CAPÍTULO 49.

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ALESSIA. 

Se Thomaz Rizzi me chamasse para uma conversa no passado, eu estaria tremendo de medo, mas agora, meu pulso sequer acelerou. Ele não era meu Capo, não mais. Eu não lhe devia obediência e minha lealdade era com a Camorra, mesmo que eu fosse incapaz de fazer qualquer coisa para prejudicar a Cosa Nostra. Tomei uma respiração curta antes de bater na porta do escritório de papai. 

— Entre. — A voz do meu pai soou gentil como sempre. Eu realmente tinha um pai de verdade, um homem íntegro e decente que amava suas filhas e sua esposa, que cuidava de nós e daria sua vida pela gente sem pensar duas vezes. Eu me sentia sortuda por saber disso, principalmente depois de saber mais sobre Carmine Parisi. Aquele homem não era digno de ser chamado de pai, o meu pai era. Abri a porta antes que os pensamentos sobre Nico pudessem me afetar e deslizei para dentro do escritório. Thomaz e papai me esperavam, ambos em seus ternos de três peças sóbrios e requintados. 

— Aconteceu algo? — Perguntei baixinho. Meu coração errou uma batida ao ver suas expressões sérias. — Nico está bem? 

— Sente-se, Alessia. — Thomaz pediu indicando a cadeira a minha frente. Seu comportamento havia mudado também; ele não me ordenava coisas como no passado, eu era a esposa de outro Capo, tudo que ele poderia fazer era pedir e esperar que eu cooperasse. Suspirando, fiz o que ele pediu. Não havia motivos para o irritar. — Precisamos falar sobre você e Nico. 

— Nico está bem? — Eu repeti a pergunta. Tudo que me importava era isso. Nada mais. Thomaz balançou a cabeça com um sorriso irônico nos lábios. 

— Nico está bem. — Thomaz deu de ombros e sentou-se na cadeira de frente para mim, no lugar habitual de papai. Isso era uma conversa séria então. — Como vai seu filho? 

Eu enrijeci. Porque diabos ele queria saber sobre isso? Coloquei uma mão protetora sobre minha barriga; mesmo que a gravidez tivesse vindo numa péssima hora, eu havia me acostumado com a gestação, com a ideia de que seria mãe em menos de cinco meses. Eu sabia que tinha algo estranho comigo por já não amar aquela criança com toda minha alma, mas eu me preocupava e cuidava dela, comia o necessário, tinha descartado os refrigerantes e nunca mais tocado em álcool. Eu não sentia vontade de comer, mas comia porque o bebê precisava. Eu não gostava de beber água, mas bebia mais de dois litros por dia porque era bom para ele. 

— Muito bem, os exames mostraram que ele está saudável. — Eu disse com cuidado. Realmente, o bebê estava saudável, sem nenhuma preocupação. Eu não tinha tido coragem de perguntar o sexo ainda, mesmo que o médico já tivesse dito que já poderíamos verificar. Eu não queria saber. Na verdade, eu queria que Nico estivesse ao meu lado para isso. 

— Alessia, filha… Eu e Thomaz precisamos falar com você abertamente sobre uma situação, mas quero que saiba que nenhum de nós desconfia de você, da sua fidelidade. 

Arqueei as sobrancelhas. Thomaz não parecia concordar com papai, ele me olhava com extrema atenção, procurando qualquer sinal. Eu não sabia do que ele estava falando. 

— Essa criança é de Nico Parisi? — Thomaz perguntou diretamente. Meu rosto corou, mas não foi de vergonha. Era de raiva. Como ele poderia pensar algo assim? Me coloquei de pé. 

— Foda-se, não vou ficar aqui escutando uma merda dessas. — Eu sibilei me afastando da mesa. Papai segurou meu braço com delicadeza. 

— Alessia, por favor. Apenas responda a pergunta. 

— É óbvio que o filho é de Nico! — Eu praticamente gritei, mas uma dor incomoda no peito me fez respirar pesado. Meu coração acelerou ao pensar que Nico pudesse pensar que… — Nico… Nico desconfia…? Nico…

Eu sequer conseguia colocar as palavras em voz alta. 

