Epidemia-Parte 1

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A semana passou rápido. Flávia se recuperou em dois dias e dei alta pra ela. Recomendei mínimo esforço por pelo menos quinze dias mas, se ela for teimosa como Vitória, duvido que vá cumprir o resguardo. Como hoje era domingo, resolvi ir a missa. Queria agradecer pela dádiva de estar viva e poder realizar meu ofício.
Chegando na cidade, fui direto à igreja e encontrei Isadora com o bebê. A criança chorava sem parar enquanto Isadora tentava acalmá-la.
“-Tá tudo bem com o bebê?”-Perguntei a esposa do reverendo.
“-Não sei, doutora. Ele chorou a noite toda. Não quer mamar e está quente”-Imediatamente peguei a criança para examiná-la.
“-Isadora, ele está ardendo em febre. Vamos até a barbearia que é mais próximo, dar um banho nele.”- Corremos até a barbearia que era onde os moradores procurarvam atendimento médico. Um absurdo, porém era assim desde minha infância.
“-Guto!”-Chamei o barbeiro-“-Me arruma uma bacia com água.”-Olhei ao redor e percebi que já havia algumas pessoas lá sentadas abatidas, provavelmente com febre também. O barbeiro havia feito sangria neles.
“-Tu é maluco, homem! Por que tu tá fazendo sangria neles?”-Falei indignada.
“-Pra tirar o veneno do corpo, é óbvio”- Falou como se fosse a coisa mais natural do mundo.
“-Isso é um absurdo!”-Falei enquanto banhava o bebê com água fria. “É uma prática sem comprovação nenhuma. É desumano! Tu vai fazer teus pacientes sangrarem até a morte.”- Fui enfática.
Pedi à Isadora que continuasse a banhar o bebê e fui examinar um dos pacientes do barbeiro. Um deles já estava morto.
“-Influenza”- Falei para Guto.
“-Gripe?”- Ele arregalou os olhos e sentou em sua cadeira.
Nos reunimos, o barbeiro, o barman, o dono do mercado, o reverendo e eu para tomarmos uma providência. Estávamos diante de uma epidemia de gripe. Tempos difíceis viríam pela frente.
“Gripe se pega pelo contato. Temos que achar um lugar para colocar essa gente doente. Isolar dos que não estão doentes.”-Falei à todos.
“-Mas não temos hospital na cidade.”- O dono do mercado falou.
“-Que tal o prédio da barbearia?”-Dei a ídeia.
“-Nem pensar! Não vou colocar essa gente doente na minha barbearia.”-Disse Guto.
Coloquei a mão na cabeça e tentei pensar melhor. “-Tem aquele prédio, acho que é propriedade do Banco. Tem umas tábuas lacrando a porta. Vamos usar.”-Falei como medida extrema. É errado invadir propriedade privada mas estamos no meio de uma epidemia.
“-Exatamente por isso que tem tábuas lacrando as portas. Pra que ninguém invada. É propriedade privada.”-Falou Tiago, o barman. Ideia não deu, mas criticar ele sabia.
“-Não temos o que fazer. Vamos usar aquele espaço. É grande. Vamos fazer um hospital improvisado lá.”
Rumamos até o prédio do banco. Comecei a puxar as tábuas e estavam muito bem pregadas, por sinal. Nem se mexiam. Ninguém quis me ajudar. Continuei tentando retirar as tábuas sem sucesso, quando senti duas mãos nas minhas. Vitória me retirou para o lado e deu um puxão retirando a primeira tábua. Jogou nos pés do barman. Deu outro puxão e retirou a segunda tábua que lacrava a porta. Atirou nos pés do barbeiro. Deu um chute na porta, arromando. Fez um gesto com a mão para entrármos.
Lá dentro, o espaço era enorme. Caberíam várias camas improvisadas. Nós conseguiríamos passar por isso. O problema seria os suprimentos. Toda chegada de mercadoria de outras cidades estava suspensa. Felizmente os medicamentos que eu havia pedido quando cheguei aqui, haviam chegado ontem.
“-Vitória, eu não quero tu aqui dentro. Vai lá pra rua. Não quero que tu pegue esse vírus. Não sei como o teu sistema imunológico vai reagir se pegar uma doença de branco.”-Falei preocupada.
“-Tu pretende ficar aqui, NaClara? Com esse tanto de gente doente?”-Falou em um tom preocupado.
“-Claro, Vitória. Mas antes vou passar em casa e pegar as caixas de medicamentos que chegaram e trazer pra cá. Não pára de chegar gente doente. Quero ajudar o maior número de pessoas que conseguir.”
“-Te levo até tua casa e depois vou pra aldeia.”-Ela disse.
Vitória me deixou em casa e foi para aldeia. Peguei os medicamentos mas lembrei que não havia conseguido ir à Igreja agradecer como eu tinha planejado. Me ajoelhei aos pés da minha cama e pedi que Deus me iluminasse nesse momento de incerteza. Agradeci por estar viva e por poder realizar meu ofício. Que guardasse minha família e que tudo ficasse bem. Fiz o sinal da cruz, me levantei e voltei para vila.
Entrei no hospital de campanha e comecei a preparar as doses de medicamento. Eu deveria ser cuidadosa para que todos recebessem a medicação. Teria que racionar as doses.
Consegui duas voluntárias para me ajudar a cuidar dos pacientes. Uma delas era Maro, a garota do Saloon. Ensinei a elas que de quinze em quinze minutos elas deveriam passar uma esponja com água fria no rosto e no torso dos paciente afim de baixar a febre. Se a febre não cedesse, eu daria a medicação.
...
Já faziam três dias que eu não saía do hospital. Tivemos algumas perdas. Mas a maioria estava se recuperando. Mesmo assim, não parava de chegar gente doente. Um das minhas voluntárias havia contraído gripe e eu a estava tratando. Eu já quase não aguentava meu corpo em pé. Por diversas vezes, eu me banhava com água fria mas minha febre não baixava.
Não havia medicamento para todos, então optei por deixar para os pacientes.
Escutei passos pelo corredor do hospital. Pensei ser mais gente doente chegando mas me enganei.

Dra. CaetanoOnde histórias criam vida. Descubra agora