Era uma rosa branca afinal

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Haviam se passado quatro dias.

Quatro dias apenas acordando e dormindo, com a mente ainda em transe e o corpo dolorido demais para fazer qualquer coisa.

Minha memória estava tão bagunçada que apenas deixava tudo quieto, com lampejos de cacos de vidro, sangue e desespero se misturando. Como um quebra-cabeça sendo montado lentamente, aos poucos as peças foram se encaixando e eu pude enfim me lembrar do que havia acontecido.

Apesar de me lembrar... não gostava de tocar naquilo. Então passei quase uma semana deitada tentando não pensar em nada. Às vezes eu conseguia, às vezes não, vinha lembranças de quando injetei a droga em mim mesma, eu quase sempre empurrava para a beirada da minha mente e deixava lá, fingindo que aquilo não havia acontecido.

Igual eu fazia com quase todas as coisas da minha vida.

Escuto atenciosamente os passos vindo em direção ao quarto em que eu estava. E então a porta se abre, Ravi me encara. Os segundos se tornando minutos que se pareciam com horas.

— Você está acordada — Uma onda de alívio toma sua voz.

— Infelizmente — Forço um sorriso.

Ele ri.

— Bom saber que já está voltando ao normal.

Ravi dá uma olhada em mim me avaliando, ou melhor, checando.

— Você está melhor do que o esperado, se recuperou bem — Sabia que ele já tinha sido médico em algum ponto de sua vida passada, então podia confiar nele.

Mas eu não me sentia tão bem assim, parecia que tudo doía e latejava mais do que deveria.

— Emma...

— Eu sei.

Havia matado uma pessoa e então me drogado. Que maravilha.

— Eu... sinto muito, não imaginei que ele seria tão... quer dizer, eu sabia que era um desgraçado, mas não a ponto de...

Não quero falar sobre Thomás, sobre ele ter me prendido em meu próprio apartamento. Eu mesma nunca imaginei que faria algo assim, não quero pensar no que ele poderia ter feito caso eu não tivesse o matado, quais eram seus planos. Fazer Dark Bones comigo, me usar de mercadoria. Provavelmente chantagear John.

E no fim das contas... eu mesma bebi.

— Eu já cuidei do corpo, falei que ele havia se matado apenas por garantia, não acho que alguém vai sentir falta dele ou procurar por respostas.

Assinto com a cabeça levemente.

— Eu sinto muito.

— Já tô acostumada, sou um ímã de babacas — Tento fazer piada, mas não funciona.

Pelo menos ele estava morto. Aquilo era uma coisa da qual eu não me arrependeria, matar Thomás, inclusive se precisasse faria de novo. Mas ainda assim me dá arrepios quando a imagem daquele caco de vidro dentro da garganta dele aparece.

— Você acha... que eu vou ficar viciada? Que vou querer tomar mais?

Ele sabia do que eu estava falando, sobre eu ter tomado e sugado minha própria vida. Dark Bones era altamente viciante, as pessoas matavam para ter mais, eu não sentia grande diferença em meu corpo porque havia bebida algo que era meu, mas ainda assim...

— Eu não sei, não há registros de pessoas que tomaram Dark Bones delas mesmas. Mas acredito que não, ele tirou muito pouco, acho que não haverá efeitos colaterais.

Eu cruzo os dedos e torço para que ele esteja certo.

— Quanto a ir para Green Lake — Começo.

— Adiamos — Ele se apressa em responder — Ou... podemos cancelar se você quiser, mas não precisa se preocupar com isso agora, podemos ver isso daqui a uns dois ou três mes-

Cidade dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora