33

1.7K 201 426
                                    

— Pai, pode me levar? Não vou aguentar dirigir com esse sono. -Perguntei, abotoando minha blusa social branca com cerejinhas.

— Eu tenho que voltar agora mesmo, filha. Meu sinalizador também tocou. -Pegou seu jaleco.

Pegamos nossas coisas e saímos de casa. Estava chovendo muito, de um jeito que eu não via há anos. Meu pai corria o mais rápido que conseguia, mas com a pista escorregadia, não podia ir tão rápido quanto de costume. Liguei o rádio enquanto meu pai parou num Starbucks 24h. Estava tocando Saturn - Sleepy at least.

— Sinto sua falta, Marília. -Abaixei minha cabeça, fazendo menção de chorar.

— Aqui. -Ele entrou no carro e me entregou um copo de café quentinho.

Fui tomando o café, enquanto escutava a música e lembrava de Marília. Por um momento viajei pelos meu pensamentos. Meu peito dói de saudade, uma saudade que não sei como conter. Saudade, é não saber. Não saber mais se ela continua se gripando no inverno, não saber mais se ela continua clareando o cabelo. É não saber se ela ainda usa o anel que eu á dei. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu... A saudade é não saber! Não saber mais o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem os pensamentos. Não saber como freiar as lágrimas diante de uma música. Não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama e ainda sim, doer!

Por um momento eu joguei esses pensamentos para longe. Precisava estar focada e acordada para a emergência. Mandei mensagem para Eduardo, que me respondeu em seguida.

— Edu, você tá no hospital?

— Sim. Por favor, não demore. A paciente não vai aguentar.

— Me adiante, qual a gravidade?

— Acidente de carro. Um caminhão ultrapassou o sinal, batendo no carro da vítima. Ela está perdendo muito sangue.

— Sabe quem é?

— Apenas que ela trabalha para a marinha, doutora.

— Como de costume. Por favor, aguenta aí.

— Não sei não, doutora. Acho que ela é quem não vai aguentar.

Desliguei o celular e encostei a cabeça na janela. Não demorou muito para que chegássemos até o hospital. Eu fui caminhando para a recepção, passando pelo hall e indo em direção às sala 22. Coloquei meu jaleco e desinfetei minhas mãos com álcool em gel. Ao entrar na sala, Eduardo estava em pânico.

— Qual a situação? -Perguntei sem olhar para a paciente.

— Ela está perdendo muito sangue. -Ele disse.-
— Pulso fraco.

— Fratura exposta? -Perguntei.

— Não. -Respondeu-me.-
— Precisamos estabilizar a vítima antes de qualquer exame.

— Massagem, por favor. -Pedi ao Eduardo.

O pulso voltou ao normal. Não foi preciso muito, mas a paciente continuava desacordada. Aparentemente não tinha sinais de fraturas.

— Pulso? -Perguntei.

— Normal. -Respondeu.

Não demorou cinco segundos, ela começou a ter convulsões.

— Porra! -Exclamei.-
— Vira ela de lado, Eduardo. -Ordenei.

Me pus ao lado oposto e quando Eduardo virou a paciente, eu pude ver quem era. Impossível. Como não tinha á reconhecido antes? Ela mudou a cor dos cabelos, é,  talvez seja isso. Agora não estava mais loira, mas, o rosto era o mesmo. Meu corpo gelou. Não era possível. Eu estava delirando. Meus olhos se encheram de lágrima e eu só despertei quando Edu me chamou.

Indomável coração || MalilaOnde histórias criam vida. Descubra agora