Capítulo 27

221 16 1
                                    

Benjamin

A felicidade expressa no rosto do meu avô quando vê a mim e Anthony faz com que eu me sinta mal por não ter vindo visitá-lo antes. Ele está com mais rugas do que me lembrava e o seu cabelo já não está mais tingido de preto. As suas roupas não estão mais tão formais e ele já não se parece com o dono de uma grande empresa, parece apenas um senhor de quase oitenta anos. Depois de me dar um abraço bem apertado, ele faz questão de mostrar que ainda é forte ao pegar Anthony no colo e rodopiar com ele pelo meio da sala.

— Vô, vô, posso pegar sorvete? — Anthony pergunta eufórico.

— Claro, meu bem. Joseph, acompanhe ele até a cozinha, por favor. — Meu avô pede para o seu mordomo... ou seja lá qual for a função desse cara.
— Parece que fazem anos desde a última vez que te vi, Ben. O que você tem aprontado nessas últimos tempos? — Ele pede para que eu me sente no sofá e eu o faço. Olhando de perto, percebo seus olhos cansados e tento fingir que isso não me abala. Apesar de isso parecer utópico, nunca pensei que veria o meu avô envelhecer.

— Nada de muito importante ou incrível. Eu só acordo, vou pra faculdade e volto para casa. — E penso em Angel durante todo esse percurso, mas essa é a parte que eu decido não citar.

— Não está mais fazendo loucuras que nem costumava ano passado? — Ele levanta a sobrancelha com um olhar mais curioso do que repreendedor.

— Nem perto disso, vô. Acredite em mim. — Eu tenho feito muitas coisas esse ano, mas nenhuma dessas coisas envolve as loucuras do ano passado. Eu costumava pensar que aquele ano tinha sido o mais louco da minha vida, mas eu só conheci loucura de verdade quando Angel apareceu. Ela é o que me deixa mais próximo da insanidade. Na verdade, à essa altura acho que já sou um completo maluco.

— E como está o Memórias Ardentes? — ele pergunta parecendo bastante interessado. Lembro que meu avô foi um dos primeiros a me apoiar com a banda. Gostaria de poder falar para ele que nós já somos uma banda de sucesso internacional e que vamos fazer uma turnê ano que vem, mas isso está bem longe de ser a realidade.

— A gente ensaia bastante, mas já faz algum tempo desde a nossa última apresentação. Acho que isso é minha culpa na verdade, eu não tenho focado muito na banda nos últimos tempos. — O motivo? O mesmo de sempre: Angel. Às vezes eu penso que Deus a colocou na minha vida como uma forma de castigo. Mas será que ele mandaria um anjo para castigar um pecador? Tenho quase certeza que esse não é o trabalho deles.

— Ah não se preocupe, querido. Isso faz parte. Tenho certeza que vocês vão conseguir um show daqui a pouco. E quando conseguirem, eu adoraria ir assistir vocês se apresentarem.

A memória ainda está fresca na minha mente. Era dez de Abril e a primeira apresentação da banda ia acontecer. O meu avô foi o primeiro a marcar presença e ele com certeza estava muito mais empolgado do que eu. Meia hora antes do show começar, nós recebemos a notícia. A minha avó tinha morrido. O motivo foram causas naturais e os médicos disseram que a sua morte foi tranquila, já que aconteceu enquanto ela estava dormindo. Saber disso não ajudou com o buraco que se abriu no peito do meu avô, e pelo olhar em seu rosto, o buraco não se fechou até hoje. A memória está tão marcada na sua mente quanto na minha.

— Posso brincar no parque? — A voz de Anthony desperta tanto a mim quanto ao meu avô. Ele está com a boca suja de sorvete e com um olhar pidão.

— Não. — respondo primeiro que meu avô.

— Por quê? — ele pergunta com o olhar cravado no nosso vô, implorando para ele interferir.

— Porque o parque fica longe da minha vista e se alguma coisa acontecer com você os nossos pais vão me matar. — Eu também poderia dizer que ele é o meu irmãozinho que amo muito e que não sei o que faria se algo de ruim o acontecesse, mas tenho uma reputação de durão para manter.

— Deixa o menino ir. Dá pra ver o parque pela janela. — Meu avô finalmente fala alguma coisa, para a alegria de Anthony e para a minha irritação.

— E como eu iria descer quarenta andares rápido o suficiente para socorrer ele se alguma coisa acontecer?

— O parque fica em frente ao prédio e o Joseph pode acompanhá-lo, não é? — Ele se vira para o projeto de mordomo, que concorda com a cabeça como se estivesse feliz em fazer o que meu avô está pedindo.

