CAPÍTULO 39.

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NICO. 
OITO ANOS ATRÁS. 

Havíamos acabado de completar dezesseis anos e quando o relógio bateu meia noite, anunciando o fim do nosso dia, o pai nos chamou até o porão. Nino caminhava calmamente, mas meu coração batia acelerado. Meu irmão não sabia o que acontecia no enorme porão sem janelas; não sabia que nosso pai matava e torturava pessoas ali dentro e que nós estavamos indo em direção a algo terrível. Ele não sabia, e eu não lhe disse. 

— Mandou nos chamar? — Meu irmão estava animado, tinha por fim escapado da minha constante vigilância e perdido a virgindade com Clarice. Eu fiz de tudo para que os dois não se envolvesse, até mesmo levei Nino para clubes de stripper querendo que ele deixasse de lado a ideia fodida de perder a virgindade com alguém que realmente gostasse, mas não bastou. Na noite de nosso aniversário, ele dormiu com Clarice e agora, estava feliz pra caralho. Eu já estava transando desde os catorze, meu pai tinha me obrigado a foder com prostitutas porque queria ter certeza que eu não fosse gay. Quase ri. Eu não me tornaria gay — se isso fosse possível — por causa do que tinha acontecido no passado. Meu pai, um homem loiro e pele bronzeada demais abriu um sorriso falso em nossa direção. 

— Eu adiei esse momento pelo maior tempo que pude, mas agora que fizeram dezesseis, precisamos falar sobre quem será o próximo Capo. 

— Pensei que já tínhamos decidido isso. — Disse com cuidado, não querendo irritar o velho. A porta atrás de nós se fechou num baque alto. Nino me lançou um olhar confuso e medo cintilou em suas íris cinzas. — Eu serei o próximo Capo. 

— Sim, — Nino concordou. — E também, Nino foi o primeiro a sair da barriga da mãe. Ele é o primogênito, eu concordo que ele seja o Capo. 

— A mãe de vocês, Luca e Juliano estão numa sala sem portas ou janelas, há um tanque de gás vazando enquanto conversamos. — Papai contou como se estivesse falando do tempo. Nino arquejou ao meu lado, qualquer fodida felicidade indo embora de seu rosto. — Eu quero que vocês lutem, Nino e Nico. Quero que vocês lutem até a morte e o que restar, será o próximo Capo. Não quero a porra de um consenso entre vocês, eu quero o mais forte. A Camorra não é para fracos.

— Nem fodendo. — Eu disse antes que pudesse pensar nas palavras. — Me mate, enfie uma bala na minha cabeça, problema resolvido! 

— Não. Não posso machucar Nico. Não. Você é doente? Como você quer que seus filhos façam algo assim? 

— Vocês podem não aceitar, claro. Sua mãe e seus irmãos irão morrer, e depois que vocês verem o que fizeram, matarei um de vocês. Simples. — Nosso pai deu de ombros. — Vocês decidem. 

Nino ficou estático por um momento, encarando o pai e eu com concentração. Eu quase poderia ver as engrenagens girarem em sua mente, quase podia ver seu cérebro trabalhando em várias possibilidades. Ele sempre fora assim, sempre tentou resolver os problemas com logica e inteligência enquanto eu me jogava sem pensar em tudo que poderia facilmente me matar. Eu era fogo, mas Nino era água. No entanto, quando ele me olhou novamente, pela primeira vez na vida não vi seus olhos serem inundados por clareza, nem mesmo meu irmão gênio poderia encontrar uma solução para aquele conflito. Se Nino não podia… Imagine eu. Nino não se importou com o olhar de nosso pai sobre nós, ele me puxou para um abraço apertado, batendo o peito contra o meu num baque surdo. 

— Me mate. — Ele sussurrou contra meu ouvido. — Dê alguns golpes e me mate. 

— Não. — Eu disse com convicção me — Você faça isso. Não lutarei de verdade, deixarei você ter a melhor. Me mate, Nino. Eu não posso viver sem você, eu prefiro morrer. 

Nino me apertou em seus braços com ainda mais força e estremeceu.

— Eu vou mata-lo por isso, tudo bem? — Ele sussurrou. — Eu vou fazer o necessário e vou mata-lo para vingar você. 

Meu coração doeu por ele aceitar tão facilmente me matar; mas afastei o sentimento. Eu estava grato por ele ter aceitado, e isso era só o que importava. O apertei em meus braços e beijei seu pescoço, Nino acariciou minha nuca; ele era o único que podia fazer isso, seu toque me trazia amparo e segurança, nenhuma dor como no passado. 

