O pequeno peão

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Mary me deu um lar para viver, quando eu não tinha nada, me deu uma cama para dormir quando minha cama era o asfalto duro da rua. Ela me deu fartura de comida e bebida quando eu implorava por um pedacinho de pão e bebia água pútrida para não morrer de sede.

Ela me deu uma vida para viver.

Então em um dia enquanto eu me deliciava com um pedaço de morango fresco coberto em creme, Mary veio andando em mim, silenciosa e graciosa como um gato, me avaliando enquanto se aproxima.

— Está aproveitando a comida? — Ela pergunta perto o suficiente para eu sentir que cheirava a baunilha e rosas do campo.

— Sim.

Ela fica feliz ao me ouvir, e ver ela sorrindo me dá coragem de perguntar aquilo que quero desde que a conheci:

— Por que você está fazendo essas coisas por mim? Ninguém nunca se importou comigo.

Era verdade, ninguém me dava mais do que migalhas de pão queimado, assim que viam meu rosto saiam correndo, amaldiçoada diziam, contagiosa e esquisita eram outras palavras constantemente direcionadas a minha aparência.

Mary acaricia meus cabelos albinos e um arrepio percorre toda a minha pele com lembranças ruins.

"Olhe só para ela! Com esses cabelos brancos e essa pele pálida, ela é toda esquisita, é uma aberração será bom se sair das ruas e morrer como deve."

— Você quer saber o motivo de eu estar te ajudando? — Ela pergunta e eu faço que sim com a cabeça.

E então ela sussurra em meu ouvido com seu hálito fresco, fazendo cócegas em meu rosto:

— Porque se eu não te alimentar ninguém vai, e se eu não te ajudar você morre, e se morrer será inútil para mim.

Eu me afasto dela horrorizada instantaneamente, olho em seus olhos e toda a bondade desapareceu.

— O que você quer de mim?

Seu sorriso se alarga mais.

— Você tem uma dívida comigo irmã.

••••

Era noite.

Era noite, e uma criança vagava pela floresta escura.

Mas ninguém se importava tanto comigo assim, ninguém se importava o suficiente para perceber que eu estava fora, sozinha na floresta.

Nem mesmo eu.

Era confortável de certa maneira a escuridão, o silencio, ficar só. Mesmo que eu não estivesse exatamente só. Mary estava comigo, e andava de um lado para o outro, a bainha do vestido balançando ao vento, era difícil ignora-la, principalmente quando estava nervosa, mas eu o faço mesmo assim, segurando um punhado de rosas brancas enquanto as jogava nas cinzas.

As rosas brancas em meu pequeno canteiro estavam se acabando, quase não havia mais para se arrancar, mas eu podia plantar depois, isso agora era mais importante.

Jogo rosa por rosa nas cinzas, uma por uma.

Por cada vida que se foi dada.

Cidade dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora