Acordei cedo mas consegui dormir bem durante a noite. Hoje chegará a pessoa que irá conduzir a cirurgia de Sabrina e eu precisava estar cedo na clínica para desinfetar todos os instrumentos e providenciar o necessário. Vitória já havia partido para buscar Sabrina. Combinamos de fazer a cirurgia na minha clínica por que vou respeitar a decisão de Vitória de não abrir as portas para “brancos” por enquanto.
Tomei meu café com o pão de milho maravilhoso de Vitória e parti para vila.
Estava desinfetando meus bisturis, quando uma bela moça loira, de olhos claros entrou na clínica.
“-Bom dia. Estou procurando a Drª Caetano.”
“-Bom dia. Sou eu mesma. Em que posso lhe ajudar?”
“-Nossa! Como você é jovem! Eu sou a Drª Letícia Tavares. Você solicitou apoio pra Universidade onde trabalho. Muito prazer.”-Disse ela se apresentando.
“-É um prazer, doutora. Muito obrigada por vir.”- Falei timidamente.
“-Eu queria muito trabalhar com você, sabia?”-Falou se aproximando. “-Fiquei muito impressionada como você curou a influenza na cidade.”-Estava bem perto mesmo.
“-Ah, obrigada.”-Falei me afastando um pouco, arrumando o leito para cirurgia.”-Mas eu não fiz nada sozinha, no caso do surto de gripe. Tive muita ajuda da vila e das amazonas aqui da região.”-Expliquei pra ela que não parava de me olhar.
“-A Universidade está interessada em você, aliás não só a Universidade.”-Deu um sorriso malicioso e continuou:”- Quem sabe você não volta pra Westfolk comigo quando terminarmos a cirurgia?”-Falou sorrindo.
“-Ah, doutora, gosto daqui. As pessoas são humildes e precisam de um médico aqui. Não pretendo sair por enquanto e tenho certeza que em Westfolk tem médicos muito mais qualificados do que eu.”-Falei enquanto colocava meu avental.
“-Bem, a proposta está feita. Onde posso me trocar e me esterilizar?”
“-Tem um quarto vago ali à direita e saindo dali, mais a esquerda tem um tanque onde tu pode lavar as mãos. Eu tenho álcool aqui.”- Mostrei pra ela que se direcionou ao quarto.
Em alguns minutos, Vitória, Sabra e Ana Luísa com Sabrina no colo, entraram na clínica.
“-Que bom que vocês chegaram rápido. A doutora já está aqui.”-Falei mostrando onde AnaLu deveria colocar Sabrina.
Logo a Drª Tavares voltou paramentada e pronta.
“-Bom dia, sou a Drª Tavares, sua neuro cirurgiã. Não precisam se preocupar, já fiz muitos procedimentos como esse.”-Falou e me tranquilizou também.
“-Vamos começar então.”- Falei e pedi que a família saísse da sala.
Anestesiei Sabrina e comecei a cortar o cabelo onde faríamos a operação. Cortei uma mecha dos lindos cabelos de Sabrina e passei a navalha, raspando a parte do couro cabeludo que seria aberto.
Drª Tavares estava focada, observando suas anotações e alguns desenhos em seu livro.
“-Está pronta, doutora?”- Perguntei à ela.
“-Sim. Vamos começar.”
A operação foi delicada e demorou quatro horas. Consegui drenar o coágulo e a Drª Tavares disse que estava muito otimista quanto ao resultado mas precisaríamos esperar Sabrina acordar pra ver se havia corrido tudo bem.
Saí da sala para dar a notícia à família. Expliquei tudo conforme Tavares me disse. Elas quiseram ficar na sala junto com Sabrina. Permiti que elas ficassem.
Duas horas depois do término da cirurgia, Sabrina acordou e Vitória veio nos chamar.
“-Boa tarde, linda menina. Eu sou Drª Letícia Tavares. Como você está se sentindo?”-Tavares perguntou checando os reflexos de Sabrina.
“-Doutora, eu estou vendo de novo, obrigada.”-Sabrina falou chorando de felicidade e abraçando Letícia.
“-Ora, mas não me agradeça. Foi a Drª Caetano que lhe trouxe a visão de volta. Ela drenou e limpou a região afetada. Ela viu algo que eu não teria visto e por isso você voltou a enxergar.”-Explicou ela me deixando vermelha de vergonha.
“-Ela é incrível, não é Drª Tavares?”-Falou a pequena.
“-Ela é a melhor.”-Respondeu Letícia e Vitória não gostou.
Vitória fez um movimento de braço e me puxou pra junto dela.
“-Tu é incrível, meu amor.”- Falou e me beijou na frente de todas.
“-Vitória, aqui é lugar de trabalho. A gente conversa depois.”-Falei me soltando do abraço. “-Sabrina precisa ficar em observação. Se correr tudo bem essa noite, amanhã ela poderá ter alta. Vou passar a noite aqui.”
“-Passarei a noite aqui também, Drª Caetano.”-Letícia disse olhando para Vitória.
