CAPÍTULO 28.

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NICO.

A primeira mentira havia sido fácil porque não eram uma mentira por completo, mas naquele momento, eu não consegui forçar a negação para fora, a mentira ficou presa em minha língua, sequer consegui olhar para ela. Alessia percebeu, no entanto. E vi em seus olhos que ela não queria acreditar. Para mim não era grande coisa, já tinha sido observado fazendo sexo diversas vezes, mas Alessia encarou aquilo como uma traição. Um desrespeito. O pior de tudo foi a culpa. Eu não me senti culpado no momento, nem depois, mas quando Alessia me olhou ferida daquela forma, algo dentro de mim se partiu. Eu sequer sabia como pedir desculpas, nunca tinha pedido desculpas por nada, nunca tinha me sentido culpado, afinal. 

— Eu não sabia que você consideraria dessa forma. — Acabei dizendo, as palavras se embolando conforme eu tentava organizar meus pensamentos. — Se eu soubesse… 

— Você achou o que? Que eu ficaria feliz em saber que minha irmã nos viu transando e que você continuou mesmo sabendo que ela estava lá? — Alessia sussurrou energicamente. Seu olhar de desdém me fez estremecer. 

— Eu não quis te desrespeitar. Eu estava com raiva de Alessa, da raiva que ela sente por estarmos bem. Eu queria que ela visse que eu te fazia bem. — Patético. Minhas palavras eram patéticas, minha postura era patética. Eu estava, pela primeira vez na vida, acuado pelo olhar irritado de uma mulher. Tudo era absolutamente patético. 

— E então você provou ser exatamente o que ela pensava! — Alessia aumentou a voz, o rosto vermelho de indignação. — É isso, não é? Ela estava certa. Essa merda toda que você diz é para se poupar do trabalho de ter que me estuprar sempre que quisesse sexo. 

Suas palavras me atingiram feito facas. Por um momento eu apenas fiquei parado, paralisado pelo que ela disse. Confiança, algo tão frágil. Na noite anterior ela confiava em mim e eu nela. Hoje? Hoje ela havia perdido a confiança em mim, e eu perdi qualquer carinho que tinha por ela ao ouvi-la me acusar de algo tão horrível. 

Que se foda. 

— Exatamente, Alessia. Tudo que eu disse era mentira, eu só não queria ter que conviver com minha esposa ressentida. — As palavras saíram de minha boca antes que eu pensasse nela, meu cerebro decidindo atacar para não ser machucado. — Porque diabos um homem como eu, que tem tudo a disposição, sentiria algo por você? Uma adolescente estúpida que não sabe o próprio lugar? 

Mentira. Mentira. Mentira.

Alessia me encarou, mas ela não viu a mentira. Não viu que eu nunca quis dizer aquilo, não viu que o que eu sentia era o exato opostos de minhas palavras. Tudo que ela viu foi meu rosto numa máscara fria e minhas palavras duras. Seus olhos brilharam, mas dessa vez não eram lágrimas de emoção. A mágoa em seu rosto fora tão grande que eu quase caí de joelhos em sua frente e lhe disse a verdade, mas isso já tinha ido longe demais. Meus sentimentos por ela me colocavam em risco, colocavam a Camorra em risco. Eu não podia ser fraco e eu não seria, mesmo que para isso tivesse que arrancar parte do meu coração. 

— Você é um monstro. — Alessia sussurrou, a voz se quebrando. Sim, eu era. — Eu odeio você. Com tudo que eu tenho, eu odeio você. 

Era mentira. Se ela me odiasse, ela não estaria chorando. Se ela me odiasse, seu rosto não estaria contorcido em dor. Ela não me odiava, mas eu esperava que um dia odiasse. Seria mais fácil, para mim e para ela. 

— Eu não poderia ligar menos. — Mentira. Uma grande mentira. Com aquelas palavras, selei nosso destino. A dor em seus olhos mostrou o que eu mais havia temido nos últimos dias: eu havia perdido Alessia. 

