Eu vivi por tanto tempo atrás das palavras e de mim mesmo. Amei letras e promessas ao invés das pessoas. Inverti a ordem das coisas e da felicidade em minha vida. Prisioneira de mim e dos meus papéis, vivi enclausurada nos meus dias iguais, nas minhas velhas mágoas e canções. Encarcerei-me junto ao outro quando o arrastei para dentro da minha cela quotidiana. Além dos sonhos, permiti-me algumas fugas e banhos de sol, para me lembrar como era estar livre para os milagres. Eu mesmo havia escolhido minha pena e meu pesar sem o meu perdão. Contei-me histórias para me conformar de que estava bom ali, de que eu merecia e de que era suficiente. Eu sinceramente fingi acreditar; abandonei a vastidão do céu que um dia me pertenceu. Acreditei que, se todo mundo a minha volta cumpria suas penas e cinzas arrastando suas misérias, por que comigo deveria ser diferente? Por que não deveria seguir os mesmos passos, habitando os mesmos tamanhos? Por que somente eu deveria ter leveza e o brilho nos olhos? Pois eram eles que falavam de Amor, e não eu. Aí então me juntei ao coro dos contentes e descobri: A pena que por liberalidade buscamos é um amor nosso que não é real, e que projetado nos engana. A ele nos agarramos e cegos entramos na trama, até que exaustos tentamos escapar mas, sem sucesso. Raízes no ontem das nossas escolhas, custa-nos mover o mundo para habitarmos outro mais feliz, abandonando o que não nos serve mais. Viver n'outra vida. A nossa vida nos aponta repetidas razões para escolhermos o novo e com ele o risco de sermos felizes, preferimos nos apegar às justificativas e pretextos que criamos para nos mantermos no mais do mesmo e não sairmos do lugar. Vivemos presos à mesma ideia de que ainda poderemos ser felizes com o que não dá mais certo. Custa-nos tempo, energia e até equilíbrio para perceber que certas relações são hábitos e costumes, e o "amor", palavra oca na boca dos que repetem para anestesiar infelicidades e acreditar que mantém suas escolhas porque deliberadamente querem, não pelo medo dos vazios, carências e milhares de boas desculpas com que nos convencemos a ficar onde estamos, não arriscando nossos empoeirados confortos, nossa felicidade bem arrumada, nosso planejado fim de semana. Queremos a felicidade tendo medo de ser feliz. Um dia, medi os pesos e pesei as vantagens de ser feliz. Hoje sinto o gosto da liberdade. E sei que ela não mora na solidão, por mais esquisito que isso possa soar, a liberdade não mora nos mais altos montes, ela mora no poder transitar dentro de si, sem esbarrar em machucados lá ou aqui dentro, liberdade é amor. Amor é sentimento que não tem cura, porque não precisa de.
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Quimeras Abortadas
De TodoDevaneios, ilusões, pseudo-conclusões, questionamentos. Sou o que escrevo.