CAPÍTULO 2.

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ALESSIA.


Pensei que não veria Nico Parisi até o dia do nosso casamento, mas dois meses antes ele veio de Las Vegas para discutir com Thomaz uma investida contra os russos. Como mandava a honra, ele ficaria em nossa casa nos dois dias em que passasse na cidade, no entanto, eu só o vi no almoço de domingo, um dia antes dele ir embora. 

A mesa estava posta com esmero, belamente decorada com castiçais de prata e prataria refinada; até mesmo os talheres eram de prata, já que apesar de não gostar de Nico, mamãe não conseguia  não fazer o melhor para seus convidados. A enorme mesa estava cercada por nossa família, Thomaz, Carina, Samael, Nico e seu irmão Luca, que tinha dezoito anos, minha idade e de Alessa. Diferente de mim e minha irmã, Luca já parecia um adulto letal com sua tatuagem da Camorra e seus flertes sutis em direção a minha irmã mais nova, que obviamente deixava Samael irritado. Minha família preferia acreditar que Samael era extremamente protetor com Cinzia porque eles haviam crescido juntos, mas eu tinha quase certeza de que ele estava interessado nela há anos. O que era bom, afinal, minha irmã era completamente apaixonada por ele desde a infância. 

— A comida está excelente, senhora Vacchiano. — Thomaz elogiou enquanto cortava seu pernil assado, recebendo um sorriso de minha mãe. 

No passado, mamãe odiava Thomaz, mas agora, ele era seu genro dos sonhos. Ele amava sua filha e cuidava dela, como não poderia ama-lo? 

— Tenho que concordar. — Nico disse na sua habitual voz grave, que conscientemente suavizou para falar com minha mãe. 

— Muito obrigada. — Mamãe agradeceu aos dois genros com um sorriso no rosto. Sentada ao lado de Nico, eu não podia ver muito de sua expressão sem olhar diretamente para ele, mas pude ver sua boca se torcer em diversão. Tudo para ele era divertido, esse maldito teatro que fazíamos para ele, não significava nada a seus olhos. Assim como eu, ele sabia que tudo isso era falso, que não estávamos tendo um almoço em família. Não. Haviam mais de quinze homens armados na casa, prontos para matar e mutilar. Nico estava sozinho com seu irmão, mas isso não o fazia descuidado, o fazia perigoso. 

— Então, Nico. Ansioso para o casamento? — Meu pai perguntou casualmente e me surpreendi ao ver Samael suprimir uma risada e me lançar um olhar debochado. Samael não era muito de brincadeiras, não desde que seu irmão morreu. 

— Achou a pergunta engraçada, Rizzi? — Luca perguntou com interesse, ávido por um confronto. Respirei fundo quando o sorriso de Samael se alargou. 

— Claro. — O irmão de Thomaz disse ainda sorrindo perigosamente. — Seu irmão até já experimentou um pedaço do bolo antes do tempo. 

Ao meu lado, Alessa engasgou com sua Coca-Cola. 

— Você fica espionando os outros? É algum tipo de hobby? — Nico perguntou com a voz calma. Toda sua diversão havia sumido, seus olhos cinzas estavam fixos no irmão de Thomaz. A mão com a rosa, posicionada sobre sua coxa, se curvou em punho. 

— Samael, do que você está falando? — Meu pai perguntou duramente e arrepios subiram por minha espinha. 

— Sobre nada, senhor. — Samael disse lentamente, o sorriso sumindo de seu rosto. 

— Se você forçou minha irmã a algo… — Carina começou, seu rosto ficando vermelho como seus cabelos. 

— Eu não forcei sua irmã a nada. — Nico sibilou. — Ela me beijou porque quis. 

— Você está louco? — Fiquei de pé num rompante, meu copo de suco rolou e se partiu ao cair no chão, mas não me importei. — Eu nunca beijei você! 

Meu mundo inteiro girou. Eu não era propensa a fantasias, sempre tentava resolver tudo com lógica e exatidão, mas naquele momento, enquanto minha boca ficava seca e minhas mãos tremiam, eu quis ser do tipo que se iludia, que acreditava em mentiras, em contos de fadas, porque eu não podia, não queria, acreditar na única solução lógica para o que Nico tinha dito. 

