, Guto? Como tem tanta certeza se tu nem tava lá?”-Falei cruzando os braços em frente ao meu peito.
“-É verdade. Não sabemos dos fatos.”-Reverendo Simas interveio.
“-Eu concordo. Ela tem o direito de se explicar.”-Vítor concordou.
“-Aqueles homens que estavam com ela poderiam ser irmãos ou talvez..tivessem obrigado ela a fazer o assalto com eles...”-Explanei.
“-Ela roubou dinheiro e todo mundo viu.”-Jeff falou.
“-É verdade. Temos nossos negócios e casas para proteger. Ela pode sair da clínica e roubar e atirar nas pessoas. ”-Greice falou.
“-Ela não vai à lugar nenhum. Está muito fraca e vai ficar comigo até que melhore. Isso não é negociável. Eu serei responsável por ela.”-Falei franzindo o cenho.
“-Percebe que se ela fugir você estará com problemas, Caetano?”-Guto ameaçou.
“-Ela não vai fugir.”-Percebi que ninguém acreditou em mim mas por hora, era o suficiente.

Narrador PoV: Enquanto a discussão acontecia lá fora, dentro da clínica Agnes secava a testa suada de Belle que se remexia na maca. Ela despertou subitamente se sentando e caindo deitada logo após pela dor em seu ombro:
“-Mas que droga!”-Bradou com a mão no ombro.
“-Ei, moça, não se mexa assim. Vai abrir os pontos.”-Agnes tocou gentilmente no ferimento, checando os pontos por baixo do curativo.
Belle ficou observando Agnes andando até um pequeno balcão e servindo um copo de água. “-Beba.”-Ofereceu o copo para a garota.
Agnes levou a mão em sua lombar massageando-a. Ainda doía pela queda de logo cedo.
“-O que foi? Te machucou quando caiu do céu, anjo?”-Belle disse erguendo uma sobrancelha e bebendo sua água.
“-O que é isso? Não entendi o comentário.”-Agnes olhou séria para ela.
“-Tô flertando contigo, linda. Tu é muito bonita, sabia”-A loira piscou o olho para ela.
“-Não fale essas coisas.”-Agnes se afastou um pouco, trocando a água da bacia que utilizara.
“-Hum, mas que santinha.”-Belle ironizou.
“-Melhor não falar e nem se mexer por enquanto. Dra. Caetano me pediu pra eu te limpar. Não se mexa.”-Agnes torceu o paninho com água.
“-Não preciso que me limpe.”-Belle falou relutante.
“-Precisa sim. Tu não toma banho, não?”-Agnes perguntou sinceramente vendo a sujeira por todo rosto da moça.
“-Claro que não. Não sou uma fresquinha que toma banho todos os dias.”-Ela falou como se tivesse orgulho daquilo mas Agnes a ignorou, continuando seu trabalho. “-Tu tem namorado? Namorada? Qual teu nome?”-Belle perguntou impaciente.
“-Isso não é da tua conta.”-Agnes não ousou a encará-la. Guardou a bacia que usou e saiu da clínica. Dra. Caetano, Arthur e Vitória estavam ali fora.

Ana Clara’s PoV:
“-Agnes, Belle está bem?”-Perguntei a minha filha que saiu da clínica bufando.
“-Não se preocupe com ela, mãe. Ela sabe se cuidar.”-Agnes falou baixando as mangas de sua camisa.
“-Agnes, sabia que Belle vem morar com a gente?”-Arthur falou animado para sua irmã.
“-O que?”
“-Estou pensando em levá-la para casa.”-Falei para ela.
“-Tu tem certeza que isso é boa idéia, Ninha?”-Vitória indagou apreensiva.
“-Sim, é mais fácil cuidar dela lá.”
“-Já tô vendo que vou ter que esconder minhas machadinhas.”-Vitória não gostou muito da ideia.
“-Ela não pode vir morar conosco.”-Agnes falou visivelmente irritada.
“-Por que não, filha?”-Perguntei.
“-E se...o bando dela voltar para buscá-la?”
“-Bom, são só dois rapazes. Acho que damos conta deles, filha. E também, já devem estar presos essas horas.”-Vitória falou calmamente.
