9 | Água Gelada.

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L U N A

Um... dois... três... quatro... cinco.
E então um tapa forte no meu rosto e o barulho altíssimo se espalhando no cômodo quando isto acontece. Meus ouvidos zumbem e o gosto de cobre enche minha boca imediatamente, mas me mantenho estática, encarando a parede cor de gesso na minha frente, porque se tem algo que eu aprendi em todos os anos que passei com meu padrasto desde que minha mãe morreu, foi que eu nunca devo olhar diretamente nos olhos dele ou ele leva como uma provocação e resolve me bater ainda mais. Eu já me acostumei a isso, meus finais de semana são sempre iguais: tento me livrar de toda a bagunça que ele faz na casa e aproveito o único momento que tenho com minha irmã pequena, Ariel. Sim, como a princesa Ariel da Disney... foi como minha mãe a nomeou quando viu que também era ruiva como um raio de sol, e naquela época eu me lembro de que a minha vida era normal como qualquer outra vida adolescente, isso até a chegada de um certo monstro na nossa vida, o que causou a morte da minha mãe. A minha família tem um histórico cancerígeno muito grande, quase todas as pessoas da minha família tem algum tipo de câncer e, bem, minha mãe estava se curando quando conheceu meu padrasto... então ele começou a agir na vida dela como um babaca nojento, não a deixava sair na porta de casa porque dizia que ela o triaria com o primeiro homem que aparecesse, e foi assim que o estado da minha mãe foi piorando, piorando... e ela morreu.

Mais um tapa, e esse vem em seguida de uma manobra agressiva quando ele me empurra contra o sofá e pressiona seu joelho em meu tornozelo onde ele causou uma grande fissura. Aquele dia está no meu ranking entre as piores dores que já senti na vida, só fica atrás da morte da minha mãe, essa foi a pior de todas, nada superaria aquilo... nem um mísero tiro no peito me causaria tanta angústia. Minha irmã era pequena demais para entender o que estava acontecendo, minha mãe morreu quando ela tinha dois anos e mal sabia pedir um copo de água! O inútil do meu padrasto então me jogou em um relento e disse que eu só sairia quando me adaptasse a minha nova vida, vida onde eu teria que agir como escrava dele, e até hoje eu sou assim. A casa sou eu quem limpo, a comida sou eu quem faço todo fim de semana para que ele tenha comida boa a semana toda, da minha irmã sou eu quem cuido, mesmo que indiretamente. Toda madrugada eu fico no telefone com ela até de manhã, eu deixo meu sono de lado para ficar conversando com aquela pequena princesinha linda da minha vida. Ariel foi a última esperança que me restou na vida, é pela minha irmã que eu ainda não fiz uma loucura e tentei fugir para outro país utilizando um barco velho! Eu recomeçaria a minha vida sem esperar duas vezes, mesmo que com outro nome, outra identidade! Seria realizador sair deste lugar e poder finalmente viver a minha vida como eu sempre quis. Eu não imaginava que a minha vida adulta seria tão cruel, minha mãe explicava que a vida adulta era um saco, mas não pensei que fosse assim. Eu levo murros quase todo dia para defender a minha irmã, porque por ela eu faria qualquer coisa! Meu padrasto já tentou ir para cima da Ariel uma vez, mas eu dei um grito tão alto que ele se sentiu ameaçado e sossegou o facho. Eu o fiz prometer que nunca encostaria um único dedo na minha irmã, mesmo que ela viva na mesma casa que ele, eu o fiz assinar um papel que guardo a sete chaves na minha escrivaninha do dormitório na faculdade como prova. A promessa dele teve consequências? Sim, teve sim. Mas as consequências não são nada do que eu já não estivesse acostumada, mesmo que me doa a alma cada vez que a mão dele encosta no meu rosto, faço isso pela minha irmã e farei isso até meu corpo não aguentar mais.

Meu padrasto manda todos os dias uns amigos dele na faculdade para ver se eu estou agindo conforme os nossos combinados: não devo comentar com ninguém sobre ele. Não devo me envolver com ninguém (embora esta regra eu mesma tenha feito para a minha mente conturbada! Eu não consigo mais acreditar em homens, toda vez que um homem chega perto de mim eu tenho crise de ansiedade em pensar que são todos iguais e que no final, caso eu tenha câncer como minha mãe, vou morrer infeliz como aconteceu com ela... e eu não quero isso, prefiro morrer sozinha a ter que aguentar um maluco gritando na minha orelha todos os dias que eu sou uma inútil e que a morte é a melhor solução para mim). Não devo me vestir inadequadamente e, por último, não posso tirar notas baixas. Essas são algumas das exigências inúteis do meu padrasto babaca, mas não é nada demais, eu posso aguentar tudo isso se for pelo bem da Ariel. Ela só tem oito anos, ainda é uma pequena princesa sonhadora!

Fallin' For YouOnde histórias criam vida. Descubra agora