— Tá bom, pode ir. — digo depois de pensar por alguns minutos. Anthony sai pela porta saltitante.

— Bom, o que acha de cantarmos alguma coisa? — Meu avô pergunta quebrando o silêncio que durou apenas poucos segundos. Concordo com a cabeça e ele se levanta fazendo menção para que eu o acompanhe. A cobertura é tão grande quanto eu me lembrava e a decoração continua a mesma do ano passado. Minha avó mudava constantemente os móveis de lugar e as cores das paredes. A última vez que ela fez isso, deixou as paredes e todo o resto com tons pastéis. Não são as minhas cores favoritas e nem a de meu avô, mas imagino que ele tenha deixado o lugar assim como uma forma de recordação. Atravesso o longo corredor até chegar a sala do piano, a parte favorita do meu avô nessa casa e a minha também. As paredes tem a cor verde pinheiro e o piano se encontra bem no meio do piso de porcelanato. Ele  se acomoda no piano e pede para eu fazer o mesmo. Um dos meus maiores arrependimentos é nunca ter aprendido a tocar piano, mas quem sabe algum dia...
Meu avô sorri para mim e logo depois começar a tocar. A música é La vie en rose, a preferida da minha avó. Em cima do piano tem um quadro dela, uma foto tirada há alguns anos atrás. E porra, como a minha vó era linda! Ele olha para a foto enquanto toca e não demora muito até que também comece a cantar. Me lembro do natal no ano retrasado quando Anthony ainda era um bebê e a nossa avó ainda estava aqui. Foi nessa mesma sala que ele cantou essa música para ela, à exatamente meia noite e dez. Fico triste enquanto me lembro daquela noite. Acho irônico o fato de memórias tão alegres trazerem uma sensação tão melancólica, mas controlo a minha cara de choro porque não sei o que faria se o meu avô começasse a chorar também.

— Era a favorita dela, sabia? — ele pergunta depois que a música acaba. Pelos seus olhos lacrimejados tenho certeza de que as lembranças o atingiram tão forte quanto a mim.

— Sim. — Minha voz sai baixa para combinar com o silêncio.

— Você tem alguém, Benjamin?
Ele está olhando para mim agora e com os olhos — além de lágrimas — carregados de expectativas.

— Não, vô... — Ele volta a olhar para o quadro de novo. Respiro fundo e decido falar sobre o rosto que permanece na minha cabeça literalmente vinte e quatro horas por dia. — Na verdade, tem essa garota da minha faculdade.

— Oh, fale mais sobre ela.
Novamente olhando para mim, ele está dez vezes mais interessado na conversa. É como se eu fosse um garoto contando sobre a sua primeira paixão para um melhor amigo. Me sinto tão ridículo quanto me sinto feliz.

— Ela é muito bonita... A garota mais linda que eu já conheci. Ela sorri o tempo todo e nunca é rude com ninguém, nem mesmo quando essa pessoa merece. — Me lembro do final de semana passado e da forma como eu  fiz Angel chorar e ela ainda assim nem sequer gritou comigo. A culpa que vem me consumindo por dias volta com tudo.
— Ela se parece com um anjo... Bom, não sei como anjos são, mas imagino que devem ser parecidos com ela. — Percebo que estou sorrindo quando termino de falar. Na verdade, acho que sorri o tempo todo. Me pergunto se fiz isso para alegrar o meu avô ou se foi algo espontâneo. Não consigo encontrar uma resposta. — Mas eu não gosto dela, nem nada disso. — Decido deixar claro antes que as expectativas de meu avô fiquem muito altas.

— Tem certeza? Por que você me pareceu bem apaixonado ao falar dela. — ele diz me olhando como se eu fosse um tolo. Imagino que as minhas falas tenham sido tão incoerentes a ponto de realmente me fazerem parecer um tolo.

— Não! Eu não estou apaixonado por ela. Eu apenas tenho... vontade dela. — Não encontro outra palavra para descrever o meu desejo sexual por Angel. Eu definitivamente não poderia falar para o meu avô "eu apenas tenho vontade de foder ela". O que ele pensaria?

— Certo... E essa garota tem um nome? — ele pergunta com os seus olhos bem focados nos meus. Chega a ser intimidador.

— Angel.

— Uma vontade não é só uma vontade quando tem um nome, Ben.
Sinto como se uma bomba tivesse sido jogada no meu colo. Tenho certeza que ele percebeu o impacto das suas palavras porque assim que volta a tocar está com um sorriso de vencedor no rosto. Decido cantar algumas músicas com ele para evitar a frustração que está quase me fazendo explodir. Oh Deus, o que vai ser de mim?

O MEU SONHO MAIS SELVAGEM Onde histórias criam vida. Descubra agora