À pedidos, um capítulo no meio da semana por que vocês merecem ;)
Se cuidem ❤️
🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻🌻Fiquei paralizada quando ela me perguntou quem eu era. Provavelmente Vitória teve uma perda de memória recente. Corri e chamei Letícia, que é especialista na área.
“-Letícia, Vitória acordou. Parece que perdeu a memória.”- Falei aflita.
“-Vou examiná-la.”-Se prontificou Letícia.
Correu até Vitória que já estava querendo se levantar da cama.
“-Vitória, você precisa ficar deitada. O trauma na cabeça foi grande. Não pode se levantar assim tão rápido.”-Letícia explicou deitando Vitória no leito.
“-E tu, quem é? Não lembro de te ver por essas bandas, moça bonita.”-Falou e piscou o olho pra Letícia. Além de partido, meu coração agora estava pisoteado.
“-Sou a Drª Letícia Tavares mas você já me conhece. Só não está lembrando por que sofreu uma pancada na cabeça. Essa é a Drª Caetano e você conhece ela também.”-Falou apontando pra mim e continuou: “-Olha Vitória, é muito importante que tu tente buscar essa parte da tua memória perdida, tu mesma. Se ficarmos te falando sobre os fatos e pessoas, é capaz que você crie falsas memórias e não é isso que queremos. Você vai ter que lembrar sem ajuda.”-Letícia terminou e me olhou como se perguntasse se eu havia entendido.
“-Entendi, doutora, muito obrigada. A última coisa que me lembro foi de ir até a vila vender nossos grãos pro Sr. Jeff, do mercadinho.”-Vitória lembrou do dia que eu cheguei a Northfolk, minutos antes de nos encontrarmos.
Eu estava feliz por ver Vitória se recuperando mas ao mesmo tempo estava arrasada por ter me apagado de sua memória. Saí do hospital e fui falar para Sabra e AnaB tudo que Letícia havia recomendado.
“-Então é assim, Sabra, não podemos relatar fatos que aconteceram desde que cheguei aqui. A pancada afetou a memória recente dela. Ela não lembra de mim e nem do que vivemos juntas. Ela precisa buscar as memórias sem interferência nossa.”-Falei em meio às lágrimas.
“-Ela vai lembrar, Ana, pode ficar tranquila. E se não lembrar, eu bato naquela cabeça dura dela até que lembre.”-Sabra falou me abraçando.
“-Obrigada, Sabra, seu apoio é muito importante pra mim. Vou lá dentro ver como Vitória tá.”-Deixei um beijo no rosto de minha cunhada e voltei para o hospital.
Lá dentro, Sr. Jhonson conversava com os operários:
“-Rapazes, conseguimos desobstruir a entrada da mina. Podem voltar ao trabalho.”-Não acreditei naquilo. Cruzei os braços em frente ao peito e falei:
“-Sr. Jhonson, ponha-se daqui pra fora. Ninguém vai entrar naquela mina de novo. O senhor quase matou esses meninos. Volte para sua cidade e arranje um meio de sustento digno sem explorar jovens necessitados. Aqui na nossa cidade não tem espaço pra esse tipo de comportamento.
Terminei de falar e percebi ao meu redor Guto, Jeff, Vítor e Tiago apontando suas armas para o Sr. Jhonson.
“-Calma, senhores, eu irei me retirar. Tenham todos uma boa tarde.”-Juntou suas coisas e foi embora.
Fui até o leito onde Vitória estava:
“-Tu quer água? Quer comer alguma coisa?”
“-Eu tô com um pouco de dor de cabeça, doutora.”-Me falou com os olhos fechados.
“-Deixa eu te examinar.”-Abri seus olhos, um de cada vez, e chequei suas pupilas. “-Vitória, acompanhe meu dedo com os olhos.”-Movimentei para esquerda e para direita e estava tudo bem. “-Vou te dar um remédio para dor de cabeça.”
Fui até uma pequena bancada e enquanto preparava a medicação, senti dois olhos incandescentes me fitando as costas.
“-Tu é uma muié braba né, doutora.”-Me perguntou.
“-Nem sou mas tive que aprender a lidar com algumas pessoas aqui dessa cidade.”-Me virei e entreguei o remédio a ela.
