Capítulo setenta e um;

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Daphne

2 dias depois

Hoje seria o funeral.

Os últimos dias foram bastante corridos para Gabriel, que teve de lidar com a organização de tudo. Aquilo havia o sobrecarregado de tal forma que nem se lembrava de comer ou dormir direito. Na primeira noite em que passei aqui, duvido que tenha dormido mais de quatro horas antes de sair da cama pra ficar na varanda fumando.

Com a falta de sono, ele ficou mais silencioso. Menos reativo. Notava que ele se esforçava para manter um diálogo quando eu iniciava, mas a melancolia era palpável.

— Ei... — Bati na porta do quarto, aumentando a brecha. — Já está pronto?

Gabriel estava de frente para o espelho da cômoda, fechando os botões da camisa social preta que usava. Uma calça e sapatos da mesma cor acompanhavam, enquanto o terno descansava na beirada da cama.

Me apoiei ao batente, vendo quando ele caminhou até a cadeira do setup para levar a gravata.

Seu semblante era sério enquanto ele fazia a fita dar voltas em seu pescoço em busca de um nó perfeito, mas volta e meia desfazia para começar tudo de novo.

Levei a minha atenção para a janela, onde as cortinas abanavam por causa do tempo que ainda continuava nublado.

Apertei o sobretudo em meu corpo quando uma corrente fria bateu em minha nuca, me arrepiando.

— Quer ajuda com isso? — perguntei, me aproximando devagar.

Gabriel olhou de relance para mim, negando antes de voltar a tentar com a gravata. Não estava ruim, no entanto o nó estava torto.

Ele não mostrou resistência quando parei a sua frente e toquei no tecido, começando a desfazê-lo. Era um pouco difícil atar uma gravata em alguém, mas não impossível.

— Onde aprendeu a fazer isso? — ele perguntou.

Dei de ombros.

— Meu pai me ensinou.

Eu lembrava de ter aprendido ainda quando era uma criança. Não devia ter tido mais de sete anos, e sempre que ele achava que ia usar, me entregava a dele, porque sabia que eu gostava da tarefa. Demorava um pouco no começo, por isso ele me entregava com no mínimo vinte minutos de antecedência.

Fiz a última volta e ajeitei o triângulo em seu pescoço, indo até a cama e levando o paletó. Ele vestiu a peça e ajeitou as partes amassadas no corpo, olhando seu reflexo no espelho.

Estava lindo.

— Você tem um lenço? — perguntei quando ele ficou parado ali, mesmo após já estar pronto. — Gab?

Vi ele engolir em seco, abrindo e fechando as mãos. Percebi que estava nervoso, e era totalmente normal; até eu estava sentindo um frio na barriga.

— Eu não quero ir — sussurrou, finalmente me olhando, fazendo meu peito apertar ao ver seus olhos úmidos. Ele não chorava desde a tarde em que apareci; parecia estar levando tudo da melhor forma possível, mas eu entendia, o dia tinha chegado e era um pouco mais difícil acreditar que estava mesmo acontecendo. — Isso nem sequer parece real...

Eu espalmei as minhas mãos no seu rosto, o vendo fechar as pálpebras como se meu toque tivesse o queimado. 

— Você precisa ir, Gabriel. Precisa se despedir dela.

Secrets (loud bak)Onde histórias criam vida. Descubra agora