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- Doutora Maraísa, acorda! -Uma voz masculina me chamou.

- Hm? O que? Tô acordada. -Levantei desnorteada.

- São sete da noite, seu plantão acabou. -Ele disse.-
- Já se passaram oito anos e você ainda não se acostumou? -André riu da minha cara.

- Nem um pouquinho. -Suspirei fundo.-
- O plantão anda muito puxado.

- Eu estava afim de sair hoje para comer aquele burrito. -Ele tentou me animar.

- Amigo, cê sabe que eu te adoro, né? Mas tô tão cansada. -Bufei.-
- Preciso descansar.

- Vem, eu levo você. -Ele sorriu, me ajudando a levantar.

Caminhamos até o elevador, passamos pela recepção assim que chegamos ao primeiro andar e eu joguei minhas chaves para André. Ele sorriu e foi em direção a garagem enquanto eu me aproximava de meu pai.

- Até amanhã, papai. -Sorri, beijando sua bochecha.

- Descanse, querida. -Beijou minha testa.

- Pode deixar! Cuidado com o café. -Saí pela porta.

André estava parado com o carro em frente ao hospital naval Marcílio Dias. Entrei no carro e nós saímos em direção à minha casa.

- Como você está diante de tudo o que tens passado? -Ele perguntou enquanto ligava o rádio.

- Bem. -Respondi com desdém.

- Mas a sua... -O interrompi.

- Sim. Eu sei que a Almira morreu. -Respondi ríspida.

- Carlinha, somos amigos. Eu queria entender você, minha amiga. -Seu tom era preocupado.-
- Eu sou seu amigo gay, poxa. -Riu.

- Obrigada, André. Mas ainda não estou pronta. -Tentei sorrir.

- Você tem a mesma resposta de oito anos atrás. -Balançou a cabeça.

- Sim. Não me sinto bem para falar sobre. -Aumentei o rádio e encostei na janela.
A verdade era que minha mãe havia falecido há três meses e eu não conseguia derramar uma lágrima sequer. Não conseguia sentir absolutamente nada, nem um remorso que fosse e aquilo me sucumbia aos poucos.

O dia mais doloroso da minha vida foi o dia em que ela arrancou Marília da minha vida, sem dó nem piedade. O que minha mãe não sabia, era que não se pode arrancar alguém que mora em seu coração. Nada nunca mais foi o mesmo. Os dias passaram a ser pesados, eu perdi o brilho na vida. Parte de mim morreu naquele dia.

Então não, eu não sentia falta da minha mãe. Aprendi na marra que família é quem corre contigo, não quem te prejudica. Minha mãe não queria o meu bem, ela queria satisfazer seu ego. Sua arrogância. Jamais admitiria sua filha se envolvendo com outra mulher, e assim o fez.

Todos esses anos eu sofri amargamente por Marília. Pelo o que podíamos ter sido, pelos planos que poderíamos ter feito. Por todo amor que não pudemos viver. Eu sofri.
Minha antiga terapeuta disse que amor é uma coisa que dá e passa. Mas se passa, é porque nunca foi amor. Porque amor, minha cara, é a única coisa que transcende espaço e tempo.

- Maraísa? Chegamos. -André desligou o carro.

- Obrigada, amigo. Você quer entrar? -Perguntei por educação, porque queria ficar sozinha.

- Não, amiga. Preciso voltar para o hospital. Marcinha tem fisioterapia marcada às oito. -Ele sorriu, beijando minha mão.

- Vá na paz. -Sorri.

Ele saiu do carro e pegou a moto na garagem da minha casa. Sempre fazíamos isso, então ele deixava sua moto ali.

Entrei em casa e fui direto para o banho. Liguei a banheira e entrei, ficando lá por muito tempo.
Saí do banheiro, indo para a cozinha e esquentando um risoto de frango no microondas. Devorei tudo em alguns minutos e saí dali.
Junto com a falta de Marília, vieram os antidepressivos. As crises de ansiedade e uma síndrome de pânico de brinde. Tantos problemas por um só problema: amor. Deitei na cama e tomei um remédio para dormir. Virei para o lado, segurando o relicário que ainda tinha seu cheiro e que eu nunca tirei do pescoço. Olhei nossa foto, uma lágrima escorreu. O fechei e coloquei acima do meu peito, perto das batidas do meu coração e adormeci.

Indomável coração || MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora