A Caçada

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Vitória’s PoV:
O que tu tá fazendo comigo, Ana Clara? Não me apego a ninguém. Sou livre como o vento mas parece que ela colocou as amarras em mim sem eu perceber. Minha mãe vai me matar.
Cheguei na aldeia Corre Ventos e Sabra, minha irmã mais velha, veio em minha direção.
“-Onde tu andava? Mainha tá maluca de preocupação achando que tu tinha levado um tiro ou coisa pior.”
“-Tava por aí, Sabra.”- Não quis responder ao interrogatório.
“-As amazonas estão comentando que tu anda por aí com uma doutora branca. É verdade isso?”- Minha irmã sempre direta.
“-É sim. Ofereci ajuda à ela. É nova na cidade. Não conhecia nada.”
“-Uma mulher branca, Vitória! Logo branca! Tem várias amazonas que dariam um braço pra ficar contigo. Guerreiras que fariam a aldeia prosperar e tu escolhe uma branca?”-Sabra falou sem rodeios.
“-Não escolhi nada. Não tire conclusões precipitadas. Olha, Sabra, tô bem cansada. Tô indo pra minha cabana descansar.”-Falei descendo de Trovão.
“-Boa sorte. Dona isabel tá uma fera te esperando.”- Gargalhou e saiu.
Na aldeia, corria tudo normalmente. Flávia, meu braço direito, passava o treinamento à Tropa e Bárbara, sua esposa, treinava as meninas que iriam prestar o Rito de Passagem. O Rito de Passagem era realizado quando a menina amadurecia. Depois da primeira menstruação, a garota podia prestar o teste para entrar para a Tropa das Amazonas. Era uma prova dura, de resistência e sobrevivência. Passei pelas meninas e elas pararam o treinamento fazendo a saudação à Capitã da Tropa das Amazonas, no caso eu mesma.
“-À vontade, meninas. Bárbara está pegando pesado com vocês?”- Perguntei à elas.
“-Não, senhora!”-Me responderam em uníssono.
“-Bárbara, quero essas pequenas afiadas pra prova. Não coloque a vida delas em risco. Quero elas muito bem treinadas. Treino difícil, prova fácil.”-Bárbara apenas acenou com a cabeça e voltou a passar as técnicas de combate às meninas. Era uma ótima turma.
Entrei em casa e Dona Isabel, líder da Corre Ventos, mais conhecida como minha mãe, estava sentada na minha poltrona, com os braços cruzados, batendo o pé no chão e disparou:
“-O que tu tá pensando, Vitória? Tu não tem mais casa? E tuas obrigações? Tu acha justo deixar teu trabalho pra Flávia? E que perfume é esse? É daquela mulher branca que tu anda enrabixada?”-Minha mãe percebeu meu nervosismo, se levantou, veio em minha direção e continuou: “-Não pensa que eu não sei das coisas porque não nasci ontem. Eu te criei. Conheço tu e tuas irmãs muito bem. O que tu tava pensando arrumando briga naquele Saloon? Não tava pensando, né! Se tivesse juízo não tinha nem entrado naquele lugar. Esses homens tem matado nossa gente há anos, Vitória. Tu sabe disso! Precisava menos que isso pra eles se acharem no direito de virem aqui e nos expulsar da nossa prórpia terra.”-As palavras de minha mãe me acertaram na alma. 
“-Mainha, eu tô cansada de baixar a cabeça pra esses homens. Cansei de ser impedida de entrar nos lugares por ser indígena. Sabia que lá naquele mercado onde vende nossos grãos, o dono não nos deixa entrar pra negociar por causa da cor da nossa pele? Temos que ficar do lado de fora porque os ‘clientes’ não gostam. Não gostam de nós mas só se alimentam por que nós plantamos! Tu acha justo isso, mainha?”-Falei um pouco alterada e com um nó na garganta. Não gosto de discutir com ela.
“-Minha filha, entendo tua revolta mas precisamos manter a política de boa vizinhança com os brancos, infelizmente. Para que nós possamos viver nossas vidas em paz, é importante que cada um fique do seu lado. Nós aqui e eles lá e assim que vai ser.”-Minha mãe disse isso e se dirigiu até a porta. Terminou dizendo: “-Amanhã vou lá na aldeia Lua Sangrenta tratar do teu casamento com a líder de lá, Tâmara. Isso não é negociável.”-Nem me deixou falar nada e saiu batendo a porta. E agora o que vou fazer?
