Eu bebo muita água gelada, o ritmo do cérebro está quente demais e pra não dar curto circuito eu tomo uns goles espaçados de água, mas a garganta anda meio ruim, eu peço desculpas pra mim mesma. O cigarro demais, frases demais que ensaiei e não botei pra fora, palavras atravessadas, declarações engavetadas num domingo sem coragem. Reservei alguns momentos para pensar e eu me lembrei de que as coisas não estão em maus bocados e que por isso, vem dificuldades em escrever sobre mim. Porque somos sadicos e cá estou eu olhando essa mesa um pouco perto da luminária antiga e gostaria de me olhar num espelho pra me ver sob a luz mostarda, olhando lá pra fora a lua que parece dourada numa irônica noite fria de verão. Eu acho lindo como o mundo acontece, aqui dentro e lá fora. Eu acho lindo o som que faz quando um carro passa longe, eu acho lindo ver a vida menos feia. Por mais que eu veja as tragédias desse mesmo mundo aqui também a um palmo do meu nariz, eu sei que tem um sopro de vida que não sabemos definir. Te trouxe aqui nesse texto porque queria falar dessas coisas não ditas, depositadas em diários que você não vai ler, pichadas em banheiros sujos de azulejos encardidos, desenhadas na areia do parquinho enquanto eu sentava no balanço e pensava em girar.
Nos lugares cheios eu fico prestando atenção nas pessoas e nos ritmos das musicas, coisa que emana do som, que envolve e aquece os corpos dançantes. No íntimo, escondido no fundo da minha alma, como uma criança tímida e medrosa, a cada musica observada, dançada e sentida, há um sentimento que cresce. E cresce outra vez. O sentimento cresce até se tornar um adulto corajoso com o peito cheio de selvageria, louco para gritar nos ouvidos pacientes que agora é, que nasceu e cresceu, que precisa sair desse meu corpo jovem para assim, tão bonito e livre, existir. E esse sentimento órfão e cru e inteiro quer existir. Penso tudo isso, mas só olho sorrisos porque eu já chorei demais por aí. Alguns reviram os olhos pro meu silêncio e outros o preferem. Meus pés batem à todo tempo em qualquer lugar, ansiosa pelo que ainda não veio, pelo que há de vir.
Eu vejo todos os dias pessoas distraídas numa multidão apressada.
– Vamos fugir um pouco daqui?
Fugir? Por que?
Eu adoro fazer de mim varias moradas, onde em cada época estou num habitat diferente ainda que no mesmo corpo. Não necessito fugas, não mais. Eu me reconheço como pessoa latente que procura ainda mais gente que pense que os sorrisos valem ser registrados e merecem mais atenção que o rosto fechado e atordoado de dia a dia sem fim. Vamos ser mais felizes sem precisar fugir? Vamos nos olhar mais e nos apaixonar mais por sorrisos tímidos, sem nos intimidar por carrancas escuras. Onde há amor, há esperanças. E eu espero pessoas mutáveis que me ajudem a mudar meus próprios conceitos. É tão bom se remanejar, se reinventar, nunca se concluir...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Quimeras Abortadas
AcakDevaneios, ilusões, pseudo-conclusões, questionamentos. Sou o que escrevo.