“-Obrigada, Drª Tavares.”-Agradeci.
“-Pode me chamar só de Letícia, doutora.”- Ela disse e Vitória revirou os olhos. O que está acontecendo aqui?
“-Bom, nós vamos indo então. Deixaremos nossa filha descansar. Muito obrigada, Drª. Tavares. Obrigada Drª. Caetano.”-AnaLu e Sabra nos agradeceram enquanto Vitória cerrava os punhos e rangia os dentes.
“-Eu vou também.”-Disse Vitória. “-Mas eu volto.”-Completou.
Elas saíram e ficamos observando Sabrina. Drª Tavares era uma pessoa muito interessante e inteligente. Me explicou muito sobre neuro cirurgia e sobre o artigo científico que estava escrevendo.
Já era passado das dez da noite quando alguém bateu à porta.
“-Oi, Ninha, eu fiz janta pra vocês. Passaram o dia todo sem comer nada. Aqui teu prato e aqui o da Drª Tavares.”-Disse ela entrando e colocando as coisas em cima da mesa.
“-Ô, Vitória. Mas tu não existe mesmo. O que seria de mim sem tu?”- Ela me abraçou e deixou um beijo em minha cabeça.
“-Óia, nessa tigela aqui tem um caldinho pra Sabrina. Ela ama o caldinho que eu faço. Aqui tem tudo que ela gosta.”-Deixou as coisas e já ia saindo.
“-Espera, Vitória, fica um pouco.”-Pedi à ela.
“-Preciso voltar pra aldeia, Ninha.”-Vitória parecia me evitar.
“-Ah...que pena...”-Acompanhei ela até a porta.
“-Entendi...por isso que você não quer ir embora. É uma linda mulher.” –Tavares falou já fazendo sua refeição. “-Huuumm! E cozinha muito bem. Tirou a sorte grande heim, Caetano.”-Falou colocando mais uma garfada na boca.
“-Sim. Eu tenho muita sorte em ter Vitória.”-Fiz uma pausa e continuei. “-Mas acho que estou negligenciando ela. Não tenho dado a atenção que ela merece.”-Falei e coloquei uma garfada de comida na boca.
“-Como assim? Ela me pareceu bem apaixonada. Mas também, quem não ficaria apaixonada por você?”-Me falou piscando o olho.
“-Tu é besta, Letícia.”-Dei risada.
Vitória PoV:
Deixar Ninha sozinha com aquela mulher linda lá e que está dando em cima dela descaradamente, não me deixou nada feliz. Precisava me aconselhar com alguém sábio. Fui pedir socorro pra pessoa mais sábia que conheço: mainha.
“-Benção, mainha!”-Peguei sua mão e beijei.
“-Que a Deusa te abençoe, fia.”- Me deu um beijo na cabeça. “-Mas diga, por que essa carinha, filha?”-Minha mãe me sabe só de me olhar.
“-Ah, mainha, não sei o que faço. Tô muito apaixonada por Ana. Não sei o que fazer. Hoje chegou aquela doutora lá pra ajudar na cirurgia de Sabrina e ficou o tempo todo se insinuando pra Ninha. Ela é bonita, inteligente, sabe conversar. E se ela levar Ana de mim?”-Falei e as lágrimas começaram a cair.
“-Ô, filha, nunca te vi desse jeito por mulher nenhuma. Tu era que nem passarinho e toda semana andava com um amor diferente mas desde que a doutora chegou, tu só tem olhos pra ela. Dessa vez é sério mesmo.”-Disse dona Isabel.
“-Seríssimo, mãe, quero me casar e ter uma família com ela. Quero que ela seja meu ninho mas e se ela não quiser? O que eu vou fazer?”- Falei com as mãos no rosto.
“-Filha, acho que todo esse tempo tu não amarrava nó com ninguém por que tava esperando por Ana Clara. Vou te dar uma coisa.”- Minha mãe foi até sua cômoda ao lado da cama e me deu uma caixinha.
“-Esse é o anel que dei pra sua falecida mãe quando pedi ela em casamento. Nos casamos um pouco antes de encontrarmos você e suas irmãs. Sua mãe dizia que esse anel nos deu muita sorte. Dê à Ana quando achar que é hora.”-Abracei minha mãe, deitando em seu colo.
“-E se ela não aceitar, mainha?”
“-Tu só vai saber se perguntar, Vitória. Não sofra assim. O que é pra ser, será.”-Preciso pensar com clareza pra não estragar o que tenho com Ana. Amo demais essa pequena.
“-Ah, mainha, tem mais uma coisa: vou construir uma escola aqui em Corre Ventos.”-Dona Isabel sorriu e consentiu.Nota da autora: Ih, gente, e essa Letícia aí?

VOCÊ ESTÁ LENDO
Dra. Caetano
FanfictionNo ano de 1867, Ana Clara Caetano retorna à cidade onde nasceu, Northfolk, para trabalhar como médica numa vila rural onde cresceu. Uma das poucas médicas num mundo de médicos, ela mostra-se uma mulher à frente de seu tempo, não só por suas atitudes...