Não vou me casar. Não com Tâmara. Me deitei na cama e não queria pensar em nada agora mas não conseguia parar de pensar em Ana Clara. Não entendia como uma pessoa tão pequena em estatura podia ser tão gigante em atitudes e pensamentos. Dei risada sozinha imaginando a cara dela ao me ouvir dizendo isso. Provavelmente ela brigaria comigo dizendo que estatura não tem nada à ver com caráter. Sozinha, numa cidade hostil com ela e mesmo assim, seguindo seus ideais, suas convicções...Cidade hostil...e ela lá sozinha naquela cabana.
Não vou conseguir dormir sem saber que ela está bem. Não posso sair por que Dona Isabel...Aahhh!! Sou uma vergonha...me sinto presa numa gaiola. Não posso ir lá, mas vou pedir pra alguém vigiar a cabana de Ana clara.
Saí de minha cabana e fui conversar com Flávia e Bárbara. Não como Capitã, mas como amiga. Elas sempre foram minhas mehores amigas desde a infância. Confiava minha vida à elas.
“-Vitória? O que faz essa hora aqui em nossa humilde residência?” –Me perguntou Flávia fazendo graça.
“-Vim te pedir um favor. Sabe aquela cabana, de nossa propriedade, que fica perto do vilarejo? Tu pode ficar de vigia lá pra mim essa noite?”-Perguntei mas não falei o motivo da vigilha. “-E amanhã preciso de ti aqui cedo. Nós vamos caçar.” –Completei o raciocínio.
“-Claro! Já estou indo pra lá. Tem mais alguma coisa que eu precise saber?”-Me perguntou desconfiada.
“-Tu só precisa saber, por enquanto, é que tem gente morando lá e se acontecer alguma situação que ofereça risco à pessoa que está lá, tu pode acabar com a ameaça, entendeu?”-Fui o mais clara possível, sem dar muitos detalhes e Flávia que me conhecia bem, já havia entendido o recado. Não me fez nenhuma pergunta. Montou em seu cavalo e rumou para a casinha perto da vila.
Amanheceu o dia e Flávia estava de volta à Corre Ventos. Foi até minha cabana e me passou o relatório sobre a vigilha. Tudo correu tranquilamente. Ana Clara estava bem.
Saímos em seguida para caçar. Precisávamos abastecer a aldeia. Só traríamos o necessário para alimentar as amazonas. Nada de matança desnecessária. Usaríamos a pele, a carne e a gordura dos animais. Pedíamos permissão à Deusa antes de tirar a vida dos seres da floresta.
Dentro da mata, algo não estava certo. Vi algumas armadilhas escondidas sob as folhas no chão. Quando percebi a ameaça era tarde. Um tiro foi disparado e Flávia caiu ao solo. Me joguei no chão e arrastei Flávia para trás de uma árvore. “-Fica firme, Flávia! Vou te tirar daqui!”- Olhei o perímetro tentando identificar de onde havia vindo o tiro e encontrei. Um homem recarregava a arma e estava com a cabeça baixa, prestando atenção no cartucho quando pulei sobre ele. Ele ainda conseguiu bater com a coronha da arma no meu rosto, abrindo meu supercílio. O desarmei e bati em sua cabeça com o cabo da machete. Na hora, quis matá-lo, mas se eu fizesse isso, colocaria minha aldeia em risco. Deixei ele desmaiado, peguei sua arma e fui socorrer Flávia.
“-Vi..Vitória...eu vou..”-Não deixei ela continuar.
“-Não vai nada! Vou te tirar daqui.”- O tempo fechou e começou a chover forte. Peguei Flávia no colo e assoviei para Trovão. Enquanto corria ele apareceu. Montei e segurei Flávia com cuidado em meu colo. “-Trovão! Me leva pra Drª Caetano!”- Saímos em disparada.

Dra. CaetanoOnde histórias criam vida. Descubra agora