capítulo dois;

14.5K 755 383
                                    


D A P H N E

—— o fode, Daphne. Minha mãe me matava —— a voz soou entrecortada e ruidosa na ligação.

Eu conseguia ouvir o barulho do salgadinho sendo esmagado em sua boca e aquilo estava me dando vontade de comer um.

—— Estou falando sério, o que falta em sua vida é um animal de estimação —— falei pra ele, me sentando e começando a ajeitar o setup pra abrir live.

—— Se eu apareço aqui com, sei lá, uma ave, por exemplo, ela manda eu depenar ela todinha e ainda frita.

Não consegui segurar a risada.

—— Meu Deus, como você é dramático!

—— Estou falando sério, ela odeia animais! —— afirmou mas depois soltou uma risada. —— Mas de verdade, ela ia falar pra caralho, principalmente porque, sei lá, um cachorro dá muito trabalho.

—— Acredite, todos os pais falam demais, mas deixa passar um mês que eles já vão estar conversando com o pet como se ele fosse mais filho deles do que você —— confirmei, soltando uma risada pela lembrança. —— Quando eu tive meu primeiro cachorro, minha mãe também não gostou de primeira. Mas depois acostumou. Ouvia ela pelos cantos conversando com ele.

—— Talvez um gato, faz menos bagunça. Não sei se teria paciência pra cuidar de um cachorro.

—— É, gatos até que combinam com você.

—— Por quê? Porque sou um? —— Ele pareceu se divertir e eu gargalhei tanto que minha barriga doeu.

—— Sim, claro que sim, Daniel, é isso mesmo —— ironizei. —— Mas sério, animais de estimação são tudo. Você não percebe que precisa deles até tê-los –— ele murmurou do outro lado. —— Sabe aquela época em que eu tive depressão e tal? Acho que te contei —— ele fez um som de concordância. —— Se eu não tivesse tido o Lord por perto eu não sei como teria sido. De verdade. Eu li na internet que estar com um cachorro diminue ansiedade e ativa uma coisa qualquer no cérebro que tem a ver com prazer, dopamina, uma coisa assim.

— Dopamina não gera prazer. É só um sinal que seu cérebro dá avisando que um comportamento específico pode dar uma recompensa pra você, e essa recompensa pode vir a ser prazer; no seu caso era ter a companhia do seu cachorro.

— Ok, nerddebochei. — Mas é sério. E sem contar que os animais realmente amam você, não fingem.

—— Ouvir você falar com tanta paixão assim até dá vontade de virar seu cachorro —— brincou.

—— E quem disse que você não é?

—— É mesmo?

—— Meu cachorro vira-lata.

Daniel me xingou e eu voltei a gargalhar. Eu o conheci tinha mais ou menos três meses de uma forma bem aleatória. Faço lives diárias e numa dessas vezes em que joguei com as pessoas que me assistiam, ele entrou no squad. Ele era muito engraçado e depois de me carregar ao mestre no CS rank, vinha praticamente todos os dias me ver jogar ao vivo e ficava no chat falando praticamente sozinho, porque não sou assistida por mais de vinte pessoas.

Depois disso, tão repentinamente como apareceu, ele sumiu. Apesar dele meio que ter sido uma companhia divertida no chat, não cheguei a ficar muito triste. Estava acostumada com pessoas que iam e vinham na minha vida, já até tinha me conformado que ninguém vinha realmente pra ficar. Até que, quase duas semanas depois, ele me chamou no Discord.

Me contou que havia sumido porque andou acontecendo muita coisa na casa dele. O pai  morreu devido a uma doença e ele ficou muito mal, pois era muito chegado a ele. Antes disso, Daniel já tinha picos de energia e sofria com depressão já diagnosticada, e toda aquela situação o deixou ainda pior. Nunca teve uma boa relação com a mãe. Aquelas semanas em que sumiu se limitaram a idas constantes ao psicólogo e tentar se acostumar com o luto.

Fiquei me sentindo mal porque em todas as vezes em que ele vinha conversar no chat ou jogava comigo, parecia sempre tão alegre. Era como se fosse sempre feliz e não tivesse problemas na vida, e eu nunca sequer tinha parado pra pensar que ele podia ter se afastado porque estava mal. Sempre tive o problema de me sentir a personagem principal até na vida dos outros; como se tudo fosse sobre mim, sobre como eu estava me sentindo; como se só eu tivesse problemas ou ficasse triste.

Tentei confortá-lo da minha melhor maneira –— não sou boa em expressar sentimentos ou verbalizá-los —— e me obriguei a chamá-lo todos os dias para conversar, até mesmo quando ele parecia querer me ignorar. Fomos nos aproximando cada vez mais. Contei várias coisas sobre a minha vida e ele também. Já chegava a considerá-lo um amigo. Um amigo virtual, que morava em outra cidade a quilômetros da minha. E por mais que a minha parte interna que tratava das minhas inseguranças sempre sussurrasse que aquilo não valia a pena, que nunca nos veríamos ou, que provavelmente ele também sumiria da minha vida, eu não me importava. Que fossem os 3, 4 ou 6 meses mais felizes da minha vida. Eu me contentava.

Secrets (loud bak)Onde histórias criam vida. Descubra agora