Capítulo 48

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Angel

Eu desliguei o despertador uma hora antes dele sequer ter a chance de tocar. O sol ainda não saiu e de acordo com o relógio vai demorar um tempinho até isso acontecer. Olho para Benjamin dormindo ao meu lado, o seu rosto tão perfeito está inchado pelo choro de ontem à noite. Partiu o meu coração ver ele chorar também, mas eu não tinha forças para limpar as lágrimas dele e muito menos as minhas. Apesar de eu tentar, não consigo me lembrar do exato momento em que me encolhi naquela maldita posição e comecei a me debulhar em lágrimas. Só me lembro de um filme passar pela minha cabeça no instante em que os meus pais saíram desse quarto. Era um filme de terror, e ele falava sobre a minha vida. Eu não dormi, nem sequer cheguei a fechar os olhos, mas não estou cansada. Na verdade, estou exausta, mas não é pelo sono.

Me desvencilho dos braços de Benjamin, que seguram a minha cintura. Ele me apertou a noite inteira, como se esse ato pudesse ser capaz de diminuir a minha dor; de uma certa forma, eu acho que foi. Pego as minhas roupas no armário com cuidado e saio do quarto. Não tenho coragem de me olhar no espelho, porque sei que vou ver o reflexo de uma garota perdida. Uma garota que já deveria ter desaparecido. Uma garota que era pra ter ficado enterrada no meu passado, junto com os meus pais e todo o resto. Conforme ando pelo corredor, consigo sentir as minhas pernas, mas é como se eu estivesse avulsa do meu corpo. Talvez seja isso o que acontece quando ficamos mais de dez horas sem comer, ou talvez eu realmente não pertença mais a esse corpo. Acho que até o meio dia vou ter uma resposta.

Enquanto a água do chuveiro cai sobre mim, olho para o chão e vejo a areia da praia indo em direção ao ralo. Uma lembrança de que o dia de ontem realmente aconteceu, e que não, eu não tive um pesadelo, foi real. Eu estaria chorando agora, mas não sobraram lágrimas para isso. Não depois de eu passar a noite inteira em prantos. O que eu vou fazer agora? Não sei. Não tenho a menor ideia, então só aproveito a água do chuveiro enquanto ainda posso e tento não desabar no chão.

Felizmente, Benjamin ainda está dormindo quando volto para o quarto. Eu não quero que ele veja a situação deplorável em que eu ainda me encontro, não importa se ele passou a madrugada inteira sussurrando que tudo ficaria bem e me segurando como se eu estivesse à beira de um precipício, eu não quero que ele me veja assim. Quando termino de pentear os meus cabelos, enfim me encaro no espelho. O reflexo de um desastre. Apesar disso, é o reflexo de uma conhecida. Suspiro fundo quando me dou conta de que estava segurando a respiração. Então, as vejo. Compridas e escuras, como uma pedra Onix. O motivo do meu reflexo estar me causando repulsa. O ato de "braveza" que terminou de me arrastar para o quinto dos infernos. Eu estava enganada quando achei que não tinham sobrado lágrimas para chorar, os meus olhos embaçados são as provas disso. Sinto a minha garganta se fechar que nem ela fez em algum momento da noite passada. A minha respiração baixa seria o suficiente para deixar alguém morrer sufocado e talvez eu queira...


— Anjo? — Benjamin diz. Não é um grito, mas é alto o bastante para me trazer de volta à realidade.

Limpo com a minha mão a única lágrima que escorreu pela minha bochecha, quente e molhada. Respiro fundo antes de me virar para trás.

— Oi — Eu juro que tentei o meu máximo para sorrir...


— Como você está? — ele pergunta, me observando como se procurasse por sangue ou qualquer sinal de um machucado. Talvez se ele tivesse uma visão raio-x conseguisse ver o meu sangramento interno.

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