Prendi a respiração e apenas o aceitei em meu corpo, aceitei a dor frígida em meus ossos que fazia meus olhos encherem e quase transbordarem. Tentei me manter tranquila enquanto submergia, para que minha energia parasse de lutar, e parou, mas apenas quando foi completamente extinta, ou dominada. Eu entreguei-me de mãos para cima, entreguei todas as minhas forças e inseguranças, todos os meus medos e confianças, todos os meus objetivos, meu ódio e meu amor.
Eu sou uma assassina, uma guerreira e uma rainha, uma amante, filha e amiga. Eu sou vingança e justiça, sou determinação e lealdade.
Silêncio. Puro e cru. Nenhum pensamento, nenhum ruído além das brasas azuladas crepitando sob a minha pele, rastejando, na minha bochecha, nuca e em cada parte do meu corpo. Eu podia sentir o rastro gélido, mortal, me reconhecendo, estudando. O bafo frio que soprava em meu ouvido, na minha mente. Percebi que não tinha mais o controle do meu corpo, parecia paralisada.
Apertei os dentes quando tentei mexer meus braços e ferro foi derretido em meus músculos, como se aquilo não quisesse que eu me movesse. Devagar, tremendo e rugindo sem fazer nenhum som, fechei as mãos em punhos, suportando os grunhidos e arranhões que tentavam me impedir.
E eu vi, brilhando em meu âmago, se debatendo, implorando para sair, aquela fagulha de mim, da minha energia e a forma que ela queimava a névoa turquesa que a envolvia, fazendo-a recuar um pouco. E soube que tinha esperança, que eu era capaz de me provar digna mesmo contra tamanha força.
Me concentrei apenas ali, naquele pingo de calor dourado, mandei todas as minhas forças para lá, aproveitando as leves recuadas das chamas azuis para expandir de pouquinho a pouquinho, para me infiltrar nela como ela havia feito comigo. Segurei aquele núcleo revolto entre os dedos e apertei, esmaguei esperando sua raiva, apertei os olhos quando a força provocou a energia dominante e ela atacou, espetando, perfurando o meu interior.
O farfalhar era alto e claro na minha cabeça quanto mais minha energia se aproximava da superfície, o resmungo da outra ao ser pressionada, expulsa. Arfei com a ardência em minha bochecha, testa, depois em meu ombro e por cada parte da minha pele, como cortes afiados. Ao abrir os olhos, pude ver o resplendor vazar das pequenas fissuras espalhadas pelo meu corpo, as rachaduras que minha própria energia fez na minha pele congelada e a forma como fluía delas como a lava escapava de um vulcão em erupção.
Um grito rasgou minha garganta quando eu explodi, milhões de pedaços em chamas. Um furacão sem controle nenhum, remexendo e levando tudo no caminho. O lado mais quente do fogo invadindo o meu corpo em uma onda supersônica, transcendendo-o, queimando minhas veias quando o próprio sangue tornou-se alaranjado, brilhando e brilhando até irradiar dourado e todas as veias, até as menores se tornarem visíveis pela pele clara. Meus olhos arderam, minha língua pinicava em resposta ao calor incandescente.
Foi quase o suficiente para exterminar a energia opressora, para me livrar. E em uma afronta, quase me ouvi bufar. Ao meu redor, arabescos dourados, que escapavam pelas brechas na minha pele, se enroscavam com a neblina azulada, dançando entre ela, com ela. E meus olhos molharam novamente, mas não por dor, mas, sim, pela beleza daquela cena. Pela forma que aquele ser etéreo e divino me envolvia, me aceitava, gostava de mim. A forma que me reconheceu como igual.
Observei com calma e com o coração aquecido a energia dourada recuar, achando as rachaduras em mim e retornando ao seu lugar pertencente. E quando as pequenas labaredas azuis seguiram-na, tocando novamente minha pele, foi com carinho e devoção. Rastejou por mim de novo, mas foi como mil beijos sendo depositados por cada lugar que passou. E ao encontrar as fissuras brilhantes, escorregou para dentro, acalmando e curando o que foi causado.
Uma lágrima escorreu pela minha bochecha quando ela recuou, voltando para o centro da grande flor luminosa na minha frente. E quando tudo se apagou, quando o fogo recuou e esfriou, algumas das rachaduras permaneceram, como pequenas e finas cicatrizes avermelhadas e aparentes, para me lembrar que eu era mais do que aquele corpo, mais do que ele poderia suportar.
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O Diadema Da Coroa [CONCLUÍDO]
RomanceO quanto uma vida de mentiras pode nos tornar vingativos? O mundo fora dividido em cinco reinos, que viviam em paz - na medida do possível. Mas a ganância e o egoísmo podem destruir isso. Uma guerra está por vir. Um dos reis cobiça algo valioso de o...