116. Pode fazer as malas e voltar

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Narrado por Luan.

- Você está andando há quatro horas! - Disse impaciente atrás dela com mil e uma sacolas na mão. A gente só parou pra almoçar.

- Está reclamando, eu já falei, pode fazer as malas e voltar. - Bufei sem deixar ela ver.

Se ainda fosse só o tempo, tudo bem. Mas ela tinha gastado em quatro horas metade do que eu trouxe pros vinte dias! Eu nunca liguei dela gastar, mas isso me renderia, além de carregar as sacolas e ver nelas vestidos mais curtos que o aprovado por mim, teria um trabalhão de ligar pro Brasil e pedir pro meu gerente converter mais dinheiro no meu cartão, sem contar que a julgar pelas sacolas, o avião iria expulsar todos nós por excesso de bagagem. Mas é claro que a última coisa que faria era abrir a boca pra falar isso pra ela. Tudo isso porque eu falei com aquele menina. Ai se arrependimento matasse... Ela era bonita, mas eu nem tinha nenhuma segunda intenção, só fui educado. 

- O que você fez pra ela? - Heitorzão perguntou bravo ao meu lado, seguindo a mãe. 

- Eu não fiz nada que te interessa! - Olhei feio pra ele. 

- Fez sim, papai, porque ela está brava. 

- Sua mãe viu coisa onde não tem. 

- E eu que tenho que levar, né? - Disse rindo. - Estou cansado já. 

- E eu não? - Reclamei. - Convence ela a ir embora, minhas pernas estão doendo já. - Disse olhando de longe ela entrar em mais uma loja. 

- Vai sobrar pra mim, né! 

Comecei a rezar pra ela aceitar. Meu filho assumiu a melhor pose de ator e começou a olhar pra mãe, sentado no sofá da loja com a maior cara de cachorro sem dono quando ela saiu do provador. 

- Mãe, estou cansado demais, acho que vou passar mal. 

- O que você tem, meu amor? - Ela foi pra perto dele toda preocupada. 

- Acho que tomei muito sol ontem. - Eu revirei os olhos e lembrei de anotar mentalmente que ele era bom ator pra saber que podia mentir bem quando quisesse faltar na escola.

- Mamãe já vai embora. - Ela voltou correndo pro provador toda preocupada. 

Ele me olhou rindo assim que ela fechou a porta e eu olhei mais feio pra ele ainda.

- A Globo está te perdendo. Vou ficar bem de olho em você quando vir falar que está passando mal pra não ir pra escola. 

- Achei que quisesse ir embora. - Ele riu. 

- Fica quieto, vai! - Disse já recolhendo as sacolas quando vi ela saindo do provador. 

Falou qualquer coisa pra mulher em inglês e nos chamou de volta pro carro sem comprar o casaco. Dirigi olhando Natália toda preocupada com Heitor e me sentindo culpado. Assim que chegamos ele foi pro quarto dele e eu segui Natália até o nosso. Ela estava toda aflita. 

- Luan! - Disse sentada na cama me olhando. 

- Oi, amor. - Respirei fundo pra não ser grosso. 

- Você não acha melhor levar Heitor no médico? 

Segurei o riso o máximo. Ela era linda, que mãe que arrumei pros meus filhos, meu Deus! Minha vontade era falar tudo, mas daí eu realmente seria despachado pro Brasil. 

- Ele vai ficar bem, amor! - Disse sorrindo e beijando o rosto dela, preocupada. 

- Não pense que acabou nossa briga, viu? 

- Amor...

- Amor, nada, Luan. 

Eu sorri e me aproximei, puxando ela pela cintura e depositando beijos em seu pescoço, com a intenção de seduzir ela, mas ela foi saindo devagar e me olhou feio. 

- Melhor você tirar o cavalinho da chuva, estou de greve, por um bom tempo.

- Oi? - Perguntei assustado, ela nunca tinha feito isso. 

- Você acha que vou ficar bobeando por aí, né? - Ela disse brava. - Você não é nenhum santo, amorzinho, quem te conhece que te compre!

