QUINZE

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  Lembrei de todo o caminho que eu percorri sozinha naquela floresta, do frio e do medo e da fome. Do sentimento de estar perdida, de não ter um lar ou até mesmo um alicerce. De não ter nada. Daquela vez, quando o arrepio percorreu minha espinha, Raence estava andando bem ao meu lado, me lembrando que eu não estava mais perdida. Não estava mais sozinha. E ainda que não fosse realmente meu, eu tinha um lugar para onde sabia que poderia ir.

A lua era a única coisa que nos impedia de estar em um breu absoluto. O seu brilho, ainda que pouco, era a única luz que passava pela neblina tão densa que pensei conseguir segurar um tanto entre as mãos. Ainda no território de Valicent, no meu território o barulho das folhas secas sendo esmagadas por nossos pés era audível. Principalmente no silêncio sinistro da floresta. O frio ainda não estava em seu auge, mas era uma segunda pele agarrada em meu corpo. Estávamos andando por horas, dias, meses, ou anos, não conseguia distinguir. Meus cortes ardiam ainda mais com o atrito do vestido a cada passo, o pior era a sensação dos cacos de vidro se afundando cada vez mais em minha carne. Cavando até o fundo.

- O rio é logo ali - Raence apontou. Acreditei em sua palavra, já que não enxergava nada a mais de um metro. Assenti para que ele soubesse que eu o ouvi. - O que?

- Não vejo nada - expliquei.

- Ah.

Seu arquejo foi sua forma de demonstrar que me ouviu e, logo em seguida, assisti pasma enquanto a neblina se dividia em duas, abrindo nosso caminho, me mostrando o rio que cortava a terra com uma corrente de água forte. Suspirei e o vapor se tornou visível saindo de meus lábios. Se Raence planejava entrar naquele rio no frio que caía sobre nós, seria a prova de que ele era insano.

- O que? Como isso aconteceu? - perguntei sobre o ar que espantou a densidade.

- Não é a única com dons, minha dama.

Sem mais explicações, ele saiu andando a minha frente, trabalhando para tirar a camisa. A espada foi jogada em meio às folhas e eu fui ficando para trás. Acelerei os passos, para não me distanciar muito, com medo de alguém ter nos seguido.

- Você não tem pudor? - questionei, elevando a voz para que ele escutasse. - Como pode se despir tão despreocupadamente em minha frente?

- Quer que eu tome banho de roupa? - perguntou em resposta.

- Não ouse tirar essas calças, Raence! - gritei ao ver o tecido se afrouxando nos quadris. Ouvi sua risada e então, a calça estava ao redor de seus pés.

Não fiquei para assistir, com um grito ultrajado, me virei de costas. Meu coração bombeando o sangue fortemente e todo ele seguindo o caminho até meu rosto. Pedi a todos os deuses que não permanecesse enrubescida por tempo o suficiente para que ele testemunhasse. Caminhei de costas até mais perto, o barulho da água não era alto, perfeito para que ele respondesse algumas perguntas.

- Você disse dons?

- Se ainda não ficou surda, tenho certeza de que me ouviu com clareza.

- Você é desprezível - resmunguei, sabendo que ele não ouviria. - O que são esses dons?

- Quer mesmo conversar comigo durante o banho, princesa? Se for assim, entre na água de uma vez!

- Por favor, me responda!

Contei os segundos em que só ouvi a corrente. Em três minutos o ouvi suspirar.

- São elementos, Rose. - sua resposta, como sempre, cheio de lacunas, desleixada.

- O que quer dizer?

Me virei movida pela animosidade, pela curiosidade. Amaldiçoei a hora em que a neblina se desfez. Raence não estava nu, por pura graça dos deuses, mas vestia apenas um short branco, que não alcançava nem a metade de suas coxas. Era o máximo que eu já tinha visto do corpo de um homem. Ou melhor, do corpo de qualquer outra pessoa que não fosse o meu. Sua barriga não possuía nenhuma flacidez, era estranhamente marcada, dividida como nunca imaginei que uma barriga seria. Os braços, longe de serem finos como os meus. Havia curvas ali, nos braços. Fora sem querer, totalmente inconsciente meus olhos descerem por seu corpo até suas pernas. E eu tive vontade de chorar.

O Diadema Da Coroa [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora