Meu Doce Querer

44- Linha Tênue

                                Eva

      Passar meu dia encolhida em meus lençóis de flores com cólica menstrual não foi exatamente o que eu havia planejado para hoje.

      O plano era reunir toda minha determinação e descobrir quem diabos é meu pai biológico e o que o Theo tem haver com a Hydra, mas o mar vermelho decidiu se abrir justo hoje e de quebra, meu ovário se abriu também, a julgar pela dor que eu estou sentindo desde a escola, o analgésico que a enfermeira me deu ajudou por poucas horas, só o suficiente para chegar em casa e tomar um banho quente, agora estou deitada sobre a cama praguejando e amaldiçoando em todas as línguas imaginárias possíveis.

      Peter me prometeu que iria passar aqui em casa antes de patrulhar, aparentemente Tony Stark queria ver meu namorado antes do mesmo ir fazer seus deveres como homem aranha, então Peter foi direto para casa quando viu que eu estava bem, deve voltar pelo final da tarde.

      Muito a contra gosto eu me levanto e caminho sem pressa alguma até a cozinha, me forçando a engolir um comprimido branco e amargo que segundo a embalagem vai acabar com a minha dor em meia hora, ainda muito demorado. Depois volto para o quarto ansiando mais do que nunca pela minha cama, o calor deve ajudar a cólica a diminuir e talvez, com um pouco de sorte eu adormeça por algumas horas.

                             ◇◇◇

      Existe uma linha tênue entre sanidade e insanidade, sua sanidade pode estar na beira, arriscando um pé para fora da borda sem ter muita certeza do que está fazendo, mas pronta para se jogar. Emoções são bombas muitas vezes controladas, o tempo passa e o relógio continua fazendo seu tic tac, porém sem explodir, sua felicidade pode contagiar todos ao seu redor, seu medo pode envolver os arredores, a tristeza pode sair em forma de explosão e arrebatar dimensões grandes, mas nada se compara com o estrago que a insegurança e a raiva podem fazer se agirem em sincronia.

      Por toda minha vida eu fui uma pessoa sarcástica, irônica, e muitas vezes atrevida, porém nunca fui uma pessoa estúpida e ignorante, isso eu sempre tentei evitar. Hipócrita? Com certeza eu já fui, todos já fomos em algum ponto da vida, é humano, não nos lembramos de tudo que já dissemos e portanto estamos propensos a fazer exatamente o contrário.

      Nunca fui uma pessoa desequilibrada, mas estas últimas horas me fizeram questionar seriamente minha sanidade, e isso está me assustando, imensamente.

                        Lembrança

      Abro os olhos depois de mais algumas frases da minha mãe ecoarem pela minha cabeça, frases repetidas dela me dizendo sobre meus socos e chutes, sensações que eu me lembro de sentir ao ouvir cada elogio ou crítica. Me viro sobre o colchão ao mesmo tempo em que uma pontada aguda de dor se faz presente em minhas têmporas, tenciono a mandíbula para não soltar nenhum som alto e levo minhas mãos até minha cabeça, segurando de forma protetora e me encolhendo em baixo do cobertor.

      "Eu vou sentir tanta saudade meu amor."

      Ouço risadas altas e doentias, porém ao mesmo tempo frias e controladas, minha cabeça dói cada vez mais, a cólica sendo esquecida com facilidade.

      "Escuta, não confie em ninguém, ninguém!"

      Vidros se quebrando e estilhaços caindo sobre o chão do quarto, uma dor imensa em meu joelho que veio acompanhada de uma ardência na mão, pedaços de vidro se misturavam com sangue.

      "Filha, você não vai se lembrar, mas foi para o seu bem"

      Era o voz do meu pai, mas era diferente, era fria, dura, sem muitos sentimentos.