“-Onde ela vai dormir?”
“-Bom, pensei que ela poderia dividir o quarto contigo. Tem problema? Vocês tem quase a mesma idade.”-Agnes estava ocupando o quarto dos fundos. Depois que ela cresceu, decidimos dá-la mais privacidade embora Arthur nem sempre desgrudasse da irmã.
“-Ei, teremos uma fora da lei em casa! Mal posso esperar para contar ao pessoal da escola.”-Arthur saltitava animado.
Vitória e eu entramos para buscar Belle e acomodá-la na corroça e levá-la para casa mesmo a contra gosto de Agnes.
Vitória teve o cuidado de conduzir a carroça de forma lenta e que não sacoleijasse muito. Belle veio dormindo o caminho todo. Ao chegarmos, fomos recepcionadas por Arthur, que tinha vindo na frente com Agnes:
“-Ela chegou!”-O pequeno veio correndo até a carroça..
“-Quem é você, pequeno?”-Belle perguntou, tentando se levantar.
“-Sou Arthur! Eu nunca conheci nenhuma menina fora da lei! Na verdade, nunca conheci ninguém fora da lei. Achei legal!”-Se apresentou muito animado.
“-Gostei de ti, guri. Nem parece que é irmão daquela menina ali. Parece que vai me balear com o olhar.”-Belle teceu seu comentário sarcástico sobre Agnes.
“-Vitória, ajude Belle a descer.”-Pedi á minha esposa.
“-Obrigada, doutora, mas não preciso de ajuda.”-Belle desceu sozinha da charrete e foi andando para frente de casa.
“-O que tu pretende fazer, Ninha? Vamos amarrá-la no celeiro?”-Vitória falou em tom de brincadeira.
“-Espero que não seja necessário, Vi.”-Já, em frente à nossa porta, me dirigi à Belle: “-Eu disse pra cidade toda que vou ficar responsável por ti. Então, quero que me prometa que não vai fugir. Te dou minha palavra que tu vai ter um julgamento justo.”
“-O que tu diz, Belle?”-Vitória perguntou.
“-Vocês tem minha palavra. Não vou fugir.”-Ela falou séria.
“-Acha que dá pra confiar nela, Ninha?”-Vitória me perguntou desconfiada.
“-Pode confiar. Belle Star nunca volta atrás em sua palavra.”-Falou orgulhosa.
“-Esse é seu nome?”-Perguntei.
“-Sim. E agora já sabem. Algum dia todos irão conhecer o nome Belle Star.”- Falou com um brilho intenso em seus olhos.
“-Bom, vamos entrando então.”-Vitória abriu a porta.
Aquele dia correu tudo bem. Agnes relutou um pouco em dividir seu quarto e ceder algumas roupas à Belle, mas conseguimos contornar a situação.
No outro dia cedo, fui até a Gazeta pedir à Manoela que viesse fazer uma ‘suposta entrevista’ com Belle para ver se achávamos alguma pista de onde ela vinha ou se tinha família. Vitória deu essa idéia por que observou o modo que ela falava orgulhosa que todos um dia a conheceriam. Chegamos em casa  e Agnes servia o café para Belle que estava na cozinha:
“-Bom dia, Belle. Essa é Manoela Gavassi do jornal A Gazeta. Ela é a editora do jornal local e quer fazer uma entrevista contigo.”-Expliquei à garota.
“-Olá, Belle. Será que posso te fazer umas perguntas?”-Manu se acomodou perto dela e retirou seu caderninho de sua bolsa.
“-Não vou dizer nada.”-Belle continuou saboreando seu café preto.
“-Por que não?”-Manu perguntou.
“-Não vou trair meus amigos.”-A garota respondeu.
“-Eu não quero que traia ninguém. Só pensei que tu gostaria de contar tua história. Muita gente gostaria de conhecer tuas aventuras.”-Manu falou convicta.
“-É verdade, Belle, o jornal da Manu com certeza iria ajudar a difundir a lenda de Belle Star.”-Falei.
“-Poderia ficar famosa. Todos iriam conhecer teu nome.”-Manoela falou já apontando seu lápis para começar a escrever.
