Cidade dos Mortos

Foi apenas um sonho

Há uma seleção de pincéis a minha frente, passo meus dedos entre eles e escolho um, respiro fundo enquanto o mergulho na tinta e faço meu primeiro risco na tela branca. Olho para o lado e vejo o esboço do que eu quero, a bela pintura de um lago azul com um pôr do sol ao fundo, minhas mãos tremem quando faço um segundo risco.

— Pintando de novo Claire? — Escuto uma voz vindo do corredor — Ah! Mil perdões, esqueci de comprar a tinta amarela que pediu essa manhã, mas não se preocupe até o final do dia estará entregue.

— Quê? — Viro a cabeça e encontro a empregada nova que foi contratada — Ah sim, sem problema Nádia.

Ela dá um sorriso amigável e sai do quarto, solto um suspiro alto, se mamãe soubesse que a nova contratada havia entrado sem pedir permissão já a teria demitido, mas por sorte eu não era minha mãe e não me importei com a intromissão. Mergulho o pincel novamente, mas acabo cometendo um descuido e borro a tela, reprimo um gritinho de irritação.

Bom, sem amarelo não tenho como pintar mesmo.

Estou limpando as coisas quando escuto um vaso sendo derrubado e sons de gritos vindo do andar de baixo:

''Lizzie nós já conversamos, estou farto disso, estamos com nossa conta no vermelho, não podemos contratar mais pessoas para a casa''

Mais gritos, dessa vez femininos:

''Se você ao menos parasse de quebrar as coisas... ou se parasse de gastar nosso dinheiro com festas e bebidas não estaríamos falidos!''

A palavra falidos chama a minha atenção imediatamente. Consigo escutar a risada ácida do meu pai:

''Nosso dinheiro? Você não tinha nada quando eu te encontrei, não faz nada além de usufruir dos meus investimentos e gastar em coisas inúteis, não se atreva a falar como se tudo o que construí fosse seu também''

Minha mãe fica em silêncio por um momento longo até demais, penso que vai ir embora quando sua voz soa baixo:

''O que vamos fazer? Não podemos ficar sem nada... não podemos... não posso viver desse jeito''

Meu pai responde:

''Não se preocupe querida, tenho uma ideia, Claire já está grande, além de que é uma garota bonita, tenho certeza de que vamos conseguir alguém para ela com um bom investimento''

Meu sangue gela no momento que escuto isso.

Estamos falindo.

O que ele quer dizer com encontrar alguém para ela?
Não sei qual seu plano, mas sinto que devo me preocupar.

Começo a rezar em silêncio.

Por favor, não.

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O amanhecer vem.

O sol, quente e belo nascendo.

E o céu...

Que em algum dia já havia sido azul, amarelo e laranja, uma mistura, uma paleta perfeita de cores se misturando e brincando entre si. Agora era nada mais do que... nada. Não havia cores no céu. Apenas aquela fumaça da cidade, apenas sujeira. Até mesmo aquilo havia sido corrompido pelos humanos. Mas mesmo sem cor, mesmo sem beleza alguma... eu assistia todas às vezes que o Sol nascia e se ia, até mesmo as estrelas haviam ido embora, agora tudo que havia no céu era o véu escuro que o cobria.

Sem mais luz, brilho ou cores.

Apenas a triste e cruel escuridão.

E ainda assim era muito mais do que nós humanos imundos mereciam.