“-Tu é comprometida, doutora?”-Essa nova Vitória, pelo jeito, flerta com todo mundo.
“-Sim, sou noiva.”-Falei sem lhe encarar.
“-Aé? Num tô vendo anel nesse dedo. Cadê teu noivo?”-Eu havia retirado o anel que ela me deu e coloquei na minha correntinha, junto à meu peito. Machuquei minhas mãos durante a retirada das pedras e não queria estragar o anel.
“-Minha noiva está ausente. Espero que ela volte logo pra mim.”-Falei brincando com meus dedos.
“-Ah, entendi.”-Me disse tomando a medicação. “-E nós somos amigas, doutora? É que não me lembro de ti.”-Uma punhalada no peito teria doído menos.
“-Sim, Vitória, somos amigas. Eu cheguei aqui em outubro do ano passado e tu me ajudou me alugando tua casa, aquela que fica perto da vila.”-Expliquei à ela.
“-Ah, sim, gosto muito daquela casa. Devemos ser boas amigas pra eu te oferecer aquela casa. Ela é muito importante pra mim.
“-Bom, eu preciso ir pra minha clínica, lá na vila. Sabra foi na tua aldeia e vem te buscar de charrete. Não faça movimentos bruscos e nem force demais pra lembrar. Segundo Letícia, as memórias tem que voltar de maneira natural.”-Me levantei da beirada de sua cama e ela me puxou pelo braço.
“-Tu vai lá na aldeia me ver? Sabe onde é, né?”-Me falou olhando em meus olhos. Que saudade do meu par de olhos preferido. Brilhavam como duas estrelas cadentes.
“-Sim, eu sei onde fica Corre Ventos, não se preocupe. Eu vou lá te examinar depois de amanhã.”-Falei acariciando sua mão.
“-Que horas tu vai lá?”-Ela quis saber.
“-Acho que à tarde, por volta das quarto horas.”
“-Então às três horas eu já vou estar te esperando, ansiosa.”-Pegou minha mão e beijou.
A semana passou rápido e Vitória se recuperava à passos largos, graças a Deus e a medicina, mas sua memória, nada de voltar. Será que um dia ela lembrará de mim?
Minha vida havia se resumido somente em trabalho aqueles dias. Apenas estudava, escrevia artigos cientificos, manipulava medicamentos e atendia na clínica tentando não pensar na falta que ela me fazia. Quando chegava em casa, à noite, a solidão me assolava. Só tinha ausência, saudade e lembrança de felicidade.
Naquele dia, eu estava saindo da clínica para comprar linha no mercado quando avistei Vitória. Ela estava abraçada à duas moças, provavelmente amazonas, bastante jovens. Deviam ter por volta dos dezoito anos. Ela parecia feliz e eu nem uma lembrança era para ela.
Fiquei lá parada, igual uma estátua, quando senti uma mão me puxar.
“-Ana vem, senta aqui.”-Letícia me levou até um banco que fica do lado de fora da clínica para espera de familiares dos pacientes.
“-Vitória me esqueceu pra sempre...”-Falei em meio aos soluços. “-Meu coração dói tanto...eu tô despedaçada, Letícia...”-Falei escondendo o rosto entre as mãos. Letícia me abraçou me consolando.
“-Ana, vem comigo pra Westfolk. Vamos começar uma vida nova lá, oque acha?”-Falou com seu rosto perto do meu. Segurou meu rosto e de repente uma machadinha cruzou por nós, cravando na parede atrás de onde estávamos.
“-Senhor, Todo Poderoso! Que susto!”-Olhei pro lado e Vitória se aproximava com os olhos em chamas e com uma expressão de fúria em seu rosto.
Ela parou do meu lado, retirou a machadinha da parede, me encarou de cima a baixo e foi embora. O que foi isso?
“-Letícia, melhor eu ir pra casa. Não tô me sentindo muito bem.”-Falei para desconversar o assunto.
“-Tá, Ana, mas pensa na minha proposta. Você é grande demais pra essa cidade e merece ser feliz. Vou te dar o mundo se você quiser.”-Deixou um beijo em meu rosto e saiu.