— Não. — Thomaz respondeu sem hesitar. — E ele matou um de seus homens mais importantes noite passada quando ele insinuou isso. 

— Nico matou um soldado? — Minha boca ficou seca. Novamente Thomaz sorriu de forma irônica. 

— Não, Alessia. Ele matou um de seus homens de confiança, o subchefe de Kansas City. — Meu cunhado se colocou de pé. — As pessoas estão desconfiadas, muitas estão dizendo que Nico lhe mandou para New York porque descobriu uma traição e não podia te matar porque precisava da trégua com a Cosa Nostra. 

Meus olhos se encheram de lágrimas antes que eu pudesse controla-las. A dor me inundou ao ouvir suas palavras duras, como se eu fosse uma prostituta infeliz que tinha traído o marido. 

— Nico teria me matado se esse fosse o caso. Ele não se importaria com a Camorra se descobrisse uma traição. Ele é calculista com tudo, menos com isso. Se ele não tivesse me matado, teria me rechaçado para toda a sociedade. Todos iriam saber, eu não seria mais ninguém. — Passei a mão pelo rosto para limpar as lágrimas, mas elas continuavam descendo furiosamente. — E ele não teria matado um subchefe importante se não fosse para proteger minha honra, se não soubesse com toda certeza que eu lhe era fiel. 

— Então porque ele te mandou para cá? Porque despachar a esposa grávida? — Thomaz perguntou conscientemente suavizando sua voz por causa das minhas lágrimas. 

— Porque… — Um soluço cortou minhas palavras. — Eu não posso dizer. 

— Nós já sabemos do irmão gêmeo dele. — Thomaz respirou fundo. — É por causa disso? 

— Eu não posso dizer. — Respondi com mais firmeza. Eu não mostraria a Thomaz que Nico estava mal, que tinha enfraquecido por causa de Nino. Eu morreria antes de colocar meu marido numa posição como aquela, apesar de tudo. 

— Você é leal. — Thomaz disse com uma profunda risada seca. 

— Até meu último osso. — As palavras escaparam antes que eu pudesse pensar nelas, mas era a verdade. Eu era leal a Nico com cada fibra do meu ser e nunca o trairia. 

— Acreditamos em você, querida. Você não precisa chorar. — Papai disse com uma mão sobre meu ombro. Estremeci. 

— A conversa terminou? — Indaguei cruzando os braços sobre o estômago. Thomaz assentiu. 

Não esperei mais um segundo para virar as costas e sair do escritório. Minha cabeça girava com todas aquelas informações. O mundo sabia que Nino estava vivo, como Nico se sentia sobre isso? E se Nico acreditava que o bebê não era dele? Não. Ele nunca acreditaria nisso. Ele sabia que era ele o motivo de eu ter vindo para New York, ele sabia que eu não teria o feito se ele não tivesse me obrigado. A bile subiu por minha garganta conforme eu subia a escadaria em formato de U. No passado, eu passava horas sentada naquela escada espiando as conversas na sala. Tinha até contado mais de uma vez quantos degraus tinha e de mês em mês conferia se continuava tendo quarenta degraus; a escada nunca mudou, mas eu tinha mudado e não sabia o que fazer com isso. No corredor, decidi que que ligaria para Nico e diria exatamente como eu estava me sentindo. Apalpei os bolsos da jardineira que vestia em busca do meu celular e exalei irritada quando percebi que tinha o deixado no escritório de papai. Girei em meus calcanhares e voltei para a escada. 

Quarenta degraus, eu tinha contado no passado e recontado porque a escada era alta demais para ter só isso; naquele momento, quando errei o degrau e pisei em falso e caí feito uma fruta madura, eu desejei que estivesse errada. Eu desejei que não fossem quarenta degraus, mas eram e eu pude sentir pelo menos a metade deles antes de perder a consciência. 

Quarenta degraus. 

Não parecia pouco agora.

INCÊNDIO - SAGA INEVITÁVEL: LIVRO 2. | CONCLUÍDO.Onde histórias criam vida. Descubra agora