— Alessia, nos conte a verdade. — Meu pai mandou se colocando de pé; todos na mesa o seguiram, exceto por minha irmã gêmea. 

Lentamente olhei em direção a ela, para seu rosto idêntico ao meu, para seus cabelos cortados na altura dos meus, para sua expressão de choque, para seus olhos azuis cheios de lágrimas. 

— Porra. — Samael xingou, provavelmente entendendo antes de todo mundo, mas não me virei para ele. Tudo que eu via, tudo que eu conseguia ver, era a expressão de culpa no rosto de Alessa. Eu quase nunca chorava, mas senti meus olhos queimarem naquele momento. 

Nunca esperei que Nico me fosse fiel, isso seria uma ilusão patética, e eu era uma mulher de pensamentos lógicos, concretos. No entanto, nunca esperei aquilo de Alessa, nunca esperei que ela me traísse, e sua traição queimava em meu peito, como facas quentes sendo enfiadas em minha pele. 

— Você nunca me beijou, não é? — Nico perguntou em voz baixa, mas eu sabia que todos estavam ouvindo. Não consegui olhar para ele, não consegui desviar os olhos de minha irmã, minha irmã que era tudo para mim, minha irmã que eu amava mais do que minha própria vida. 

Minha irmã que havia beijado meu noivo. 

Uma lágrima escorreu pelo rosto de Alessa, a dor me cortou ao vê-la chorar, mas a raiva era ainda mais forte. Nunca fui de explosões, seja de raiva ou tristeza, sempre guardei meus sentimentos para mim, nunca mostrei nada do que eu sentia ao longo dos anos, da dor imensa que carregava por me sentir responsável pela morte de Alestra; mas naquele momento, eu quis gritar. Uma parte de mim estava morta, e a outra parte, havia me traído. Pessoas que nascem juntas, não são acostumadas a solidão, mas eu me sentia sozinha. Tão sozinha. 

— O que está acontecendo? — Minha mãe perguntou, sua voz parecia distante. Tão distante. — Alessia? 

— Eu não sei nada sobre isso. — Disse, surpreendetemente calma. — Pergunte a Alessa. 

Me virei e saí da sala de jantar antes que alguém pudesse me perguntar mais. Ouvi o soluço de Alessa, o susto de Cinzia, e até mesmo meu pai xingar, mas não parei. Não parei de andar até me esconder nos arbutos do jardim, chocada demais para conseguir formular um plano para sair de casa, chocada demais para fazer qualquer outra coisa senão encarar o muro alto. 

Alguns minutos depois, alguém se aproximou. Imaginei que seria Carina, ou até mesmo Alessa, mas surpresa me tomou quando vi os olhos cinzas de Nico. Meu noivo parou ao meu lado. 

— Sinto muito. — Ele disse após um momento em silêncio. — Pensei que era você. 

— Mesmo que não tivesse pensado, o que importaria? Não ligo para suas traições, ligo para o que ela fez. — Respondi pacificamente, feliz por minha voz não ter falhado. Eu não sangraria num tanque de tubarões.

Nico se aproximou, parando em minha frente. Quando ele abaixou a mão, pensei que pegaria uma arma e medo cruzou meu coração, mas não aconteceu. Nico desencaixou o bracelete de metal negro que usava, bracelete que eu tinha visto no dia do nosso noivado, e puxou meu braço para si, prendendo a jóia em meu pulso. Arqueei as sobrancelhas em direção a ele. 

— Agora eu não irei mais te confundir. 

Nico se afastou em passos calmos e eu não tive tempo de responder; olhei para o bracelete preto reluzente, autorregulavel, que se encaixou perfeitamente em meu pulso. A inscrição em italiano me fez estremecer. 

Il potere e il fuoco, la rosa e il sangue, anche la morte e oltre.

O poder e o fogo, a rosa e o sangue, até a morte e além… O juramento da Camorra.

INCÊNDIO - SAGA INEVITÁVEL: LIVRO 2. | CONCLUÍDO.Onde histórias criam vida. Descubra agora