QUARENTA E NOVE

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  Vi um rato uma vez ainda quando era bem pequena, nunca tinha visto um. Magricelo, cinza e com dentes enormes. Estava me aventurando pela cozinha e, fascinada pela nova descoberta, o segui e o observei por muito tempo. Joguei uma fruta para ele, achando que seria meu amigo se eu o alimentasse. Suas patas rosadas agarraram a pequena fruta enquanto seus dentes cegos cerravam e roíam o alimento, pouco a pouco, lenta e tortuosamente até ter comido tudo.

Eu nunca havia parado para pensar em qual deveria ser a sensação, ter aqueles dentes mordendo e rasgando pouco a pouco com força. Mas, naquela noite, encarando o céu completamente preto, sem nenhuma estrela e morrendo de medo de qualquer sinal do sol, pensei que conhecia o sentimento. Minha espinha estava gelada e, se fosse possível, diria que meu coração não batia. Eu observava atentamente, esperando um único raio de luz que traria o começo de um dia terrível, talvez de semanas terríveis. E esse medo era um pequeno ratinho roendo minhas entranhas.

- Estou me perguntando se devo ficar insultado por você preferir passar a noite em pé nesse frio a passá-la deitada ao meu lado - a voz morna de Raence me despertou do transe apavorado no qual eu me encontrava.

Antes que pudesse me virar para vê-lo, seus braços me enlaçaram, as mãos percorrendo minha cintura até se encontrarem no meio da minha barriga. Colou seu peito em minhas costas e os músculos tensos em mim relaxaram contra ele.

- Alguma parte de mim acha que se eu continuar encarando, o sol vai ouvir meu pedido e se manter escondido.

Sua risada fez cócegas atrás da minha orelha.

- Essa é a coisa mais tola que eu já ouvi - admitiu.

Acertei o cotovelo na boca de seu estômago, devagar, sem ter realmente intenção de machucá-lo. Raence resmungou, fazendo drama.

- Não há nada que impeça o sol de nascer.

- Eu sei - concordei, a contragosto. - E não há nada que me faça gostar disso nesse momento.

Um beijo cálido foi depositado na curva do meu pescoço, a respiração quente contra a minha pele gelada pelo frio me deu arrepios.

- Vamos ficar aqui encarando o monstro nos olhos? - perguntou.

Seus dedos desenhavam pequenos e preguiçosos e suaves círculos por cima do tecido da camisola.

- E o que você sugere? - Fechei os olhos.

- Irmos lá para dentro e nos escondermos como dois bons covardes. Fecharmos as cortinas e adiar o máximo que conseguirmos, até a luz amarela inoportuna invadir ao ponto de não dar mais para fingir não ver.

Sorri, gostando da ideia mais do que deveria.

- Deveríamos dar o exemplo aos soldados - murmurei, mesmo já estando completamente rendida àquela ideia.

Ele voltou a resmungar, os lábios ocupados demais com meu pescoço, viciados demais em minha pele para desgrudar. Algo como "nunca", "eu" e "bom exemplo" deixou sua boca antes de virar meu corpo e me arrastar de volta para dentro, com uma promessa silenciosa de não me deixar sair mais.

(...)

Por mais que quiséssemos, que tenhamos nos esforçado para ignorar o dia claro, quando as velas já não faziam mais diferença no lugar, não tivemos escolha. Fomos obrigados a levantar e encarar a vida e os problemas que nos esperavam do lado de fora da grande porta do meu quarto.

- Vem cá - chamou, ignorando o biombo e se aproximando de mim. - Eu fecho.

- Deveria ir para o seu quarto se arrumar! - contestei, mas me virando conforme ele pediu para fechar os cadarços do couro em meu corpo.

O Diadema Da Coroa [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora