Mas o outro lado também agiu

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Edith tinha dois segredos.

E eu, como escritora, não poderia não contar a vocês quais seriam eles.

Edith sempre teve uma pequena fascinação por últimas frases.

Green Lake havia apagado muito da sua memória, mas ainda guardava as palavras consigo, os livros a faziam se lembrar, talvez esse fosse o motivo dela saber mais sobre seu passado do que a maioria, embora ela não soubesse muito bem se isso era algo bom ou ruim. As memórias que tinha não eram agradáveis, e as vezes no silêncio da noite acordava assustada por causa de uma nova lembrança, embora nunca fossem muito longe, sempre acabavam no mesmo lugar, resultando em nada, um conjunto perdido e inútil.

Ela sabia que seu nome era francês pois sua mãe havia vindo de lá, sabia que apesar da relação da sua mãe com esse país não havia nascido lá, Edith era coreana, e vivia na Coreia junto dela e de vez em quando, do seu pai.

"Sua filha é problemática, você vai ter que interna-la daqui a alguns anos, melhor internar já, antes que saiam falando por aí que temos uma criança louca"

Essas foram as últimas palavras de seu pai antes de sua mãe o expulsa-lo de casa.

"Você não vai falar assim da nossa filha, e eu não te darei mais nenhum centavo, eu estou cuidando da criança sozinha, o que... o que você está fazendo, POR FAVOR NÃ-"

E essas foram as últimas palavras de sua mãe antes de morrer. Mas havia uma última palavra que Edith guardava com carinho em seu coração, todos os dias aquela mesma frase vagava em sua mente:

"Você não faria isso comigo Edith, você não é uma assassina"

Essas foram as últimas palavras de seu pai antes de levar uma facada no peito da própria filha. Usando a mesma faca que ele usou em sua mãe.

As memórias acabavam aqui, não ousando passar dessa parte. E foi assim que Edith aprendeu sobre como uma vida pode se acabar em instantes, como ela aprendeu sobre a importância da última coisa que você diz antes de partir, afinal havia sido tão patético e engraçado que as últimas palavras de seu pai haviam sido ele negando que ela faria justamente o que fez.

Mas não foi apenas isso que ela aprendeu, havia algo que não gostava de admitir, o segredo era que Edith havia tido sim, uma lembrança depois da de matar o pai, ela se lembrava de ter se visto sozinha, após dias sozinha na floresta, se escondendo de autoridades, apenas na companhia de seus pais apodrecidos, se lembrou de algo em que estava pensando enquanto via o cadáver dos seus pais em composição.

Ela pensou que gostava mais dos pais mortos do que vivos.

••••

O que você faria se estivesse as três da manhã em uma floresta enquanto há uma onda de assassinatos e a garota á sua frente, sendo a única pessoa que está com você, pedisse ajuda para carregar um corpo?

Bem, eu no meu caso, congelei completamente.Senti que meu corpo não me obedecia mais, e então os minutos que fiquei encarando Edith passaram como anos. Senti que ficaríamos ali para sempre, uma encarando a outra.

Respiro fundo e encontro uma coragem desconhecida para enfim, perguntar:

— O que você quer de mim? — Pergunto com a voz tão baixa quanto um sussurro.

Cidade dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora