capítulo sessenta e quatro;

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Daphne

Senti um toque no meu ombro.

Abri os olhos, piscando várias vezes para me acostumar com a luz e perceber que já havia amanhecido. O sol ainda estava tímido, no entanto.

Seria um dia nublado.

Um corpo se sentou no banco ao meu lado e eu me ajeitei, vendo as meninas dormindo apoiadas uma na outra à minha frente.

— Quanto tempo eu dormi? — perguntei, coçando a garganta quando a minha voz saiu como se eu fosse um garoto de quinze anos na puberdade.

— Uma hora. Uma hora e meia. — Ele deu de ombros. — Vocês pareciam tão cansadas que tive dó de acordar.

Concordei.

— Lucas?

— Ele vai conversar com um psicólogo nessa manhã. Você sabe... Pra decidir como vai ser daqui pra frente. — Me encarou. — Foi bom você ter vindo. De alguma forma conseguiu convencê-lo a aceitar o tratamento. — Suspirou, afundando o corpo na cadeira e espremendo os olhos com os dedos. — Tinha receio de que ele recusasse. O médico falou que o mais difícil nesses casos é pedir ou aceitar ajuda.

Puxei um fio solto da minha camiseta.

— Eu não fiz nada. Ele tomou essa decisão sozinho, antes mesmo de eu entrar — Caio levantou a cabeça para me encarar. — Ele procurou ajuda.

— Daphne, ele tentou se matar.

— Nem todos os pedidos de ajuda são verbais — concluí, mergulhando no silêncio momentâneo. — Seu pai... Ele já sabe?

Caio negou.

— Apesar de não ter dito nada a respeito, eu conheço Lucas. Ele não ia querer que ele ficasse sabendo, e é melhor assim. — Fez careta. — Ele está bem agora. Nada grave aconteceu.

— Mas...

— Não faria diferença, Daphne, sério. É melhor lidarmos com isso sozinhos. A possibilidade faria Lucas querer me matar e colocaria meu pai agindo como...

As palavras se perderam no ar.

— ... um pai? — completei, vendo ele me encarar divertidamente com o canto do olho.

— Algo parecido. Mas acho que não há muito que se possa fazer do outro lado do continente, não é? — debochou. — Talvez pagar o melhor psicólogo. Isso ele faria perfeitamente.

Agora conversando melhor com Caio, parecia que ele também não tinha uma relação tão boa com o pai quanto eu imaginava. Sempre que falava dele e da distância, era com um desdém amargo, como se o culpasse por isso.

Mas não poderia julgar. Não sabia o que Caio teve de passar pra se criar e criar Lucas sozinho, porque apesar deles serem ricos e não terem passado necessidade (pelo menos eu acreditava), dinheiro não era tudo.

— Vá pra casa — ele disse. — Você já fez o suficiente. Não pode ficar sofrendo nesse banco como se ainda fosse a namorada dele — brincou, dando um sorrisinho de canto.

Retribui, assentindo.

— É, eu deveria ir.

— Obrigado — agradeceu. — Você é um anjo. — Dei um sorriso fechado, vendo ele encarar as meninas, que ainda dormiam. — Vocês têm transporte pra voltar?

Encolhi os ombros.

— Uber.

— Posso levar vocês — sugeriu. — Se não houver problema.

— Por mim tudo bem.

(...)

Caio nos deixou em frente a mansão e se despediu com um aceno.

— Que cara gente boa, né? — Voltan comentou assim que passámos o portão.

Eu e Bárbara rimos, certamente pelo fato de termos notado um clima rolando entre eles no hospital e na conversa no carro.

— Não me diga, Carulina — Babi debochou; entramos na sala. Me surprendi ao ver todo o mundo ali reunido. — Pensei que vocês iam se comer bem ali no car...

Bárbara travou no meio da frase quando também notou as pessoas. Marcos, Arthur, Gilson, Victor, acordados antes das nove. PlayHard também estava.

Ninguém falou nada.

Nem uma piadinha sobre o assunto anterior, nem um sorrisinho, nada. Os rostos sérios trocaram olhares cúmplices e melancólicos entre eles; era como se estivessem tentando decidir mentalmente quem falaria primeiro.

Marcos pareceu ter sido o escolhido.

— A tia Michele... — ele hesitou, enfim olhando para nós. — Ela morreu.

Secrets (loud bak)Onde histórias criam vida. Descubra agora