Dra. Caetano

1.3K 46 8
                                    

Então, após um tempo trabalhando como médica voluntária na guerra, fiz minha mala e parti para Northfolk. Só trouxe o necessário: meus livros (obviamente), meu diploma devidamente emoldurado, várias fotos de família e algumas roupas. Meu avental, meus instrumentos de trabalho trouxe em minha maleta médica, presente de meu pai.
Foram cinco dias de trem até chegar em Northfolk. Grandes planícies, um vasto terreno plano, coberto de grama até onde a vista alcança e algumas montanhas era a paisagem que me distraía.
Enfim, depois de muito tempo viajando, cheguei à estação férrea de Northfolk. Desci com minha bagagem realmente pesada e fui em direção às uma charrete de aluguel para que o cocheiro me levasse até a região rural da cidade.
Chegando na zona rural da cidade, fui procurar o Reverendo Simas, o qual eu já havia enviado um telegrama perguntando sobre lugares para ficar na cidade.
O vilarejo era muito simpático. Crianças brincavam correndo umas atrás das outras, algumas mulheres desfilavam com suas sombrinhas e chapéus rendados, galinhas soltas passavam pela rua sendo apenas assustadas pelos cavalos que puxavam as carroças com mercadorias.
Reparei um pouco afastado dali, um grupo de mulheres que pareciam indígenas e negociavam sacos de grãos com os comerciantes locais. Me distraí olhando para elas pois eram de uma beleza exótica, não se vestiam como as mulheres do vilarejo e tinham os corpos muito fortes. Foi quando, andando distraída, um cavalo que se soltou, disparou em minha direção.
"-Ei!"-Uma moça de voz rouca, com os cabelos cacheados e dona do mais belo par de olhos já vistos por mim, me puxou para junto de si. Ela estava mais linda do que nunca...
"-Desculpe, eu estava distraída. Não vi o cavalo."-Falei meio aturdida com o ocorrido.
"-Tu te machucou?"-Falou me fitando com aqueles olhos que certamente alguém ainda faria várias canções para eles. "-Deixa eu me apresentar: sou Vitória. Vitória Falcão. Tô junto com aquele grupo de amazonas alí."-Ah! São amazonas. Mulheres guerreiras. Devem viver em alguma tribo por aqui.
"-Eu sou Ana Clara Caetano. Cheguei hoje na cidade. Tô procurando o Reverendo Simas. Tu sabe onde encontro ele?"
"-Ah, sim, Reverendo Simas é uma pessoa muito boa. Te levo lá na casa dele. Sabe andar a cavalo?"
"-Mas Vitória, eu tô com minha mala aqui. Tem lugar pra ela no cavalo?"- Perguntei meio incrédula.
"-Oxi, Trovão é o melhor cavalo que tu já viu na vida. Ele leva nós duas e tua mala e nem cansa. Me dá tua bagagem aqui que amarro nele."
"-Trovão é o nome de teu cavalo, é?"- Perguntei puxando assunto.
"-Trovão não é meu, não. Ele é livre. É meu amigo e me ajuda quando preciso de carona."-Falou com um sorriso de canto. Meu coração quase parou nessa hora. O que está acontecendo? Eu, menina tímida e anti-social falando pelos cotovelos com uma desconhecida. E pior, quando dei por mim, estava em cima de Trovão, agarrada na cintura da amazona. Pai, me ajuda!
Em alguns minutos, estávamos na casa do Reverendo. Gritos vinham de dentro da casa. Uma mulher urrava e eram gritos de dor. Esses eu conhecia bem.
Desci rapidamente do cavalo, seguida por Vitória que me acompanhou até a porta. Tentei a maçaneta e a porta estava aberta. Olhei para Vitória que me olhava com espanto por eu invadir a casa. Corri até onde vinham os gritos. Entrei no quarto e encontrei uma mulher em trabalho de parto.
"-Vitória, traz pra mim minha maleta, por favor. Tá em cima da minha mala, lá no cavalo."- Pedi com urgência e ela foi sem perguntar nada.
Na mesma hora, entrou quarto a dentro um homem, que suponho seja o pai da criança. Me apresentei no mesmo instante:"-Boa tarde, sou a Dra. Caetano. Desculpe invadir sua casa mas sua esposa está ganhando o bebê."
"-Impossível! Isadora está de apenas sete meses! O que vamos fazer?"- Falou preocupado.
"-Não se preocupe. Já lidei com partos complicados antes. Já, já seu filho estará aqui conosco. O senhor é o Reverendo Simas?"- Perguntei já que ele não se apresentou.
"-Sou sim. Desculpe não me apresentar. Estou bastante nervoso."-Em meio aos gritos da esposa do Reverendo, Vitória chegou com minha maleta.
"-O que tu vai fazer com isso, mulé?"-Quis saber.
"-Nós vamos trazer essa criança ao mundo e tu vai me ajudar."-Falei enquanto lavava minhas mãos na bacia com água que estava ao lado da cama. Quando me virei e olhei para Vitória, ela estava com uma expressão de dúvida. Fiquei com vontade de rir, mas tinha que ser rápida. Ascultei os batimentos da mãe e senti sua barriga. A criança não tinha virado ainda. Peguei um pano em minha maleta e coloquei clorofórmio. Levei próximo ao nariz da mãe, anestesiando-a.
"-Rápido, Vitória, me passa esse instrumento que parece uma faca "-Pedi a ela meu bisturi.
"-Esse aqui?"- Me passou com os olhos arregalados.
"Obrigada. Vou fazer uma incisão aqui abaixo do abdômen. Se tu não puder com sangue, pode virar para o lado."-Falei isso e o Reverendo saiu correndo do quarto, com a mão na boca. Homens são tão frágeis mas Vitória manteve-se firme ao meu lado, secando o suor de minha testa de vez em quando.
"-NaClara do céu! Tu conseguiu, mulher!"-Exclamou ela. Tirei o bebê de dentro do útero, cortei o cordão umbilical e entreguei-o à Vitória.
"-Mas tem alguma coisa errada. O bebê não chora, Ana."-Disse a cacheada.
"-Vira ele de cabeça pra baixo, Vitória."-Disse enquanto suturava a mãe.
Ela virou o bebê com cuidado, segurando com as duas mãos e nada de chorar. "-Dá uns tapinhas no bumbum dele"-Falei anestesiando a mãe mais uma vez.
"-Tapinhas? Tá..."-Deu três tapinhas e um chorinho invadiu o quarto. Vitória sorria com lágrimas nos olhos. E então, havíamos trazido uma vida ao mundo.
"-Vou terminar de suturar aqui e a gente dá um banho nele."-Nesse momento, Reverendo Simas entrou no quarto e Vitória entregou o recém nascido à ele.
Terminei de suturar a mãe ao mesmo instante que ela voltou da anestesia."-Boa tarde, aqui está seu bebê."-Mostrei que estava no colo do pai dormindo tranquilo."-Como está se sentindo?"
"-Estranho por não tê-lo mais em meu ventre, mas muito feliz. Muito obrigada! Fiquei apavorada por que ele ia nascer antes do tempo. Tivemos sorte que a senhora apareceu, doutora.
"-Doutora?"-Vitória perguntou desconfiada.
"-Ah, esqueci de te contar, Vitória, sou médica."-Estendi minha mão à ela. "-Prazer, Dra. Caetano".

Dra. CaetanoOnde histórias criam vida. Descubra agora