capítulo setenta e três;

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Daphne

Arthur e Gabriel ficaram conversando por horas na noite passada.

Eu acabei caindo no sono, eventualmente, e despertei no meio da noite quando ele deitou do meu lado com cuidado e perguntou se eu havia despertado. Acabei não dizendo nada e fingi que estava dormindo, e então ele se acomodou atrás de mim, me usando de travesseiro.

Quando acordei nessa manhã, ele ainda estava apagado. Parecia ser a primeira vez depois de muitas noites que realmente dormia. Já eram dez da manhã, mas fiquei com pena de acordá-lo, então levantei com cuidado — porque ele tinha um sono leve —, e fui pro banheiro.

Tomei um susto quando senti dois braços rodeando minha cintura enquanto eu terminava de escovar os dentes.

— Bom dia, gatinha. — Ele deu um beijo no meu pescoço antes de parar do meu lado e pegar na sua escova.

— Bom dia. — Tirei o excesso de pasta. — Pensei que tivesse sido silenciosa acordando.

Ele sorriu.

— Eu já tinha acordado faz uns minutos, só estava com preguiça de levantar.

Parecia melhor. Escovou os dentes e saiu para me deixar tomar um banho.

Estava na metade quando ouvi a campainha tocar.

A noite ontem deve ter sido boa mesmo, pensei, abrindo o registo para tirar o sabonete do corpo.

Quando terminei, enrolei o meu corpo em uma toalha e saí da banheira, secando meu corpo.

Apenas quando saí do banheiro é que a voz ficou nítida. Senti meu cenho franzir ao reconhecer aquele timbre e foi automático que meus pés me guiassem até a entrada da sala, onde vi PlayHard de costas para mim.

Permaneci de forma que não fosse notada.

— ... e eu entendo que deve ser um momento difícil pra você, mas eventualmente vai precisar voltar pro trabalho — ele falou, dando continuidade ao que conversavam antes da minha chegada.

Gabriel não esboçou nenhuma reação.

— Isso é tudo que você veio fazer aqui?

— Querendo ou não, as nossas obrigações continuam. Só estou tentando cuidar de você. Sabe que é...

— Se você me disser mais uma vez — Gabriel o cortou com raiva, apertando os punhos — só mais uma vez, que você me considera um filho, eu vou quebrar a sua cara agora mesmo.

PlayHard não pareceu afetado. Seu corpo não se movendo um milímetro por baixo do terno impecável.

— Você precisa se acalmar, Lessa.

— Você não vem para a minha casa me dizer o que eu preciso ou não fazer, PH — ele rebateu. — O corpo da minha mãe mal arrefeceu na merda daquele caixão. Como tem coragem de aparecer aqui?

— Eu entendo que está de luto. Mas é como eu disse...

Antes que ele pudesse terminar, as mãos de Gabriel já estavam sobre sua gola, o empurrando com força até a parede mais próxima.

Observei em choque enquanto ele prensava o homem que não mostrava resistência.

— Durante todo esse tempo você esteve sugando absolutamente tudo de mim. Tudo. Minha sanidade, meu tempo, dinheiro. E eu aguentei toda essa merda porque tinha um propósito, mas ele não existe mais. Não há mais nada que me faça continuar com isso. Minha mãe está morta. Consegue entender isso, PH? Consegue entender que há menos de vinte e quatro horas eu precisei colocá-la a sete palmos daqui? Consegue entender que eu morri com ela naquele exato momento? Não há nada de mim aqui! — A voz dele quebrou quando balançou a cabeça em negação; a respiração ofegante.— Então que merda você quer de mim? Do que precisa pra me deixar em paz? Será que não consegue ver que eu já não tenho mais nada pra dar a você? Que eu já não ligo mais pra essa merda de jogo? Ou pra essa merda de trabalho? Não consegue ver? O quão miserável você precisa que eu esteja pra finalmente se ver satisfeito e me deixar em paz, seu doente filho da puta?

— Eu enten...

— VOCÊ NÃO ENTENDE MERDA NENHUMA! — ele explodiu, empurrando o corpo dele contra a parede novamente e erguendo um dos punhos a frente do rosto.

Tudo o que se ouviu por alguns segundos foi o som da sua respiração pesada.

PH ainda o encarava; o queixo erguido como se esperasse que o soco o atingisse.

— Vá em frente! — incentivou quando tudo que Gabriel fez foi manter o punho trêmulo a centímetros do seu rosto. — Vá em frente, Lessa. Bata, e bata com força para descontar o que quer que esteja sentindo. Mas uma coisa eu te garanto, e essa, é que a sua mãe não vai voltar.

Eu arfei em choque tamanha insensibilidade e esperei pelo soco. Tudo o que eu mais queria naquele momento é que Gabriel o desferisse o mais forte que conseguisse, que rebentasse a cara dele, porque não dava para acreditar que alguém pudesse ser tão frio.

No entanto, tudo o que aconteceu foi que seu punho caiu derrotado ao lado do seu tronco. E quando ele se distanciou com um passo para trás, eu consegui ver as lágrimas que rolavam pelo seu rosto.

Não consegui ficar vendo aquilo sem fazer nada. Não consegui ver como PlayHard tinha a cara de pau de vir arruinar um momento tão delicado.

Atravessei a sala sem me importar de estar vestida com apenas uma toalha.

Percebi o olhar confuso de PH quando me viu ali, mas para ele já era tarde: minha mão já tinha atingido seu rosto com uma força que fez a palma formigar; o som ecoando pela sala silenciosa.

Seu rosto agora estava virado para a direita, com um leve rubor aparecendo sob a barba bem feita. Ele piscou lentamente, massageando o maxilar antes de me encarar.

Seus olhos eram gelados, mas não senti medo. Apenas nojo.

— Vá. Embora. — Ordenei pausadamente, tentando conter minha raiva enquanto me colocava entre ele e Gabriel. — Agora.

PH manteve seu olhar, desviando por apenas um segundo para encarar algo atrás de mim. Após endireitar a postura, ele ajeitou a gravata e de seguida o terno, se dirigindo até a saída sem dizer uma palavra.

Quando a porta fechou, eu me virei para Gabriel, me perguntando por que não reagiu. E para quem havia visto como ele estava melhor alguns momentos atrás, ver como ele parecia acabado agora fez um nó crescer em minha garganta.

Eu nunca pensei que fosse odiar alguém da forma como estou neste momento.

Secrets (loud bak)Onde histórias criam vida. Descubra agora