QUARENTA E CINCO

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  As mãos em meus ombros me puxaram para cima, antes de me levantar encarei minhas mãos cobertas de sangue, assim como minhas roupas. O cheiro pútrido do líquido vermelho me enjoava normalmente, mas sequer era capaz de sentir naquele momento. Fazendo mais força, as mãos me puseram de pé. Meu corpo tremia.

Mirei Clare mais uma vez e simplesmente não aguentei olhar, não aguentei a dor esmagadora no peito em saber que não fui o suficiente para salvá-la como ela me salvou, nenhum de nós foi. Me virei com ímpeto sem contar com o corpo de Raence bem atrás de mim e menos ainda com o choque contra ele. Como se já previsse aquilo, seus braços fortes me embalaram, me apertando em seu peito, sem se importar em se sujar de sangue. Escondi o rosto na curva de seu pescoço, deixando que ele se tornasse o meu mundo, no qual nada daquilo seria verdade.

- Eles recuaram - Mazen avisou atrás de mim.

O peito de Raence estufou e murchou com o suspiro que soltou. Senti suas mãos em meus cabelos sujos e desgrenhados quando ele os afastou para alcançar meu ouvido.

- Eu preciso que você seja forte agora, pode fazer isso? - perguntou em um sussurro.

Assenti, mesmo sem ter certeza, era o melhor que conseguiria fazer. Quis protestar quando seus braços se desenrolaram ao meu redor, mas não o fiz. Ainda assim, ele não pôde me soltar, pois minhas pernas machucadas não eram o bastante para me sustentar.

Seu olhar triste e preocupado desceu pelo meu corpo até os ferimentos e ele grunhiu. Suas mãos me rodearam e logo estava suspensa em seu colo.

- Cuida dela - Mazen orientou. - Eu resolvo... aqui.

Um único aceno de cabeça foi a resposta de Raence, logo se virando e me levando até um canto mais afastado. Encostei minha cabeça em seu ombro até ele me colocar no chão, encostada em um tronco.

Silêncio era o que nós tínhamos e era confortável. Ele rasgou um pedaço da blusa que usava e amarrou fortemente um pouco acima da flecha cravada em minha carne. Ele olhou para mim, cauteloso.

- Não tem como fazer doer menos - lamentou.

Dispensei com os ombros, o incentivando a continuar. Suas mãos se fecharam em torno da madeira, ele desviou o olhar do meu. Encarei o céu nublado acima de nós ao respirar fundo. Raence contou.

- Um...

E eu fui presa, contida e forçada a assistir eles sendo dominados.

- Dois...

A lâmina brilhou, sedenta por sangue.

- Três.

Clare estava morta.

A flecha foi puxada de mim, rasgando e retalhando e destruindo tudo em seu caminho. Eu gritei de dor, de desespero, agonia e desamparo. Graças ao torniquete, o sangue foi contido. Observei Raence mover os dedos, manipulando o ar que novamente se infiltrou em mim, no meu machucado, envolvendo as extremidades da pele aberta e puxando-as uma em direção a outra. Era frio e fazia cócegas, mas fechou o ferimento com sucesso.

- Não posso curar tudo dessa forma, mas fechar o machucado superficialmente vai impedir infecções, por dentro o tempo cura.

Tentei não me abalar com o duplo sentido daquela frase, mesmo que a parte machucada do meu coração quisesse agarrá-la.

- Consegue se virar?

Confirmei e fiz o que pediu, ele usou sua energia para fechar o corte da faca no posterior do meu joelho. Ainda doía, ainda era difícil me manter de pé, mas eu me levantei, me levantei porque eu sabia que não podia fraquejar. Não ali.

O Diadema Da Coroa [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora