É divertido brincar de ser quem não somos

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Para um bem maior

Ela estava perdida, estava completamente sozinha, largada, abandonada, rejeitada, ninguém a queria, ninguém lançava mais do que dois olhares a ela, era quase invisível, e quando alguém a notava tudo que se havia nos olhares era desprezo, medo.

"Que criança esquisita"

As vozes perseguiam a todo lugar que ia, ela estava sobrevivendo apenas de restos jogados ao chão, de roubos pequenos, mas não tinha mais forças para roubar e ninguém mais jogava restos para ela, as lixeiras estavam em escassez. Não havia mais nada para a pobre Channel. Se sentou perto de um pedaço de papelão roubado, tentando não pensar na barriga roncando, tentando não pensar sobre o frio ou a exaustão que percorria seu corpo, ela estava faminta, estava com frio e mais do que tudo estava cansada. Quando fechou os olhos tudo que pensou era que o mundo havia sido cruel com ela e que morreria como um fantasma.

Morreria como se nunca tivesse existido.

E ninguém lamentaria sua morte.

•| ⊱✿⊰ |•

15 horas para o Natal.

Acordo naquela manhã me sentindo incrivelmente preparada, apesar de toda a exaustão do meu corpo, apesar de todas as outras coisas, eu me sinto pronta.

Visto uma blusa verde de lã e uma calça confortável, arrumo meu cabelo e então observo pelo canto do olho meu reflexo no espelho, o cabelo castanho-ruivo longo com mechas caindo do rabo de cavalo, as pequenas e discretas sardas no rosto, os olhos escuros com leves pontinhas verdes....

Me sinto forte e poderosa pela primeira vez, como se fosse imbatível, o vento na janela faz cócegas em meu pescoço, o frio congelante entrava lentamente pelo quarto, como se sussurrasse contra a minha pele, me lembrando que esse era o dia, do que eu precisava fazer, e eu sabia, estava pronta.

Estou completamente pronta.

Hoje será o dia que libertarei essa cidade.

•| ⊱✿⊰ |•

É véspera de Natal, e a mansão já está na correria, Ellen não deixava a cozinha por um minuto e ao seu lado consigo ver outros ajudando, Lian prepara uma cobertura para um bolo, Camille que costuma costurar boas roupas para a gente faz uma linda toalha de mesa, até mesmo as crianças estavam pendurando enfeites de Natal pelas árvores na floresta. Green Lake, a cidade com menos habitantes que eu já conheci, a cidade que é composta por mortos, e que tem um sequestrador a espreita, parecia mais radiante do que nunca.

Tento não focar nisso, tento me concentrar nas belas músicas natalinas, no cheiro de biscoitos e de carne assada, mas a minha mente não deixa de pensar sobre Channel, quando a procuro a vejo usando o casaco escuro que pedi, é bom saber que aparentemente vai concordar com o plano, mesmo depois de tudo que disse a ela.

Solto um suspiro, não falei com ela desde aquilo, eu provavelmente deveria ter sido capaz de dizer alguma coisa, mas não sei se consigo pedir perdão, também não sei se quero, sinceramente, não sei como fazer isso, ela é um quebra-cabeça difícil demais para mim.

— Emma!

Escuto uma voz e quando vejo é Paul, ele parece bem arrumado usando um casaco vermelho brilhante, penso em dizer que vai ser chamativo de noite, mas calo a minha boca antes que possa falar qualquer coisa quando vejo Claire no canto usando um casaco cor de rosa coberto de lantejoulas que cobre seu corpo inteiro, nunca a vi usar uma roupa que não fosse chamativa, devia ter imaginado que não seria na noite mais importante do ano que vestiria algo discreto, mesmo que precisasse. Afinal de contas aquele casaco vai brilhar no escuro igual a um canhão de luz, vai parecer uma faísca gigante cheia de purpurina que grita: Venha aqui idiota, venha descobrir todo o nosso plano e nos matar!

Cidade dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora