capítulo setenta e seis;

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Daphne

Acordei e Gabriel não estava na cama.

Ainda fiquei na preguiça, enrolada nos lençóis, e acabei dormindo mais uns dez minutos antes de despertar novamente.

Escovei os dentes e o chamei pela casa ao notar que ela estava muito silenciosa; não o achei em lugar nenhum. Só depois de voltar para o quarto e pegar meu celular, é que li a mensagem que ele mandou, dizendo que havia saído e que logo estaria de volta.

Já se passavam duas horas.

Entrei nas redes sociais, vendo algumas notificações, e dentre as inúmeras em que eu estava marcada, uma em especial me chamou atenção pela legenda chamativa.

Era uma fofoca especulando que Gabriel tinha saído da guilda. As pessoas estavam enlouquecendo e criando teorias acerca do que pode ter acontecido.

Deslizei pelos comentários tentando entender o que era aquilo, e após ler uns oito ouvi o som dos pneus e do motor do lado de fora.

Da janela do quarto consegui ver quando ele saiu do carro.

Um ponto de interrogação surgiu em meu cérebro quando ele entrou no quarto arrastando uma mala.

— Acordou agora? —perguntou, deixando a bagagem no canto do quarto.

Bloqueei o celular, sentindo a cortina atrás de min roçar minha pele por causa do vento.

— Sim, não tem trinta minutos.

Gabriel balançou a cabeça, mastigando o lábio inferior ao mesmo tempo em que o início de um vinco surgia na testa. Após sacudir a cabeça como se espantasse o que passou por sua mente, se sentou na cama.

— Eu saí — disse, olhando para as rodinhas da cadeira à frente. — Saí da guilda.

Fitei a mala no canto do quarto.

— E como se sente?

Pra mim ele tinha tomado a decisão certa, principalmente após o que aconteceu ontem. Ainda não dava pra acreditar que PH realmente teve coragem de aparecer para falar tudo aquilo.

— Livre — ele respondeu após um tempo. — Leve. Ele era muito imprevisível. Eu tinha de estar sempre em alerta. Nunca realmente sabia até onde ele poderia ir, porque no final PlayHard  não tinha nada a perder, e isso o tornava perigoso. Tudo que ele tem é esse império que é a Loud. Quando ele volta para casa no final do dia, não há ninguém o esperando. Filhos... mulher... nada. Ele foi filho único de seus pais e eles não tinham irmãos, então não acho que tenha muita família. Dinheiro, na quantidade que ele tem, no fim se torna absolutamente nada. Não há um propósito. Ultimamente penso que ele queria me tornar tão miserável quanto ele. Na maioria...

Ele parou de repente.

— O que foi? — questionei.

— Estou falando demais, não é? — Soltou um riso fraco pelas narinas, esfregando a mão na coxa.

Dei de ombros.

— Gosto de ouvir você falar.

Eu estava a alguns metros de distância, na janela, e ele não me encarava, mas percebi o exato momento em que seu rosto corou.

Acho que nunca tinha visto Gabriel sem jeito.

— Você disse que também ia sair da guilda. — Ele coçou a garganta, mudando o foco do assunto e abrindo a gaveta da cabeceira.

— É. Apesar de precisar do dinheiro, é sem condições continuar no mesmo ambiente que ele.

Ele parou de vasculhar a gaveta.

— Eu vou falar com ele. Você vai receber a sua parte de tudo isso. Cada tostão. — Colocou um cigarro entre os lábios.

Me aproximei até parar à frente dele, vendo-o procurar pelo isqueiro no bolso traseiro.

— Eu não quero esse dinheiro.

Gabriel negou.

— Ele é seu, Daphne. Você receberia de uma forma ou de outra através do seu salário — declarou, acendendo a ponta e erguendo o olhar para me encarar. — Não vai deixar que ele tenha sua parte.

Vi como o cigarro balançou em seus lábios quando ele falou aquilo e roubei a unidade dele.

— O quê? — perguntou, confuso, encarando o objeto em minhas mãos.

— Nada.

Ele segurou meu pulso no meio do caminho que eu fiz a minha boca.

— Não.

— Por que não?

Sua cabeça balançou.

— É nojento.

Ergui minhas sobrancelhas.

— Ah, é?

— É. — Ele tomou o cigarro de mim e o apagou. — Você é linda demais para estar fazendo isso.

— Já esqueceu daquele dia na praia?

— Era diferente. Isso... — Apontou com o polegar para o cigarro que agora descansava em cima da cabeceira — é uma merda.

— Então por que faz?

— A esse ponto já é involuntário. Nem percebo — comentou. — Preciso quando me sinto nervoso. Me acalma um pouco, eu acho.

Cruzei o cenho, afastando um pedaço do cabelo que caia por sua testa.

Estava mais comprido do que alguma vez lembrava.

— Que razão tem pra se sentir nervoso agora? Aconteceu algo na mansão?

Gabriel negou, erguendo o queixo pra me fitar.

Você me deixa nervoso às vezes.

Soltei um riso abafado, sendo pega de surpresa quando ele rodeou os braços pela minha cintura e apoiou o rosto em minha barriga, me abraçando.

Corri os dedos pelos cabelos morenos, começando a fazer uma massagem suave em sua nuca.

Era uma parte dele que eu vinha me acostumando a ver; mais carinhosa. Quem via nunca imaginaria que Gabriel é uma pessoa que vive de grude e gosta de toque.

— Amo o fato de você ser tão cheirosa.

A ponta dos seus dedos circularam minha pele.

— Amo o fato da sua linguagem de amor ser toque físico — rebati. — Você parece um neném.

Ele riu, afastando um pouco o rosto sem ainda me soltar.

— Você sente raiva de mim? Nem que seja um pouco?

— Pergunta isso por causa do contrato? — Ele assentiu. — Não.

— Eu sinto que desde que tudo aconteceu não cheguei a me desculpar com você como deveria ser. Eu sinto muito. Deveria ter sido honesto com você desde o início.

— Está sendo honesto agora. É isso que importa, não é? — Segurei o seu rosto quando ele fez menção de desviar. — Você não é os erros que cometeu no passado. Não fico te julgando por isso na minha mente, devia fazer o mesmo.

Ele fechou as pálpebras, inclinando o rosto em uma das minhas mãos.

— Daphne.

— Hm?

— Seja min... — As palavras sumiram quando ele abriu os olhos, enrugando a testa e parecendo surpreso. — Você tem a alma mais bonita que eu já conheci — completou.

E enquanto ele me derrubava na cama para me esmagar com o seu peso, eu sorri, porque nunca tinha recebido um elogio daqueles antes.

Secrets (loud bak)Onde histórias criam vida. Descubra agora