“-Bem, talvez estejam certas. Tá bem, lá vai. Anote aí.”-Ela se ajeitou na cadeira. “-Belle Star, com dezoito para dezenove anos, sabe montar, laçar, atirar e brigar melhor que dois homens juntos...Isso se não me acertarem pelas costas antes...”-Ela baixou a cabeça, fez uma pausa e continuou: “-Ela já assaltou doze saloons e...”-A interrompi:
“-Doze?”- Perguntei incrédula.
“-E também roubou duzentos e quarenta e sete cavalos”-Ela continuou.
“-Deve estar exagerando.”-Falei.
“-Não! É a verdade.”
“-Manu, não anote isso. Ela tá exagerando.”-Pedi a Manoela.
“-Mas ela disse que é verdade.”-Manu retrucou.
“-E também roubei quatrocentas e cinquenta cabeças de gado.”-Ela continuou contando e bebendo seu café tranquilamente.
“-Não coloca esses números sem verificar antes, Manu.”-Falei.
“-Agora me conte sobre seus romances. Manoela estava realmente interessada na história de Belle.
“-Bem, meu primero amor foi com quinze anos. A conheci enquanto assaltava um saloon em Eastfolk...ela era linda...”
“-Eastfolk? É de lá que tu vem?”-Perguntei e ela disfarçou.
“-Não sou de lugar nenhum...eu gostaria de comer alguma coisa antes de continuar. Agnes, meu bem, e aqueles biscoitinhos? Ainda tem algum?”-Perguntou cheia de graça.
“-Não me chame de ’meu bem’. Não sou nada tua.”-Agnes entregou os biscoitos de qualquer jeito à moça.
“-Braba! Gosto disso.”-Mordeu o biscoito sorrindo. Menina abusada.
Manoela encerrou a entrevista e fomos até a Gazeta:
“-Manu, é claro que ela inventou metade dessa história.”-Falei e Manoela preparava as prensas para começar a imprimir a Gazeta.
“-Por que tu acha isso. Dra. Caetano?”-Manoela perguntou focada em seus afazeres.
“-Por que ela quer chamar atenção, Manu. Por favor, não publique isso.”-Pedi encarecidamente.
“-Ana Clara, todos querem saber sobre ela. É excitante e romântico.”-Minha amiga respondeu.
“-Roubar cavalos é romântico? Isso não é um livro de romance, Manu.”
“-É melhor que um livro de romance. É a verdade, Caetano.”-Manu disse animada demais.
“-Tu não percebe que tranformá-la em heroína vai encorajar as outras pessoas, talvez até as crianças. à fazerem o mesmo? Já pensou? Um monte de crianças armadas invadindo os saloons por aí?”
“-Ana, eu só relato as notícias. Não julgo nada.”-Manoela quis se isentar de culpa.
“-Mas tu tá julgando. Decidindo que os fora da lei são notícia e que professores e rancheiros não serão notícia á menos que cometam algum crime...”
“-Dra. Caetano, meu trabalho é publicar notícias interessantes e realistas. E de qualquer maneira, foi tu mesma que me pediu pra fazer essa entrevista.”-Manoela jogou pra cima de mim.
“-Já até me arrependi. Espero que a gente descubra alguma coisa sobre ela. Só cuidado com o que tu vai escrever, Manu.”-Deixei Manoela cuidando de suas prensas e fui para meu consultório.
Narrador’s PoV :
Na casa dos Caetano Falcão, Agnes terminava de arrumar a casa enquanto Belle puxava uma conversa:
“-Então, o que tu faz da vida mesmo, Agnes?”
“-Eu estudo e treino de vez em quando na aldeia da minha avó.”-Ela respondeu sem parar seus afazeres.
“-Ah...sei...entendi. E tu não cansa dessa vida? Não tem vontade de montar em um cavalo e sair por aí, conhecendo o resto do país?”- A loira perguntou.
“-Minha outra vó mora em Southfolk. Já tive vontade de ir lá conhecer, mas não tive oportunidade ainda. Quem sabe um dia eu vá...”-Agnes fez um chá e serviu para elas. Ela estava gostando da conversa leve que estavam tendo.
