Capítulo 3 :

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Vendo minha filha tranquila comecei a divagar sobre o que aconteceu na minha vida nos últimos meses.

Sempre morei em São Paulo a minha vida toda. Formei-me em pedagogia aos vinte e um anos. Agora com vinte e dois, estava sentada em uma cama enorme, dentro de uma mansão imensa que eu não conseguia nem imaginar o valor. Minha situação financeira nunca foi muito boa, conseguia pagar o básico das minhas contas e quando minha mãe faleceu, eu ainda estava com quinze anos, precisei morar com uma tia que também tinha suas dificuldades financeiras. Vivi uma vida simples e no começo da faculdade caí na besteira de me apaixonar. Admito que fui ingênua, mas com dezoito anos é normal que a gente pense que encontrou o príncipe encantado.

Matheus Becatt tinha sido realmente um cara legal até descobrir que eu estava grávida. Lembro-me o quanto chorei naquele dia. Suas palavras foram duras, como um soco no estômago. "Se vire, sou jovem demais para cuidar de um bebê". Quando ele me deu as costas, prometi a mim mesma que jamais iria atrás de qualquer ajuda dele. Eu era saudável, tinha energia e confiança para cuidar da minha filha. Trabalhava em uma escola de educação infantil no centro de São Paulo. Foi lá que conheci Bairo Picoli, um dos homens mais poderosos do Brasil.

O dia estava ensolarado, muitas pessoas saíam para passear, fazer caminhadas ou compras. Eu estava dentro do refeitório da escolinha quando um senhor apareceu sendo apoiado por Nancy e Leila. Pude notar que ele estava se sentindo mal, Leila me pediu um copo de água e assim que me aproximei aquele senhor explicava que o mal estar estava sendo causado pelas altas temperaturas que não eram típicas naquela época do ano. Foi meu primeiro contato com Bairo e eu jamais desconfiei de que ele fosse um grande empresário.

Tornamos-nos grandes amigos, eu estava fragilizada, tinha acabado de ser abandonada por Matheus e Bairo, que era um colaborador financeiro da escolinha, muitas vezes ia até lá me visitar e conversar. Contou-me que estava com câncer e que aquela reviravolta em sua vida lhe mostrou que precisava ajudar um pouco mais ao próximo e foi por isso que se dedicou a ajudar aquela escola. Sempre pensei que fosse algo simbólico, ele sempre aparecia lá quando eu estava no refeitório em meu intervalo. Jamais havia notado que ele tinha um motorista particular.

Muitas vezes eu desabafei com ele como me sentia, Bairo era como o avô que nunca conheci. Deu-me forças quando precisei, tinha palavras de conforto e de esperança para mim, me incentivava dizendo que eu era uma garota forte por ter aceitado enfrentar tudo sozinha. Quando ficou muito doente, foi quando descobri sobre sua real situação financeira. Peter, seu motorista, foi até a escola me contar que Bairo estava debilitado e eu imediatamente me preocupei. Sabia sobre sua doença e quis visitá-lo. Quando cheguei até a mansão no interior da cidade, fiquei pasma. Lembro até hoje da conversa que tivemos naquele dia.

Estava um pouco chuvoso e Bairo repousava em sua cama. Quando entrei percebi que o quarto era bastante distinto e ele era um homem muito solitário. Aquela era uma boa razão para ter se apegado tanto a mim. Ele sempre repetia que eu era como uma neta bastante cuidadosa.

Bairo: Sabe, Carla, eu tenho três netos, mas não somos muito próximos, nunca fomos. Quase não nos falamos. — ele falava com pesar na voz — Sempre moramos muito afastados e é por isso que tenho te considerado uma pessoa da família.

Nunca desconfiei que fosse herdar alguma coisa, mas quando Bairo faleceu, seu advogado me procurou. Foi como se eu realmente tivesse perdido alguém da família, a única coisa que me consolava era o fato de que Malu havia nascido antes e ele teve o prazer de vê-la um pouco depois de ter nascido. Eu perdi uma pessoa especial, mas ganhei outra e sempre me lembraria daquele meu amigo tão querido. Agora eu estava nessa mansão graças a ele. Em seu testamento ficou claro que eu tinha dez por cento de suas ações, o que era bastante, já que o império Picoli era incalculável. Arthur agora tinha cinquenta por cento e Daniela e Thaís dez, o que totaliza vinte. Os outros dez eram divididos entre outros sócios.

Finalmente Malu tinha terminado de mamar e eu a coloquei para arrotar. Pouco depois saí do quarto e apesar do cansaço, meu corpo ainda estava sob toda a ansiedade e adrenalina de viajar para um lugar desconhecido. Entrei no quarto que Daniela havia me indicado e vi as paredes brancas à minha volta. Os móveis eram de uma cor de madeira e eu me aproximei de um trocador munido de uma boa quantidade de fraldas. Os Picolis estavam se mostrando bastante organizados e preparam tudo para receber até mesmo um bebê de última hora.

Coloquei minha filha que agora estava sonolenta novamente, sobre o trocador e comecei a trocar sua fralda. Quando terminei e joguei a fralda suja fora, eu olhei para ela e sorri. Malu era meu maior presente e o azar era do pai que a rejeitou. Coloquei minha filha no berço e toquei o brinquedo colorido que estava pendurado acima dela. Uma suave canção de ninar ecoou pelo quarto e eu fiquei ali mais alguns minutos até ter certeza de que ela não estranharia o lugar.  Quando voltei para o quarto, percebi que havia um aparelho de babá eletrônica sobre o criado-mudo e verifiquei para saber se estava ligado.

Agora era minha vez de relaxar. O banheiro do meu quarto era discreto e muito bem decorado. Ao fundo se via uma parede com placas de madeira onde um grande espelho estava pendurado, as bancadas eram todas brancas com vários armários e a banheira seguia a mesma linha de cor. Um chuveiro com box de vidro ficava do lado direito ao lado do vaso sanitário. Rapidamente me veio a mente dar um pouco de cor ao lugar colocando um lindo vaso de flores na bancada do canto. Era um banheiro sem sombra de dúvidas bastante aconchegante, assim como o quarto. Se os aposentos dos hóspedes eram assim, imagina todo o resto da casa?

Após um relaxante banho de banheira, me sequei com uma das deliciosas toalhas felpudas e fui até a mala procurar minhas roupas. Encontrei uma calça de ioga preta e uma blusa de mangas da cor lilás. Vesti a lingerie e comecei a pentear os cabelos sempre atenta ao barulho da babá eletrônica. Ouvi batidas na porta e larguei a escova sobre a penteadeira.

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