- Já se vingou por hoje, né? - Disse inconformado. 

- Nem comecei... - Ela disse entrando no banheiro sorrindo ironicamente.  

Era só o que me faltava, depois de 16 anos de casamento mais essa.

Narrado por Natália.

Cinco dias depois...

- Eu vou matar a Cecília! - Luan disse entrando no quarto de hotel e eu, que me maquiava, me assustei. 

- O que foi? - Ele passava a mão pelos cabelos, nervoso.

- Dudu acabou de me ligar. Pegou os dois no mesmo quarto hoje de manhã! - Disse inconformado. - Eu disse que ela ia se ficassem em quartos separados, que tinha que me obedecer. 

- Luan, eu também acho errado. A gente confiou nela, você deu as regras. Ela vai ficar de castigo e... - Disse me levantando e tentando acalmar ele.

- É claro que vai ficar de castigo.

- Só acho que você tem que se acalmar agora. 

- Eu tô passando mal! - Ele disse botando a mão no coração e me assustando. 

- Para com isso. Não volta com essa mania... Você sabe que já teve problema com essas coisas, menino, ficava brincando e deu ruim já. 

- Eu estou nervoso! 

- Amor, você não pode mais segurar Cecília, e nem a Mel mais. Elas estão crescendo, você tem que se acostumar. 

- Eu dei as regras! E se não fosse o Dudu ser tão parceiro e responsável, a gente nem ia saber... - Passava a mão pelo cabelo e eu sentei ao seu lado tentando acalmar ele, acariciando seu rosto. - Ele já deu uma bronca lá, disse que acha que eles foram pro mesmo quarto de madrugada. 

- Pronto, Dudu vai ficar de olho neles. Pensa por um lado, ele te contou, né... 

- Ele disse que tinha que falar, né... Disse que se ela aparece grávida eu matava ele, que nem tinha culpa. 

- Está certinho. E ela é responsável, se acalma, a gente nem sabe o que aconteceu lá, tudo bem? 

- A gente sabe bem o que aconteceu lá, né, Natália! - Disse nervoso. - Você engravidou com essa idade ou esqueceu disso já? Já tivemos a idade deles. 

- E engravidar com essa idade me trouxe você. Foi a melhor coisa que me aconteceu. 

- Não compara. 

- Não estou comparando. Estou dizendo que aconteceu com a gente e estamos vivos, bem, casados e felizes. Assumimos a nossa consequência e fim. 

- Você está apoiando? 

- Não, claro que não. Só estou dizendo que a gente pode dar um jeito pra tudo, que Deus sabe o que faz, meu amor, e não adianta você ficar aí esquentando a cabeça. Já teve problemas do coração, lembra? E se te acontece algo? Quem vai cuidar da gente, hein? 

- Eu não vou passar mal... - Ele disse me abraçando de lado. - Mas que a Cecília vai se ver comigo, ela vai... 

- Fica a vontade, meu amor, você é pai dela, eu confio em você. Só tenta abrir um pouco a cabeça. - Disse depositando um beijo doce no rosto dele. Deitei a seu lado e ficamos abraçados, por minutos a fio, só sentindo um ao outro ao lado. Ainda estava brava com ele, mas eu não ia ignorar ele pelo resto da minha vida, né? 

Durante a viagem apresentamos o mergulho pro Toi pela primeira vez. Ele sempre soube o quanto eu e o pai gostávamos, e sempre se interessou também. Como já estava grandinho, Luan decidiu que poderia ir conosco. A Grande Barreira de Coral, patrimônio mundial da Unesco, pode ser vista do espaço e é a maior estrutura do mundo feita unicamente por organismos vivos. Nós três ficamos encantados com a grande diversidade de vida marinha num único só lugar. Aquilo era lindo, e me lembrava cada mergulho que já fiz ao lado dele em tanto tempo juntos. E eu amava estar alí como se fosse a primeira vez. 

Fica (Luan Santana)Onde histórias criam vida. Descubra agora