Confusão no Saloon

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Dormi como há dias não dormia. Um sono profundo, sem interrupções. Virei pro lado e me deparo com Vitória, dormindo ao meu lado, com o torso competamente nu. O susto foi maior quando percebi que eu também estava nua.
“-Vitória do céu!”-Falei um pouco alto demais- “O que aconteceu ontem? Cadê tua roupa? Cadê minha roupa?”-Falei me cobrindo com o lençol.
“-Bom dia, Ninha, dormiu bem?” –Me perguntou esfregando os olhos, virando para meu lado  e apontando os seios na minha direção.
“-Vitória, por que a gente tá nua? O que nós fizemos?”-Já estava quase desesperada quando ela me acalmou.
“-Calma, NaClara, respira. Eu tirei tua roupa porque tu dormiu de roupa e tudo. Dormir toda amarrada daquele jeito faz mal pro corpo e eu não queria mexer na tua mala pra procurar algo confortável. Então, te deixei nua. Tua roupa deixei dobradinha ali em cima, óia.” Apontou pra mesa.
“-Tá, tá bem. Mas por favor, não saia tirando a roupa das pessoas por aí sem permissão, tá?”- Pedi com gentileza.
“-Entendi. Vou lembrar disso daqui pra frente.”- Me deu um meio sorriso que fez minha pele arrepiar. Vitória nua sorrindo era a coisa mais bela que eu tinha visto até aquele momento.
“-Vitória, hoje eu tenho que ir lá no vilarejo dar uma olhada no bebê do reverendo, pra ver se tá tudo bem com ele e a mãe. Tu vai comigo?”-Eu estava gostando muito de ter Vitória ali comigo. Era muito confortável conversar com ela.
“-Te levo no vilarejo e vou conversar com o ferreiro de lá. A ferreira lá da aldeia não acertou o fio da minha machete. Quero pedir pra ele afiar.
“-Eu não vou te atrapalhar? Tu tem tuas coisas pra fazer, né? E tua família deve tá preocupada também.”- Por mais que eu gostasse de ter Vitória por perto, eu não queria atrapalhar sua vida. Certamente ela tinha algum namorado ou alguém pra quem voltar.
“-Se preocupe não. Vou te levar lá, te trazer de volta, arrumar a tranca da tua porta e depois vou pra Corre Ventos. Mas de vez em quando vou vir aqui ver como tu tá. Posso?”- Me perguntou com os olhinhos brihando.
“ –Mas é claro! A casa é tua! Venha quando quiser!”-Já sabia que ia sentir falta dela.
Nos aprontamos rapidamente e rumamos até o vilarejo. Vitória me deixou na casa do reverendo e foi até o ferreiro. Examinei o bebê de Isadora que estava bem fortinho para uma criança prematura. Fiquei muito feliz ao vê-lo mamando sem problemas. Ganharia peso rapidamente. Estava saudável.
“-Reverendo Simas, tava pensando aqui se o senhor poderia me apresentar ao vilarejo. Cheguei ontem e acredito que as pessoas ainda não saibam que sou a médica que vai atendê-los”-Fui direto ao ponto.
“-Veja bem, Drª. Caetano, posso fazer isso sim, mas não crie muitas expectativas. O povo é bem preconceituoso por aqui. Acredito que a doutora já encontrou desafios pela sua vida, mas aqui a mentalidade é extremamente machista.”-O Pastor foi bastante direto. Mas prefiro assim. Já sabia que não seria fácil. Uma mulher, solteira e médica era demais pra cabeça retrógrada da população. Mas nada me impediria de tentar.
“-Tá certo, pastor. Obrigada por sua sinceridade.”
“-Mas não pense que o seu nome não está na boca do povo, porque já está. Ontem mesmo a parteira da cidade veio ver Isadora e já soube da jovem médica que fez o parto do nosso bebê prematuro. As notícias correm rápido, doutora.”- Completou o reverendo.
“-Melhor assim. Bom, fico feliz em ver que Isadora e seu filho estão saudáveis. Voltarei em uma semana para vê-los. Agora, vou dar uma volta no vilarejo. Obrigada por me receber.” –Peguei minha maleta, apertei a mão do pastor e fui me ambientar com a cidade.
Era uma cidade pacata, aparentemente. Algumas mulheres lavavam suas roupas em seus tanques na frente de suas casas. Homens transportavam mercadorias em suas carroças e, mais adiante, pude ver Vitória arremessando sua machadinha em um tronco. Parecia satisfeita com o resultado e cumprimentou o ferreiro.
Estava indo na direção dela quando passei em frente ao Saloon e uma moça que trabalha lá, me chamou por uma janela.
“-Drª Caetano, a senhora poderia entrar aqui, por favor?” –Me pediu a garota.
Dei a volta e entrei no Saloon. Observei quatro homens sentados conversando e bebendo mas silenciaram ao me verem entrar. Imediatamente, o barman disparou: ‘-Não é permitido madames aqui dentro.”-Falou e os homens riram.
“-Não sou madame. Sou doutora. Drª Caetano. Tenho uma paciente aqui e vou vê-la.”-Falei bastante séria sem mostrar os dentes.
A moça estava perto e pediu para eu segui-la.  Chegando em seu quarto, perguntei à ela: “-Qual teu nome? Como posso te ajudar?”
“-Meu nome é Maro. Eu estou com...ãh...como posso dizer...”-Parecia muito encabulada então completei:
“-Problemas femininos?”- Ela afirmou com a cabeça.