“-Southfolk é uma cidade grande. Já estive lá. Tem grandes bibliotecas, teatros. Acho que você vai gostar. A gente podia ir agora, o que você acha?”-Belle perguntou na maior naturalidade e Agnes gargalhou.
“-Tá maluca? Tu deu tua palavra pra minha mãe que não ia fugir.”-Agnes retrucou.
“-Mas eu não ia fugir. A gente só ia dar um passeio.”-Falou com a maior cara de pau.
“-Aé? Um passeio quase do outro lado do país. Tu é engraçada mesmo.”-Agnes se levantou recolhendo as botas de Belle: “-Vou esconder tuas botas. Se tu quiser ‘dar um passeio’ vai ter que ser descalça.”-Agnes saiu levando os calçados.
“-Ei, Agnes! Minhas botas! Devolve aqui. Que moça difícil.”-Belle observou terminando de beber seu chá.

Ana Clara’s PoV:
A Gazeta havia sido impressa há poucas horas e toda cidade já estava reunida na porta do jornal, comentando sobre Belle:
“-Duzentos e quarenta e sete cavalos! Deve ser um novo recorde!”-Lucas falou admirado.
“-Ela só tem dezoito anos!”-Disse Greice.
“-E também roubou quatrocentas e cinquenta cabeças de gado!”-Vitor exclamou.
“-Viu só, Manoela, nem todo mundo acredita nisso.”-Falei apontando-lhe a Gazeta.
“-Por que não? Ela disse que foi assim, não?”-Tiago disse com a cara do deboche.
“-Ela inventou a maior parte! No fundo é uma menina assustada.”-Falei.
“-Aqui ela diz que meninos e meninas devem ser tratados iguais.”-Disse Guto.
“-Se quer agir como um homem, vai enfrentar as consequências como tal.”-Tiago disse.
“-Mas ela é jovem! Tem praticamente a idade da minha filha! Não é uma criminosa.”-Defendi a garota.
“-Ela é um vaso ruim, Dra. Caetano, não se iluda.”-Jeff argumentou.
“-Pau que nasce torto, nunca se endireita.”-Guto completou.
“-A única soluição é prendê-la.”-Tiago comentou.
“-Não vêem que isso não ajuda em nada? Se a prendermos com os criminosos, ela vai aprender a ser criminosa. Se ela ficar com uma família, vai aprender a ser parte de uma família.”-Pra mim aquilo era claro como água. Qual a dificuldade de entenderem meu raciocínio?
“-Mas ela disse que não tem família.”-Manu falou.
“-Eu não acredito nisso. Vítor, quero enviar um telegrama para Eastfolk. Acho que Belle cresceu lá. Sua família deve querê-la de volta.”-Falei para meu amigo.
“-Se eu pedir urgência na entrega, poderemos achar a família dela.”-Ele respondeu.
“-Então faça isso, por favor.”
“-Agora mesmo!”-Vítor saiu correndo em direção ao telégrafo.
“-O delegado chegará em quatro dias. Com ou sem família, ela vai para cadeia!”-Guto gritou Virei minhas costas e fui embora dali.
Vitória havia passado o dia trabalhando em Pedra da Lua e veio me buscar quando a noite chegou. Chegando em casa, fui examinar o ferimento de Belle:
“-Já está bem melhor, Belle. Tua cicatrização é muito boa.”- Falei trocando o curativo. “-Consegue mexer o braço? Seria bom exercitá-lo de leve.”-Ela tentou levantar mas seu ombro doeu.
“-A dor não me incomoda. Vou tentar, obrigada doutora.”-Fez uma cara de dor mas continuou tentando movimentar o braço.
“-Tu quer trocar de roupa? Tua blusa tá com esse buraco que a bala fez. Agnes pode te emprestar uma.”-Falei observando o rasgo nas costas da garota.
“-Obrigada. Vou ficar com a minha mesmo.”-Falou tímida.
“-Tira  a blusa que eu vou costurar pra ti.”-Agnes estendeu a mão para Belle.
“-Agnes, você não era assim.”-Belle tirou a blusa devagar, tomando cuidado com seu ombro, ficando apenas com sua camiseta branca. Agnes não se importava mais com as brincadeiras. Vindo de Belle, era natural.
