DEZESSEIS

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Encarei a mata por um tempo, o silêncio cruciante me deixando surda. As folhas se mexiam, algumas caíam bem diante de meus olhos, flutuando de um lado para o outro, acompanhando o balanço do vento até o chão, onde descansou. O único barulho que me mantinha sã era o som da respiração de Raence, lentamente , puxando e soltando, enchendo e esvaziando os pulmões. Eu quase podia ouvir seu organismo trabalhando, o chiado do ar entrando. Imóvel, de olhos fechados, quase relaxado. O vapor deixava seus lábios a cada expiração por causa do frio.

Encarei minhas mãos, eu estava aquecida. Não estava em chamas como geralmente ficava ao perder o controle, apenas aquecida. Então, encarei as dele. Uma descansava sobre o estômago e a outra estava sobre a terra. Não, era loucura. Ele havia me pedido que o esquentasse, era verdade, mas eu nem sabia como fazer. E pegar em sua mão, assim de repente, não me parecia certo.

Ou parecia tão certo que era errado.

O que estava acontecendo comigo?

- Quase da para ouvir sua cabecinha funcionando - ele provocou, a voz baixa, sem abrir os olhos.

Suspirei, voltando a olhar para as minhas mãos. Pensei e pensei e pensei, minha cabeça iria explodir a qualquer momento. Duas de mim gritando ordens diferentes, me torturando com uma indecisão tenebrosa.

- Me ensine - pedi, baixinho e abruptamente.

Raence me olhou com apenas um dos olhos.

- O que?

- A propagar minha energia. Me pediu para aquecê-lo, vamos lá!

Engoli em seco, implorando mentalmente que ele não prolongasse o momento. Apreensiva, o observei desencostar da árvore e se virar para mim. Fiz o mesmo, cruzando as pernas e arrumando o vestido para que não revelasse demais.

- Noções básicas sobre as energias: Água, geralmente, são as pessoas mais sensíveis, trabalham mais com emoção e empatia.

- Está explicado porque você não faz parte do grupo - comentei, querendo lhe provocar ao menos um pouco, do mesmo jeito que fazia comigo.

- Terra - ele me ignorou - traz estabilidade, pessoas mais racionais, mais pé no chão. E aí está o motivo de você não estar nesse grupo. - revirei os olhos. - Ar está mais ligado ao intelecto, pessoas que tem o pensamento rápido, perspicaz, independente.

Segurei o fôlego ao reparar que só faltava o fogo. Se ele continuasse levando a situação a sério, tudo daria certo.

- Fogo rege pessoas impulsivas, que tomam iniciativas, determinadas e persistentes.

- Acho que é o melhor elogio que poderia receber de você.

- Se concentre - me estendeu as mãos. - Até agora você conseguiu despertar o calor dentro de si, mas projetar é outra coisa.

Analisei suas mãos estendidas, esperando pelas minhas. Meu coração bombeou mais forte, minha respiração saiu um pouco do ritmo. Medo de segurá-las, de me acostumar com seu toque de novo e sentir a ausência quando se afastasse. Respirei fundo, me lembrando que era apenas um exercício. Então, pressionei minha palma contra a sua, seus dedos tocaram meu pulso e eu arrepiei. Ele, por outro lado, encarava meu rosto, alheio a toda tensão que eu sentia com seu toque.

- Você conhece a chama que te toma, sabe a sensação de ser aquecida por ela. Feche os olhos! - hesitei diante da ordem, mas fechei. - Para projetar, você precisa acessar seu núcleo, o ponto mais quente dentro de você. Não tente controlar nada, não é assim que funciona. Para se conectar com a sua energia, consigo mesma, é necessário abrir mão do controle. - sua voz se tornara baixa e calorosa. - Deixe essa força correr por suas veias, transcender seu corpo. Imagine, Rose, a chama dourada se expandindo, vindo por seus braços, chegando em suas mãos, nas pontas dos dedos e, então, os ultrapassando.

O Diadema Da Coroa [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora