CINQUENTA

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 Havia uma mão em minha cabeça, os dedos brutos em torno do meu cérebro o espremiam sem pena. Agonizante, desesperador. Algo estava clareando, como o sol nascendo de manhã bem diante dos meus olhos e, com ele, a onda profunda de dor me engolia. Resisti, tentando afundar novamente no breu tentador e calmo que me deixava em paz, esquecida e apagada. Raspei os dedos e as unhas contra a parede negra atrás de mim, que parecia ter me cuspido como um alimento ruim, tentando voltar, rasgá-la apenas o suficiente para me enfiar ali dentro de novo. Tentei até o zumbido preencher meus ouvidos, constante e alto o bastante para me deixar zonza. Pequenas navalhas afiadas alfinetando meus tímpanos, pouco a pouco se enterrando, se espremendo e cortando tudo no caminho até meu cérebro.

Não me importei com as pontas dos dedos ensanguentadas ao levar as mãos às orelhas em uma tentativa ridícula de abafar o som ensurdecedor.

Abri os olhos em agonia, o céu nublado ainda era claro o bastante para me cegar. Pensei, pensei muito, em ignorar o comando do meu corpo e continuar deitada, torcendo para que se insistisse, voltasse a adormecer. Contudo, eu sabia que tinha que levantar. Apoiei as palmas das mãos na terra úmida e me impulsionei para cima, sentindo as navalhas adentrarem ainda mais minha cabeça. Fechei os olhos com força, tentando me acostumar com as pontadas agudas.

A catástrofe à minha frente me deixou sem reação. Árvores e mais árvores caídas pelo chão, sobre vários soldados; a terra remexida e espalhada em um raio de quilômetros; homens caídos e vários outros em uma eterna correria para tentar ajudar os feridos; sangue, sangue e mais sangue; machucados por todo lado; membros do corpo soltos e espalhados pelo chão. Mais ao longe ainda era possível ver as pedras de Winslov mais próximas da fronteira totalmente destruídas, apenas os destroços jaziam no solo seco.

Observando bem, conseguia ver as bocas se mexendo, as gargantas forçadas. Eles estavam gritando, berrando. E eu não ouvia nada além do zumbido fino insistente. Não tinha certeza se conseguiria sequer dar um passo e, lembrando dos homens desmembrados, analisei meu corpo apenas para conferir se tudo estava ali. Deixando de fora alguns arranhões, rasgos e machucados um pouco maiores, eu estava bem.

Um gosto metálico pútrido dominou meu paladar, se espalhando pela minha língua como água fresca, mas não havia nada em cima de mim e não estava chovendo. Acompanhei a pequena gota que passou pelos meus olhos e viajou até o couro da minha roupa, escorrendo e deixando um rastro vermelho por onde passava. Levei os dedos até minha testa e os mesmos escorregaram sobre a pele molhada com o líquido viscoso. Sangue, constatei ao trazê-los de volta à minha vista. Um ferimento na cabeça explicava a dor abundante.

Mas eu estava bem e havia pessoas que não estavam, pessoas bem em cima da explosão, atingidas diretamente. Raence. O pensamento me sufocou, expulsando todo e qualquer ar dos meus pulmões e levando com ele qualquer raciocínio. Forcei meus pés para frente, cambaleando sobre eles e em três passos quase fui ao chão, iria se não apoiasse a mão no solo. Levantei novamente, andando enquanto o zumbido gritava mais e mais alto, rugindo para que eu não fosse lá. Lutei contra todas as encolhidas do meu corpo quando o som se tornava estridente demais.

De repente, estava no meio da multidão desesperada que grunhia ordens de um para outro, correndo feito baratas na minha frente, atrás de mim e ao meu lado. Fechei os olhos novamente, tentando calar o maltido som que berrava na minha mente, apertei os ouvidos com força, me concentrando ao meu redor e me recusando a ouvir o chiado irritante.

Aos poucos as vozes vieram, primeiro baixas demais para que eu entendesse alguma coisa, muitas ao mesmo tempo. Depois, ficaram mais audíveis e mais e mais até, finalmente, sobrepor o barulho que me deixava surda. Talvez tivesse sido melhor continuar daquele jeito, porque, de alguma forma, os choramingos e urros de dor eram piores. Minha vista até pareceu clarear após ter a mente limpa e pude ver em primeira mão o desastre que me rodeava. Me senti mal por cada homem ferido, mal mesmo, como se cada um fosse uma pequena agulha e meu coração, o palheiro. Mas imaginar Raence ou Mazen ali no lugar deles era ainda pior, despedaçava o órgão.

O Diadema Da Coroa [CONCLUÍDO]Onde histórias criam vida. Descubra agora