Olhos abertos e ouvidos sensíveis

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Myne, das Cinco Ilhas.

Era quase noite, o sol já estava morno e a caminho de seu esconderijo, mas a pacata movimentação no centro estava longe de acabar. 

Mais lenta e menos fervorosa, a vida na ilha não era mais a mesma desde que Seonghwa colocara suas garras no trono e seus homens começaram a tomar conta do que acontecia e deixava de acontecer. Porém, os myneses não eram tão conformados como os horianos, e os homens de Seonghwa tinham dificuldade em mantê-los sob as novas "leis", as mesmas aplicadas nas outras ilhas. Eles eram calmos, não submissos.

Entre o desempolgado movimento comercial, uma figura encapuzada se esgueirava pelas pessoas, preferindo transitar pelos cantos mais escuros. A presença fraca permitia que passasse sem que os olhos em volta prestassem atenção, e a intenção era essa. 

Furtivamente, ele se aproximava apenas o suficiente das barracas e deixava um recado para o dono, tão astuto que não dava tempo do comerciante se virar para ver quem era.

Ele batia discretamente nas janelas e dava seu recado rapidamente a quem o atendia. Não tinha tempo para adentrar estabelecimentos, então se mostrava brevemente através das vitrines — apenas o suficiente para ter a atenção do dono —,  deixava um bilhete no lugar onde estava e sumia como sombra na noite. Quando o comerciante chegava ao lado de fora, o único rastro que sobrava da figura encapuzada era o pequeno pedaço de papel com o recado que o mandaram entregar ao povo. 

O recado se fixava com credibilidade, pois os myneses sabiam que os Kang não os tinham abandonado, sabiam que, pelas sombras e longe da visão dos homens de King Island, os soldados myneses estavam de olho em tudo.

Já era noite profunda quando o soldado encapuzado terminou de espalhar a mensagem a quem ele alcançou, e o próprio povo repassaria discretamente as instruções até todos estarem sabendo.

Agora, ele precisava voltar para o esconderijo com a mesma furtividade que chegara no centro, e seu obstáculo era o pouco volume de gente pelas ruas. Mais cedo, ele conseguira se misturar às pessoas e passar despercebido, mas não tinha mais como usar essa tática. Seus aliados eram os becos e a escuridão noturna agora. 

Ele não era um novato nessa atividade, seus passos eram cautelosos e eficazes, ele sabia onde virar, onde se abaixar, pular e onde se esconder quando via islandinos. Ainda assim, era inevitável ser pego de surpresa às vezes. 

Por isso, quando virou uma esquina estreita e deu de cara com dois islandinos, ele não conseguiu conter a expressão de susto antes que eles percebessem. 

Os segundos eram tensos enquanto o soldado encapuzado os cumprimentava brevemente com uma reverência para aparentar naturalidade e apressava-se em se afastar, aumentando a sombra do capuz ao abaixar mais a cabeça. Mas o islandino achou o susto suspeito. 

— Ei, espera — pediu, e o encapuzado parou. — Por que está andando como um ladrão pelos becos tão tarde da noite? — perguntou o islandino, aproximando-se. 

O rapaz, então, virou-se e descobriu a cabeça, revelando um rosto bem jovial, emoldurado por curtos cabelos castanhos e olhos de mesma cor. 

— Estou voltando para casa, senhor. Estou disfarçado porque saí às escondidas para me encontrar com uma... amiga — respondeu, com o sorriso tímido de um garoto descobrindo as aventuras da juventude. — Meus pais não podem saber e ninguém pode contar que me viu.

Os islandinos se olharam e riram. 

— Boa sorte, garoto!  

O rapaz agradeceu e puxou o capuz sobre a cabeça novamente, expirando longamente quando se virou e saiu da visão deles, o coração acelerado. 

Ele é o ReiOnde histórias criam vida. Descubra agora