Uma criança machucada, uma alma calejada

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King Island, das Cinco Ilhas.

Conforme Seonghwa queria, a viagem para King Island durara muito menos do que o normal, graças aos ventos fortes que perduraram pelos três dias inteiros que levaram para chegar lá.

Yeosang passara toda sua estadia no navio ignorando as alfinetadas de Seonghwa e encarando de volta todos os homens que o olhavam feio. Muitos eram grandes e velhos e pareciam sujos; nem sequer usavam o uniforme preto e laranja. Aqueles, Yeosang sabia, eram os piratas que serviam Hang, os que estavam lá há muito tempo e faziam o trabalho sujo. Eles odiavam Yeosang. Não faziam questão nem de desviar dele enquanto passavam de um lado para o outro no convés, empurrando-o sempre que podiam; também derrubavam comida e bebida nele "sem querer", além de não terem cuidado nenhum ao passar perto dele com armas e espadas.

Yeosang ficara sentado, encolhido, em um canto da proa durante o percurso todo. Até mesmo ao anoitecer, quando os ventos eram mais gélidos. Ele se recusava a dormir no porão junto com aqueles crápulas.

Seonghwa não fizera o mínimo para evitar isso, é claro.

Mas Yeosang não fora atormentado por todos. Os tripulantes uniformizados, mais discretos e silenciosos, que pareciam ter a sua idade, não mexiam com ele. Eles nem mesmo se aproximavam. Uma vez, Yeosang os encarara por muito tempo — tempo o suficiente para que ficassem desconfortáveis —, e eles não esboçaram reação nenhuma. Outra vez, um dos jovens chegara a olhá-lo de volta, no entanto ele não movera um centímetro do pescoço sequer, e o contato visual durara nada mais que um segundo. Mesmo assim, Yeosang ficara eufórico. Foram milhares de tentativas minuciosas de interação até ele finalmente conseguir aquela mísera olhada do soldado. Porém, nada mais que isso.

No dia seguinte, Yeosang não acordara gelado contra a madeira fria do seu cantinho na proa, pois um cobertor havia sido colocado sobre ele. Ninguém dissera nada, e ele escondera o cobertor antes que Seonghwa visse, mas ele tinha certeza de que fora os jovens tripulantes.

De qualquer forma, Yeosang ficara radiantemente feliz. Nem todos estavam contra ele, afinal.

A felicidade acabou quando o navio atracou. 

Yeosang nunca achou que veria King Island de novo. Ele nem lembrava mais de como era a ilha, visto que era um bebê quando a visitou. Seria como vê-la pela primeira vez. Mas ele esperava que não a visse nunca... A não ser que Hang e seu herdeiro fossem mortos e King Island aderisse a democracia, o que não parecia que aconteceria com Seonghwa, bastante saudável e muito bem articulado, tomando posse de tudo.

De longe, Yeosang já conseguia ver a estrutura grande e diferenciada que formava King Island. Era como se a ilha ficasse mais alta gradativamente, começando baixa na orla e subindo em direção ao centro. Parecia uma pirâmide. De perto se tornava ainda maior. As estruturas eram altas em sua maioria, algo incomum até em Myne. As casas e lojas costumavam ser térreas, e as que tinham dois ou três andares eram de famílias mais nobres. Entretanto, tudo era muito grande e alto ali. E muito... dourado. Parecia Myne. Uma versão maior de Myne. Ele não sabia se deveria ser assim, mas sentia que não. 

Yeosang desembarcou distraído com os arredores, seguindo o fluxo de pessoas pelo píer instintivamente. Havia barracas montadas ao longo do contorno da orla, com frutas e peixes frescos sendo vendidos em grande quantidade. As pessoas eram muito bem vestidas, e o ambiente, limpo e agradável. Não era nada como Yeosang imaginava.

De repente, ele sentiu o braço direito ser puxado, tirando-o do curso para a cidade, e se viu na areia da praia. 

— Você não está em Myne, príncipe. — Era Seonghwa que o guiava pelo braço, com o sorriso viperino arrogante no rosto. — É por aqui. 

Ele é o ReiOnde histórias criam vida. Descubra agora