A fora da lei sentou-se no tapete e foi brincar com Maria que montava suas casinhas com seus bloquinhos. Eu não conseguia olhar para ela e ver essa criminosa que todos falavam. Talvez ela tivesse feito as escolhas erradas na vida mas todos merecem uma segunda chance, certo?
Vitória fazia a janta e eu estava fazendo algumas anotações sobre os pacientes enquanto Arthur desenhava e mostrava a Belle que brincava com Maria e Agnes costurava sua blusa. Era como se aquele cenário fosse rotineiro. Estávamos todos à vontade e quem dera tivesse sido sempre assim:
“-Tia, essa janta sai ou não sai? Tô cheia de fome aqui.”-Belle falou mais alto para Vitória ouvir.
“-Olha aqui, menina, tu me respeita que não sou tua tia!”-Vitória fechou a cara e apontava a colher de pau para a garota que ria junto com Maria e Arthur.
Após o jantar, Arthur quis jogar uma partida de Damas com Belle. Vitória e eu ficamos à mesa tomando um chá e Agnes brincava com Maria:
“-Tu tem que mexer tua pedra, Belle.”-Arthur falou impaciente.
“-Eu sei, eu sei...só tô pensando. Acho que posso mover essa aqui.”-Ela fez seu movimento e Arthur comeu suas três últimas pedras em uma única jogada.
“-Ganhei!”-Arthur ria de sua adversária. Já era a terceira partida que ele ganhava. “-Vamos mais uma?”
“-Acho que Belle já tá cansada, filho.”-Vitória falou rindo.
“-Sim, já tô cansada de perder.”-Belle confirmou.
“-Quer o último pedaço de torta, Belle?”-Ofereci.
“-Não, Dra. Caetano, estou quase explodindo. Estava tudo delicioso. Fazia muito tempo que eu não comia assim.”
“-Imagino que tu não coma muita comida caseira, não é?”-Vitória perguntou.
“-Já fazia um bom tempo que eu não comia mesmo.”
“-Tua mãe é uma boa cozinheira?”-Perguntei.
“-A melhor. Todos os domingos à noite ela fazia frango frito e o meu pai dizia...”-Ela de repente perdeu o brilho de seus olhos e parou por um minuto:” Ele dizia que ela poderia abrir um restaurante se quisesse...”-Um silêncio constrangedor pairava no ar. Resolvi mudar de assunto:
“-Arthur, por que não toca uma música na tua gaita?”
“-Que música querem que eu toque?”-O pequeno puxou a gaita de boca do bolso.
“-Sabe tocar “Oh, Suzana?”-Belle perguntou.
“-Não sei essa...”-Arthur falou decepcionado.
“-Então eu te ensino. Me empresta aqui.”-Arthur deu-lhe sua gaitinha para Belle que tocava muito bem.
Vitória se levantou e me puxou para dançar. Arthur pegou duas colheres e acompanhava Belle tocando e cantando:
“-Oh, Suzana, não chores por mim! Eu vou pro Alabama tocando meu bandolim!”-Agnes e Maria rodopiavam pela sala ao som da gaitinha e das colheres.
Arthur e Belle tocaram mais algumas músicas até que se cansaram. Antes de ir para cama, Belle perguntou:
“-Dra. Caetano, posso lhe pedir um favor?”-A moça perguntou receosa.
“-Peça, Belle.”
“-Posso ver meu cavalo? Eu queria ver como está meu garoto.”
“-Claro. Ele está ali no celeiro. Agnes vai contigo.”-Agnes voltava do quarto das crianças pois tinha colocado Maria para dormir.
Narrador’s PoV:
Agnes gostava de desfrutar da compania da fora da lei. Era agradável estar com ela. Aos poucos, Agnes estava se abrindo.
“-Ei, amigo. Tudo bem?”-Belle passava a mão em seu cavalo.
“-Ele é lindo. Como se chama?”
“-Caramelo.”
“-Caramelo? Quer dizer que tu é toda malvadona, assaltante de tudo e teu cavalo se chama ‘Caramelo’?-Agnes não conseguia segurar as gargalhadas.
