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Barão

A Isabela terminou de fazer o bolo com o meu caçula e depois de colocar a forma no forno, sentou do meu lado na cadeira. O Davi tava assistindo um desenho no meu celular, também sentado na mesa.

Eu tava caindo de sono. Tinha ficado a madrugada toda jogando videogame com os menor, mas ela falou que precisava conversar comigo, então foi só café preto pra dentro pra não dormir ali mesmo.

Barão: O que tu precisava falar comigo? - perguntei depois de dar o último gole na xícara.

A Isa abriu a boca e fechou algumas vezes, eu nem interrompi, deixei ela achar a melhor forma de dizer. Tava com a maior cara de curiosidade, mas meio sem jeito pra falar.

Isabela: Ah... tipo assim... Não sei como perguntar isso.

Como ela tava sentada do meu lado, eu estiquei a minha mão, colocando encima da perna dela, e apertando de leve.

Barão: Pergunta aí. O que tu quer do menor?

Isabela: O PT não fala nada, ele só me incomoda mesmo - ela respirou fundo - Eu queria entender um pouco. Porque ele está aqui. Porque é envolvido no crime. Onde está a família e porque o abandonou, sabe?

Eu concordei assentindo.

Tirei a mão da perna dela pra colocar atrás da minha cabeça enquanto me espreguiçava e buscava uma boa forma pra falar tudo o que eu sabia.

Barão: A mãe do PT mora aqui no morro - a Isa arregalou os olhos, parecendo surpresa com essa informação - Ela trabalha em um puteiro que tem aqui. É Raquel o nome da piranha. Ninguém sabe quem é o pai e ele não tem nem um outro parente, nem vó, nem tio, nem nada... ela veio lá do Nordeste, engravidou depois de um tempo aqui no complexo e teve o bebê.

Essa era uma parada que eu não julgava a Raquel. Porque ao invés da filha da puta da Camile, ela não tinha tentado tirar o PT quando ele ainda era um bebê na barriga dela. Mesmo sem o menor apoio do pai da criança, o que era bem diferente do caso da Camile, já que ela tava bem ligada que eu jamais ia deixar um filho meu sem o devido suporte.

Isabela: E aí? - insistiu - Por que ela não impediu ele de entrar no crime?

Barão: Eles nem tem contato, preta - eu dei de ombros - Tem uns anos já. Ela só esperou o PT saber se virar sozinho pra dar as costas pro menor e ir viver a vida dela. O moleque cresceu cheio de ódio no couro, é normal, eu também teria.

Isabela: Cara, ele é uma criança ainda. Não tem a menor possibilidade de se cuidar sozinho!

Barão: Eu aprendi a me virar com a idade dele.

Isabela: Se você sabe o que ele passou, porque não impediu o garoto de entrar pro crime? - ela perguntou. Não tinha usado o tom de forma grosseira, era só uma pergunta.

Barão: Foi a minha salvação. Tinha que ser a dele também - ela ficou quieta, mordendo o lábio inferior enquanto pensava - Quando tu precisa da parada pra viver, tu faz com sede, com vontade, se ligou? O PT tem isso. Ele precisa da grana pra sobreviver, Isa. Então ele da a vida dele pelo crime!

A Isabela respirou fundo, e continuou um tempo sem dizer mais nada, olhando pra um ponto específico na mesa. Vi o seu olho enchendo de lágrimas aos poucos, mas ela não derrubou nem uma gota.

Isabela: Isso não pode ser normal pra uma criança de treze anos - ela se aproximou de mim, abraçando o meu pescoço e encostando a cabeça no meu ombro - Sinto muito que você teve que passar por isso, mas não normaliza essa situação. Você tem uma baita responsabilidade nas mãos. Não se sente culpado?

Barão: Não consigo me sentir culpado - dei um cheiro no cabelo gostoso dela - Como eu te falei, foi o que me salvou, e é o que salva vários moleques perdidos na vida também. Nós é tipo uma família, Isabela.

Isabela: E se eu quiser ser tipo uma família pra ele? - ela perguntou, com a voz embargada - Não sei... eu só não quero ver esse garoto ser preso daqui a pouco, ou passar necessidade, ou até coisa pior. O PT é um menino do bem, eu sinto muito isso quando estou com ele.

Barão: Se tu quiser ser tipo uma família pra ele, eu digo que tu vai fazer uma parada muito maneira. E até confesso que queria que tivessem feito por mim também - ela me olhou e deu um sorrisinho fraco, como uma forma de consolo - Mas o Matheus e o Gabriel vão ficar com ciúme.

Ela gargalhou baixinho.

Isabela: Eu quero que ele vá pra escola. Quero que ele brinque e quero que ele se descubra com alguma coisa que ele gosta... sabe? Quero que ele tenha as oportunidades que o Matheus tem, que o Gabriel tem... que toda criança deveria ter.

Barão: Luto pra caralho pra dar isso pra eles. Hoje eu vivo mais na paz, mas se eu te contar quantas as noites que eu sangrei e suei pra esses dois terem a vida que eu dei, tu nem acredita.

Isabela: Eu acredito, e acho isso muito foda - ela deu um beijo no meu ombro e voltou a encostar o queixo ali - É uma parada que eu sempre admirei, e hoje vendo mais de perto, eu admiro mais ainda.

Barão: Pai é pai, né?!

Isabela: Tu foi pai e mãe... de três. É bastante coisa.

Concordei, marolando em tudo o que já tinha rolado com os pivete pra nós chegar onde tá hoje.

Barão: Acho foda tu querer dar uma vida maneira pro PT, ele merece isso.

Isabela: Você tira ele dessa merda de "corre"então?

Eu neguei com a cabeça.

Barão: O PT foi criado no bagulho. Não vai aceitar sair.

Isabela: Eu tranco ele aqui - eu ri mas ela continuou séria - Tô falando sério.

Barão: Vou fazer do meu jeito, preta - ela ficou me olhando, e deu um sorrisinho bobo - Confia no pai.

A Isabela assentiu e eu fiquei de boa ali quando ela começou a fazer carinho na minha nuca, ainda abraçada com o meu pescoço, e com a cabeça encostada no meu ombro.

O Davi tirou a cara do celular por um segundo, e me olhou com uma carinha estranha ao ver a nossa aproximação. Eu dei uma piscadinha pra ele, e mandei um beijo.

Meu filho me ignorou completamente, voltando a dar toda a atenção pro Hulk.

PredestinadosOnde histórias criam vida. Descubra agora