- Acorda, Lauana! -Eu chacoalhava seu corpo com vontade.
- Porra, Mara! Me deixa dormir! -Resmungou, virando para o outro lado.
- Eu não vou falar de novo! Sabe que precisa ter responsabilidade! Se a supervisora subir e te ver deitada, vai ser pior! -Exclamei, expressando minha irritação.
Eram seis da manhã. Lauana não tinha saído de sua cama e naquela altura, eu havia desistido. Francamente, ela precisava criar juízo. Fui caminhando, ainda sonolenta até o banheiro. Fiz minhas necessidades básicas e busquei minha farda no armário, que estava pendurada num cabide de madeira escura.
- Lau, eu não vou falar de novo! -Gritei do banheiro.-
- Você precisa tomar vergonha na cara e parar de dormir duas horas da manhã!- Eu vou levantar, Maraísa! -Resmungou, abafando o grito de insatisfação com o travesseiro.
- Que inferno! -Bufou.-
- Que horas... Merda! -Não deu tempo de terminar a frase. Ela provavelmente olhou a hora no relógio do celular.Vesti minha lingerie por baixo da toalha e pendurei-a no box do banheiro logo em seguida. Lauana estava tomando banho e ficou me encarando com cara de tonta.
- Para, menina! -Eu ri, desconcertada.-
- Tudo o que você tem, eu também tenho! - Saí do banheiro e prendi meu cabelo num coque nem tão alto e nem tão baixo. Vesti a blusa estilo panamá na cor branca e a calça por cima, também na cor branca. Calcei meus sapatos e terminei de ajeitar, colocando meu relógio de pulso e tentando acertar a boina.- Deixa eu te ajudar, Mara! -Lau saiu enrolada na toalha.
Ela me ajudou a colocar a boina e eu me sentei na sua cama, esperando ela se ajeitar.
- Vinte minutos, Lauana! -Disse impaciente, balançando minhas pernas em sinal de ansiedade.
Era o meu primeiro ano na Escola Naval da Marinha e eu estava muito apreensiva com tudo o que estava por vir. A instituição era enorme, tinha várias salas e alojamentos, e consequentemente, pessoas de várias idades. Foi muito difícil conseguir passar para cá, sobretudo porque as provas envolvem matérias de exatas e eu não me dava bem com números. Ainda tinha a pressão machista por parte da sociedade, que dizia que aqui não era lugar para meninas como eu. Então tudo foi muito sacrificante. Eu precisei abdicar de mim, dos meus amigos, dos meus planos para o futuro... Precisei abdicar da minha família, viagens, e até relacionamentos para estar aqui dentro. Para todos aqueles que duvidaram da minha capacidade, eu espero que vocês morram com uma espinha de peixe entalada na garganta.
- Vamos, apressadinha? -Lauana pegou suas coisas.
- Você sabe que a gente vai ter que engolir o café, né? -Eu ri de nervoso.
- Vamos logo, antes que eu me arrependa. -Ela andou em direção à porta.
Descemos as escadas e andamos até o refeitório. Haviam muitas pessoas, muito bem arrumadas, pareciam filhos perfeitos de famílias perfeitas. Tinham brancos, negros, pardos, japoneses, até holandeses. Era quase uma conferência de adolescentes, muito bem educados.
O que sinceramente, me espantava. Adolescente é sinal de confusão, alvoroço. E ali, todos pareciam adultos.
Bebi meu café com pouquíssimo açúcar e comi meus pãezinhos. Lau olhava deslumbrada para cada canto do refeitório, enquanto eu sentia minha ansiedade cada vez mais forte. Sentia meu peito subir e descer com rapidez, as mãos suarem e o ar que inspirava não ser suficiente para meus pulmões. Transtorno de ansiedade é algo muito desesperador. Parece que você vai do céu ao inferno em questão de segundos e seu corpo nem sempre está preparado para essa queda tão brusca. O sinal bateu, o som era diferente das outras escolas. Fizemos a fila e cantamos o Hino da escola naval. Quando minha mãe decidiu me colocar no curso preparatório, eu mal conseguia me imaginar no lugar que estava naquele momento. E eu estava, era real. A emoção de estar ali era real. Era tão real para mim, que mesmo sem saber cantar certo, meus olhos estavam marejados.