“-Não entendi o motivo da graça. Tá vendo que a cor dele é caramelo?”-Belle tentava parecer séria mas não obteve sucesso.”-E também, não sou malvadona...foi só a vida que me levou para esse lado...”-Falou com a voz mais baixa, escovando o pêlo de seu amigo.
“-Tu não tem saudades dos teus pais?”-Agnes se permitiu perguntar. Não queria ser invasiva mas a curiosidade falou mais alto.
“-Sinto saudades da minha mãe. Meu pai batia em mim e nela todos os dias. O dia que fui embora, prometi nunca mais voltar. Ela preferiu ficar com ele...”-Agnes passou seu polegar no rosto de Belle, limpando uma lágrima teimosa que insistiu em cair.
Caramelo, bateu de leve seu focinho nas costas de Agnes, empurrando-a para mais perto de Belle que a segurou pela cintura com seu braço bom.
“-Opa!”-Agnes disse tímida.
“-Acho que Caramelo gosta de ti também...”-Belle não deu tempo de Agnes pensar e roubou-lhe um beijo tímido. Agnes não contestou e a puxou para mais um beijo, dessa vez um pouco mais demorado. Era um beijo calmo, de duas pessoas se conhecendo. Belle foi respeitosa e só colocou sua língua quando Agnes lhe deu passagem. Não existia pressa, apenas as duas explorando um sentimento novo. Elas foram parando o beijo devagar e com as testas coladas, Belle falou:
“-Eu quero tentar de novo...eu vejo a tua família e quero ter algo assim também... Eu vou me entregar para as autoridades, lá em Eastfolk...pode ser que eu pegue uma pena leve e depois que eu pagar minhas dívidas com a sociedade, eu volto. Tu me espera?”-A fora da lei fitava Agnes com intensidade e apreensiva por sua resposta.
“-Tu promete que vai voltar?”-Agnes perguntou esperançosa.
“-Prometo. Belle Star nunca quebra uma promessa.”-Respondeu e a beijou novamente.
Saíram de mãos dadas do celeiro e viram uma movimentação em frente à casa. Guto, acompanhado de Tiago, conversavam com Dra. Caetano:
“-Caetano, viemos buscar a fora da lei.”-Guto mostrava um cartaz à Vitória. No cartaz estavam os retratos falados de Belle e de seus comparsas.
“-E a menina era tudo aquilo que ela disse mesmo. Estão oferecendo quinhentos dólares por ela e cem dólares por cada um dos rapazes.”- Isabelle Delevinne, Louis e Harry estavam sendo procurados por quatro estados da federação.
Belle, ao ver aquela movimentação, se assustou e tentou fugir. Foi pega por Guto e levada para a delegacia. Não havia nada que Dra. Caetano pudesse fazer à respeito.
Naquela mesma noite, enquanto todos dormiam, Louis e Harry, que estavam escondidos pela cidade, arrombaram a delegacia, tirando Belle de lá.
Belle voltou para a casa dos Caetano Falcão para buscar Caramelo:
“-Dra. Caetano e Vitória, muito obrigada por tudo. Eu vou me entregar lá em Eastfolk e pagar pelos meus crimes. Espero que me recebam novamente quando eu voltar.”-Belle falou abraçando cada uma delas.
“-Juízo heim, menina. Chega dessa vida bandida. Depois que tu pagar pelos teus crimes, pode voltar que a gente dá um jeito de achar algum emprego pra você recomeçar. Olha, tem gente que vai sentir muito tua falta, visse?”-Dra. Caetano falou apontando para Agnes. Elas se despediram com um beijo casto e o bando partiu logo em seguida.
Dra. Caetano abraçou sua filha de lado e perguntou:
“-No que tu tá pensando, filha?”
“-Se não é errado alimentar algum tipo de sentimento por Belle. Talvez ela nem volte e vai doer em mim...”-Agnes falou triste e sua mãe prontamente respondeu:
“-Pretinha, não tem problema se doer. Me deixa perto pra fazer passar. Tem nada errado se é o que te faz feliz.”

Nota da Autora: Oi, gente. Autora passando aqui pra avisar que o próximo capítulo vai ser triste. Vocês não vão gostar. Preparem o coração. Lancei a braba e saí correndo. Até sabado que vem

Dra. CaetanoOnde histórias criam vida. Descubra agora