Fui pra casa mais cedo. Precisava arrumar algumas coisas pois eu havia recebido um chamado da aldeia Pedra da Lua. Parece que os moradores de lá estão ficando doentes gradualmente. Espero não ser outra epidemia.
Estudei o mapa para chegar até lá. Eu iria sozinha então precisava aprender o caminho. Já era passado das onze da noite quando ouvi batidas na porta:
“-Vitória? O que faz aqui essa hora?”- Vitória estava parada na minha porta, se apoiando no batente, claramente alcoolizada.
“-Boa noite, doutora, posso entrar?”-Me perguntou já entrando.
“-Aconteceu alguma coisa?”-Falei fechando meu casaco, cobrindo a camisola.
“-Uhum, aconteceu. Eu não consigo parar de pensar em ti. Por que tu não foi mais me ver?”-Fui caminhando para trás até que fui parada pela parede.
“-Tu me parece bem melhor, Vitória. Te vi na vila hoje com tuas namoradinhas.”-Falei irônica e com o coração dilacerado.
“-Elas não são minhas namoradas. Eu mesma não entendo o que está acontecendo. Não consegui ir adiante com elas. Parecia errado e meu peito começou a doer como se estivesse sendo esfaqueado. Quando eu te vi abraçada com aquela doutora, foi como se arrancassem um pedaço de mim. Chorei, fui beber e arrumei briga. Me sinto tão vazia, Ana...”-Falou com os olhos vazios e opacos.
“-Tu tá machucada, Vitória?”- Me mostrou sua mão inchada. “-Senta aqui. Vou fazer um curativo.”-Levei ela até a poltrona.
Enquanto eu colocava a bandagem sem encará-la, sentia seus olhos em mim.
“-E tua noiva, volta quando?”
“-Não sei, Vitória, ela está passando por uns problemas. Não sei se vai voltar.”-Falei com a voz embargada pelo choro.
“-Se eu fosse tua noiva, não ia te deixar nunca.”-Levantei meus olhos e Vitória estava em lágrimas. “-Ana, tu tem certeza que somos só amigas? Eu nunca vi ninguém fazer tanto barulho no meu coração.”-Me levantei, guardando as coisas e disse:
“-Vitória, não esqueça de mim, por favor.”-Não consegui esconder a emoção e derramei minhas lágrimas num choro compulsivo. Ela se levantou e me abraçou.
“-Eu vou lembrar de ti, Ninha, eu juro.”-Ouvir o apelido carinhoso que ela me deu, pela primeira vez em quase um mês, foi emoção demais e fez minha pressão despencar. Sorte que fui amparada por Vitória.
Ela me carregou, me colocou na cama e deitou-se à meu lado.
“-Não foi nada, Vitória, foi só uma queda de pressão. Daqui a pouco já passa.”-Falei com o braço sobre meus olhos.
“-Tu comeu alguma coisa hoje? Posso preparar alguma coisa pra ti.”
“-Não comi, tinha muito trabalho e precisava voltar pra casa e estudar o mapa pra chegar na aldeia Pedra da Lua. Não tive tempo de comer.”-Expliquei.
“-Tu é sempre assim, entra pra dentro desses livros e esquece até de comer.”-Dei um salto da cama e quase desmaiei de novo.
“-Repete, Vitória!”-Falei muito animada e um pouco tonta.
“-Calma, eu lembrei de uma coisa...tu gosta do pão que eu faço e teu chá é horrível.”-Eu nunca pensei que fosse explodir de alegria por ter sido depreciada, mas o fato era que minha noiva estava voltando pra mim.
“-Isso! Meu chá é horroroso e teu pão é incrível! Ah, Vitória, eu tô tão feliz que meu coração vai explodir.”-Falei saltitando na cama. Ela levantou e saltitou comigo.
“-Tá! Vou lá fazer o pão pra ti, não dorme.”-Desceu da cama e foi para cozinha. Eu não queria o mundo, só queria meu passarinho de volta pra mim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Dra. Caetano
Fiksi PenggemarNo ano de 1867, Ana Clara Caetano retorna à cidade onde nasceu, Northfolk, para trabalhar como médica numa vila rural onde cresceu. Uma das poucas médicas num mundo de médicos, ela mostra-se uma mulher à frente de seu tempo, não só por suas atitudes...