— Faremos isso por mamãe e nossos irmãos. — Nino disse. Luca tinha dez anos e Juliano pouco mais de seis meses de vida. Eles não mereciam morrer sufocados, nem mesmo nossa mãe louca merecia. — Você é um monstro, pai. Eu nunca senti tanto nojo de alguém como eu sinto de você. Eu faria qualquer coisa para poder matar você com minhas próprias mãos. Céus, eu ficaria tão feliz que beberia a porra do teu sangue. 

Soltei uma respiração dura ao ouvir as palavras de Nino; ele nunca tinha sido do tipo violento mesmo tendo nascido na máfia, mas isso seria bom. Eu tinha protegido meu irmão a vida toda e agora ele estaria por si só, teria que trilhar seu caminho e matar nosso pai. O pai riu e tirou o celular caro do bolso do paletó. 

— Uma mensagem e o fogo começa. — O homem loiro se afastou de nós e entrou na sala de vidro que usava para ver seus homens matarem e torturarem. Ele não sujava as mãos com tortura; ele não sujaria as mãos com seus filhos. 

Antes que eu pudesse pensar no que fazer primeiro, Nino me acertou o soco no maxilar. Eu cambaleei para trás e percebi o quanto aquilo seria impossível, meu irmão não sabia dar um soco direito, sua mão torceu quando ele sibilou de dor. Havia doído mais nele do que em mim. Nino partiu para cima de mim novamente e eu forcei todo meu autocontrole para bater nele de forma que não machucasse tanto, ainda assim, sangue fluiu do seu nariz quando acertei seu rosto. Não me lembro bem de como tudo aconteceu, mas por fim, naquela luta insuportável e dolorosa onde cada soco que eu acertava nele destruía meu coração, nós caímos de joelhos, envolto em sangue e gemidos de dor. Nico novamente me acertou no rosto e eu me permiti cair de joelhos. Uma faca deslizou da cabine de vidro até o chão ao meu lado e eu lancei um olhar de ódio ao meu pai. Seus olhos azuis me encaravam com desdém e nojo, ele me achava fraco por desistir, porque sabia que eu já teria quebrado o pescoço de Nino se estivesse lutando pra valer; ele havia me treinado, havia me ensinado a lutar, tinha me ensinado tudo. Ele sabia que eu era forte, sabia que eu tinha desistido. Abri um sorriso ensanguentado em direção a ele. Eu não me sentia fraco, eu era melhor que ele. Não havia forma melhor de morrer do que defendendo aqueles que amávamos. A fúria em seu rosto me fez sorrir ainda mais. Nino pegou a faca ao nosso lado e me deu um chute na costela, eu não estava preparado para aquilo, caí deitado, mas não antes de dar-lhe uma rasteira e o trazer comigo. 

Nino se jogou em cima de mim de forma fraca e desajeitada e meu corpo todo queria lutar contra. Ele tinha uma faca, ele iria me matar, eu queria lutar. Mas não podia. A outra opção seria matar meu irmão gêmeo, a melhor parte de mim, e eu preferia morrer a fazer isso. Nino montou em minha cintura e segurou a faca com as duas mãos entre a gente, num impulso de autopreservação, segurei o cabo da faca também. Foi então que eu vi. Seus olhos brilharam de medo e incerteza ao se encherem de lágrimas e seu lábio inferior tremeu. 

— Como você pôde pensar que eu aceitaria isso tão fácil? — Ele perguntou baixinho. — Como você pôde pensar que eu conseguiria matar a pessoa que eu mais amo nesse mundo? 

— Nino… 

— Diga que me ama. — Meu irmão pediu, uma lágrima escorrendo por seu rosto idêntico ao meu. 

— Eu te amo. Com toda minha vida, com a minha alma, eu te amo. — Eu pude sentir as lágrimas em meus olhos. — Apenas faça isso, Nino. 

Nino sorriu, um sorriso sem nenhuma esperança ou humor, um sorriso que acionou todos meus alarmes internos. Meu irmão girou a faca, a lâmina sendo apontada para ele e não para mim como deveria e eu gritei. Forcei-me a ficar sentado para o empurrar para longe, mas a movimentação das minhas pernas o fez desequilibrar; Nino caiu pra frente e a lâmina se enterrou em seu peito. 

INCÊNDIO - SAGA INEVITÁVEL: LIVRO 2. | CONCLUÍDO.Onde histórias criam vida. Descubra agora