×
×
×

Saímos do porto direto para nosso jato particular. Alessia se sentou nos fundos e passou a viajem inteira em silêncio, assim como Luca, que não desviou os olhos do filme que assistia. Retornar a Las Vegas era um alívio, quando o avião pousou e eu enfim coloquei os pés na minha cidade, me senti melhor. Os últimos dias tinham sido como um conto de fadas, mas no dia anterior eu havia mordido a maçã envenenada e condenado meu casamento ao fim. Eu tinha certeza de que poderia reverter isso se a pedisse perdão, se contasse tudo que sentia, se dissesse a ela que cada palavra dura era uma grande mentira, mas eu não o faria. Se eu me permitisse amar Alessia, estaria fadado ao fracasso. 

Tirei as botas assim que entrei no quarto, meus pés estavam ávidos pelo chão frio. Alessia passou por mim sem uma palavra e se enfiou no closet por vários minutos. Tirei minha camisa, querendo mais que tudo um banho e rumei para o banheiro. Alessia me interceptou antes que eu entrasse. 

— Cumprirei meus deveres como sua esposa e darei todo o sexo que você quiser, não preciso me forçar a isso, você consegue despertar meu corpo. — Arqueei as sobrancelhas para sua voz clínica e fria. Ela sequer corou como fazia sempre que falava sobre sexo. — Mas não quero nenhum outro tipo de intimidade com você. Desejo dormir em outro quarto. 

A primeira coisa que eu quis dizer foi não. Meu primeiro impulso foi segura-la forte e dizer que ela jamais se afastaria de mim, que ela jamais dormiria em outro lugar senão nos meus braços, mas me controlei. Ela queria estar longe de mim, ela não queria mais sequer dividir uma cama comigo. Eu havia machucado seu coração, traído sua confiança. Eu merecia seu descaso, sua total aversão. Mas eu não queria… Porra. Eu não queria que ela me olhasse daquela forma, como se eu fosse o ser humano mais desprezível na face da terra. Eu queria me ajoelhar diante dela e pedir perdão por todas as merdas que fiz, mas eu não podia. Eu precisava me afastar dela e ela também tinha atravessado uma faca no meu coração ao dizer tudo aquilo. 

— O quarto ao lado desse é grande o suficiente para te acomodar com conforto. — Dei de ombros como se não me importasse, como se o que estava fazendo não estivesse me deixando doente. Forcei um sorriso frio, forcei meu rosto a esconder tudo que eu sentia. — Que bom que você vai cumprir seu papel de esposa. É pra isso que você serve, afinal. 

Eu era um bastardo. Eu sentia nojo de mim, do que estava dizendo. Eu me odiava tanto que sequer me irritei com o tapa que ela me deu, sequer fiz alguma menção de retribuir a agressão. Seu tapa doeu, mas nada poderia me doer mais do que a amargura e a dor intensa em seu rosto lindo. Surpresa tomou a expressão de Alessia quando ela percebeu o que tinha feito e depois, medo. O mais absoluto medo. Levantei a mão para pressionar sobre meu rosto que queimava e Alessia deu um passo para trás, se colando contra a porta do banheiro. Ela achou que eu bateria nela? Eu jamais bateria nela. Jamais. Eu preferiria ter cada fodido dedo da minha mão cortado do que machucar seu corpo. 

— É a última vez que você faz isso, Alessia. Entendeu? 

Minha esposa se arrepiou ao ouvir minha voz. Nem eu reconhecia o som frio que saiu da minha boca, o completo oposto do fogo que queimava meu coração. Alessia assentiu cuidadosamente, estremecendo. Eu queria tanto a abraçar, queria tanto prometer que jamais a machucaria, queria tanto confessar que eu nunca quis que ela se afastasse de mim, que dormir sem ela seria um martírio. Mas eu não podia. 

Não podia porque amar é uma fraqueza, e eu não seria fraco. 

INCÊNDIO - SAGA INEVITÁVEL: LIVRO 2. | CONCLUÍDO.Onde histórias criam vida. Descubra agora