Seja forte e corajoso, vá!

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Faz mais de um ano, mais de um ano pensando em como tudo ao nosso redor mudou, como tudo se transformou numa grande e dolorida perda a cada dia que passa e estamos estarrecidos; tanto a ponto de nem questionar direito mais, talvez sequer raciocinar direito a velocidade com a qual estamos perdendo pessoas, parentes, amigos, humanos. A humanidade está aos gritos de socorro.

O luto é sempre longo, luto de dor, de cabeça cheia é sempre complexo. Vem a culpa, vêm os medos, as questões morais, a solidão, a loucura, a saudade, os apegos e os desapegos, os heróis e vilões, as roupas sujas expostas na sala de visitas.

Eu sei que a vida é difícil mesmo, a gente se pega numa sinuca de bico de vez em quando e é difícil sair. É difícil dispersar os sentimentos de alerta que o mundo nos dá e o sentimento de luto corrói. Eu sei e sempre soube que a gente tem que enfrentar os desafios diariamente. Que a gente tem que passar por cima de tanta coisa, fazer vista grossa, tem que reconstruir, perdoar, recomeçar inúmeras vezes. E talvez esse texto seja um desabafo e um pedido pra que minha cabeça tente começar o restart, eu preciso da minha saúde mental.

O sistema político desse país está no limbo, a fome escancarada, as desigualdades a céu aberto e os preços no mercado inflando a cada dia que passa.

Ninguém saberia como é mais difícil ainda ser outro dentro de um ciclo vicioso, ninguém conta como é quase impossível mudar as células viciadas em padrões, quebrar os comodismos culturais dentro de uma situação como essa, uma pandemia global mas que hoje assola um país que está literalmente na UTI.

Ninguém disse que perderíamos o equilíbrio, que o que está nas nossas possibilidades é apenas e unicamente deixar os nossos extintos humanos de aproximação em modo pause nesse momento, ninguém nunca teria imaginado que poderíamos estar nesse estado em que chegamos, talvez pior que 2020. Hoje as mentes não se aquietam para poderem ter energia para concretizar o desafio de pagar as contas no fim do mês.

Ninguém diz que esse passar por cima de tudo é na verdade tantas vezes um passar por baixo, é esconder atrás dos cômodos e das almas as dores e as alegrias. É passar por baixo de si mesmo. É voltar, é continuar, é engolir melhor os sapos que vão denunciar os coachados meses (ou anos) depois dos elos e dos perigos amenizados.

É tudo muito sério para deixar de lado.

Dói, é verdade.

Mas, mesmo assim, hoje mais do que nunca precisamos uns dos outros, precisamos de alguma forma encontrar uma maneira de transmitir energias do bem de dentro pra fora porque de fora pra dentro as energias se misturam, o universo está em transe e nossa mente está machucada. É tempo de cuidar, de se cuidar, de cuidar dos próximos, dos próximos dos próximos e a única maneira de fazer isso é trancando nosso carinho e saudade numa caixinha, por enquanto. Isso é difícil para um ser como o ser humano. Obviamente existe os imbecis atemporais que negam, que aproveitam, que debocham e nós precisamos ser firmes, nos precisamos lutar pela vida, eis o bem mais precioso.

Tenho sentido falta de mim.
Eu não sei bem... mas sabe quando a gente é criança e a brincadeira está tão boa que a gente se esquece de sentir fome, de olhar as horas, de trocar de carro, e pensar na pós-graduação do filho mais novo?

Sabe quando a gente é criança e encontra um amigo do peito bom de brincar e a gente nem pensa em saber qual é o passado dele, a profissão, as visões de futuro, o dia de amanhã... A gente nem lembra de notar a cor dos olhos dele, eles apenas brilham, a gente não repara nas diferenças, a gente apenas se perde na alegria, no momento.

A gente entra na terra úmida, sobe na árvore, joga a bola alto.

Se o amigo for bom de brincadeira, a gente sem querer querendo fica perto.

Hoje não podemos ficar perto, as nossas companhias se restringiram a pouco, mas eu gostaria de gritar: coragem, coragem você, coragem eu, coragem nós.

Lamentos virão, dores, angústias e no entanto, quando respiramos de manhã, estamos ganhando uma nova oportunidade, um dia novo, difícil, mas novo.

Coragem, ser humano.
Nós estamos perdidos mas há um caminho e nele, nos precisamos seguir ainda que em escombros e dores porque muitos se foram durante a caminhada, muitos perderam a luta e nós precisamos continuar por isso.

Meus sentimentos a todos que de alguma forma perderam alguém querido, ou que também compartilham desse sentimento de perda coletiva que tanto dói.

Repito: coragem!

Quimeras AbortadasOnde histórias criam vida. Descubra agora