Após o término do hino, dos avisos e uma pequena parabenização de trinta minutos do Vice-Almirante e diretor, os supervisores guiaram as filas para suas respectivas salas. Lauana estava na minha frente e de vez em quando olhava para trás e sorria, que eu devolvia na mesma intensidade. Estávamos ali.
- Senta aqui. -Eu pedi à ela, apontando para a mesa ao lado.
- Só se você não me chacoalhar durante as manhãs. Isso me deixa enjoada! -Ela sorriu.
- Desculpa, Lau. Não sabia que minha amiga é uma idosa! -Ri baixinho.
- Oitenta anos nas Costinha. -Ela riu.
Nos sentamos e assistimos as aulas. Eu olhava para tudo à minha volta como uma criança que acabara de sair do ventre de sua mãe. Atenta a tudo o que o professor de literatura estava dizendo, anotando em meu caderno com todo o capricho. O sinal bateu depois de quase duas horas e nós fomos liberados para sair.
- Eu vou lá em cima rapidinho, se importa? -Ela perguntou.
- Não! Se precisar, manda mensagem para o meu número. Vou conhecer a escola. -Anotei meu número num post-it e entreguei.
- Pode deixar. Vê se não dá de maluca e pula no mar! -Ela riu.
Saí da sala e voltei até o refeitório, peguei meu lanche e me sentei numa das mesas. Comi meu lanche bem rápido, porque me sentia desconfortável sozinha no meio de um monte de pessoas e me estiquei num banco próximo.
- Graças à nossa senhora da Hérnia! -Disse alto.
- É melhor você manter a postura, mocinha! -Uma voz estridente e feminina me advertiu.
Olhei para a mulher que estava ao meu lado, olhando para o horizonte. Oficiais da marinha tinham o péssimo hábito de dar bronca sem contato visual. Eu apenas sorri, revirando os olhos sem que ela percebesse e me recompus. Ela saiu logo em seguida e eu, claro, debochei de seu autoritarismo.
- É melhor você ajeitar a postura, mocinha! - Eu debochei-
- Lavar uma louça não quer, né? Eu hein, horrorosa! -Bufei.Me levantei dali em seguida e fui até o banheiro. Busquei minha escova de dentes dentro da necessaire e escovei meus dentes, passando o enxaguante bucal em seguida. Sai dali e andei até achar um lugar calmo, com árvores e flores. Acabei chegando num local com um ipê amarelo, de frente para o mar. Ficava um pouco longe dos prédios, mas perto do dormitório dos professores.
Sentei naquele gramado, encostando no tronco do ipê e respirando com todo o ar que meus pulmões precisavam. Finalmente, estava sossegada. Olhava para o horizonte e jurava conseguir ver o Rio de Janeiro bem de longe.
- Aí está você! -Uma voz familiar exclamou, me fazendo virar num trezentos e sessenta graus, assustada.
- Por que não mandou mensagem? -Levantei do gramado.
- Acho que sabia onde você estaria. -Ela se sentou ao meu lado e sorriu.
- Chega pra cá, maluca! Eu sou sapatão, mas sou do bem. -Ela puxou meu pulso, me trazendo para mais perto dela.
Olhei para ela incrédula e ela riu, na certa sabia que eu não tinha desconfiado de absolutamente nada.
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Hey galera, desarquivei essa estória malila. Espero que gostem! Deixem a estrelinha e o comentário ♡
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Indomável coração || Malila
FanfictionCarla Maraísa é uma adolescente de dezessete anos que acabou de entrar para a tão sonhada escola naval brasileira, uma instituição de Ensino Superior da Marinha do Brasil que tem por objetivo formar mental e fisicamente jovens brasileiros que irão o...