Lavei minhas mãos e pedi que ela levantasse o vestido pra eu examiná-la. A moça estava com Clamídia. Expliquei o que era e quais os cuidados que deveria tomar. Ela parecia mais à vontade depois da consulta e me contou que veio de Portugal para tentar a vida na América. Infelizmente não achou outro trabalho além de ser ‘acompanhante’ no Saloon. Receitei à ela um antibiótico e três dias sem atendimento ao público.
“-Doutora, Tiago, o barman que é meu patrão, não vai me deixar repousar.”-Falou apreensiva.
“-Pois deixe que eu falo com ele, viu?! Passe o remédio que te dei, lave bem o local e descanse que tu vai ficar boa logo.”- Tranquilizei a moça.
Saí do quarto de Maro e fui falar com o tal Tiago, sujeito asqueroso.
“-Tiago, Maro está doente e recomendei repouso à ela. Vai ficar três dias sem atender teus clientes.” Falei olhando direto nos olhos dele.
Dos quatro homens que estavam sentados, o primeiro se levantou e veio na minha direção dizendo: “-Então talvez tu deva ficar no lugar dela.”-Quando levantou a mão pra me tocar, foi arremessado por cima do balcão, caindo em cima de Tiago. Foi Vitória. Ela entrou no Saloon, sem que eu percebesse, e começou a bater nos homens. O segundo homem arremessou uma cadeira nela, a qual rebateu com o antebraço e esquivou do soco do terceiro homem. Vitória curvou-se e pegou o homem pelas pernas e arremessou em cima do segundo homem. O quarto homem levantou, puxou a arma e antes que pudesse engatilhar, Vitória arremessou sua machete, lacerando assim o ombro do homem. Consegui ouvir o barulho do osso rachando. Ainda em posição de combate, Vitória me puxou pela mão e saímos do Saloon.
Ela deu um assovio ensurdecedor, enquanto corríamos pra fora dalí, e Trovão apareceu. Vitória laçou minha cintura com o braço e correu ao lado de Trovão que não parou. Me colocou em cima do cavalo, montando em seguida posicionada atrás de mim. “-Vai, Trovão!”- Gritou ela e só aí então, ele disparou à galope. Entendi porque ele se chamava Trovão.
Já na estrada, em segurança, relaxei e joguei minha cabeça pra trás encostando no peito de Vitória que nem me olhava.
“-Por que tu entrou naquele lugar, Ana Clara?”- Me perguntou sem nem olhar pra mim.
“-Porque a moça que trabalha lá precisava de atendimento. Ela me chamou pela janela. Conversei bastante com ela e...”
“-Tu sabe o que acontece lá dentro, né? Tô perguntando só pra ter certeza que tu sabia onde tava se metendo”-Falou ríspida.
“-Olha, Vitória, não importa onde seja, se tiver alguém precisando de um médico e eu puder ajudar, eu vou entrar. Eu fiz um juramento de ajudar as pessoas e pretendo cumprir. Logo tu com preconceito? Tu e eu já sofremos bastante discriminação. Não vamos julgar os outros, tá bom?” –Falei calmamente mas estava um pouco decepcionada.
“-Ah, e esse teu juramento inclui te colocar em risco? Por que foi bem isso que aconteceu. E se eu não chegasse lá? O que tu acha que ia acontecer?”-Falou me olhando com ira no olhar.
“-Vitória, eu agradeço muito por tudo que tu tá fazendo por mim, mas não vou discutir contigo minhas convicções. Pode me deixar aqui que eu vou andando mesmo.”-Falei tentando segurar as lágrimas. Não gostei de discutir com ela.
“-Não. Eu disse que ia te deixar em casa e arrumar tua porta e é isso que vai acontecer.”-Falou e não dissemos mais nada ao longo do caminho. Vitória continuava com o braço laçando minha cintura.
Chegando em casa, fui para o fogão fazer um chá para comermos com os biscoitos que Isadora havia me dado. Comi alguns na casa do reverendo e eram deliciosos. Vitória foi consertar a tranca enquanto eu fervia a água.
“-Vitória, toma um chazinho. Tem uns biscoitinhos aqui que são uma delícia.”- Ofereci pra apaziguar o clima entre nós.
“-Não, obrigada. Já tô terminando aqui e vou indo.”-Falou desviando o olhar.
“-Vitória, não faz assim. Toma um chazinho comigo?” Cheguei perto dela e falei olhando por cima do óculos: “-Olha o chazinho aqui, ó.”
“-Tá, NaClara. Vou tomar o chazinho contigo.”- Falou agora sorrindo.
“-E aí? Como tá o chá?”-Quis saber se ela tinha gostado.
“-Tá horrível! Pior chá que ja tomei na vida! O que tu colocou aqui dentro, NaClara?”-Falou na cara.
“-Desculpa, Vitória, não sou muito boa nessas prendas domésticas.” Falei um pouco envergonhada e ela gargalhou.
“-Não tem problema. Outra hora que eu vier aqui vou te levar na floresta pra te mostrar onde tem umas ervas boas pra fazer chá. Vou te mostrar erva-doce, camomila, capim cidró, boldo, macela e tu vai aprender porque é um gênio.”-Falou e me puxou pra um abraço. “-Tenho que ir agora.”-Ficamos um tempo nos olhando. Deixou um beijo na minha cabeça e me mostrou a tranca funcionando.
Fiquei na porta vendo Vitória subir em Trovão e sumir no horizonte

Dra. CaetanoOnde histórias criam vida. Descubra agora