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A Confissão - Segunda Parte
Stalker's Point of View
As férias de verão finalmente haviam acabado e o vovô voltava para casa. A indicação clara de que por consequência, as aulas no colégio retornariam. Toda manhã ele me carregava em seu velho carro cujo motor abafava qualquer outro som vindo da rua.
Setembro nem sempre foi o meu mês favorito, mas naquele dia eu vestia minha roupa e colocava a mochila nas costas depois de riscar o número um do meu calendário. Passei o resto do verão em casa, desisti de olhar pela janela quando percebi que apenas o garoto andava por aí jogando sua bola. Eu não mais visitaria, não para ver aquela mulher com a criança grudada nos braços novamente. Não fazia sentido perder meu tempo com algo que não me acomodava, preferia a lembrança da primeira vista e o sabor de seu nome em minha boca que eu não ousaria em desperdiçar, por isso só o usei uma vez e só o reconheceria em meus sonhos.
Esperei vovô terminar de assistir o noticiário enquanto fumava e por alguma razão, espiei pela janela, só para ver o carro da família dela sair pela garagem.
Só havia uma escola por perto, o que indicava que eu a veria, dessa vez apenas ela, provavelmente tímida por ser a nova criança na turma. Na mesma turma que eu... o destino seria tentador se isso acontecesse, mas após andar no carro imundo e barulhento e sentar na cadeira desconfortável que rangia, apoiar os braços na madeira riscada com as iniciais G+A dentro de um coração, eu esperei. E a aula começou sem nenhuma novidade em nossa aquisição de alunos.
No segundo horário fui praticamente a primeira aluna a sair da aula, sempre sentada no fundo, próximo a porta, carreguei meu material na mão e já tinha a mochila com sua alça em meus ombros. Nada.
Caminhei pelos corredores até o terceiro andar. Nada.
Sentei na carteira de sempre, aula de história da arte e apoiei meu rosto em minhas mãos, perda de tempo, vai ver a mãe dela a colocara em uma escola particular mais afastada, quer dizer, eles poderiam ter o dinheiro para isso... Estava prestes a desistir quando o sinal tocou alto e da frente da sala a voz do professor ecoou com clareza enquanto todos se sentavam. - Temos alguns alunos transferidos hoje, gostaria que todos vocês dessem boas-vindas e os acomodassem bem. - Dois tímidos alunos deram passos para frente e com o incentivo do professor passaram a procurar lugares vazios.
O primeiro era um garoto um tanto alto para estar na nossa turma, de cabelo curto e mochila surrada e ao lado dele... Ela.
Não consegui desviar meus olhos nem por um segundo enquanto com dificuldade ela caminhava para a única cadeira vazia próxima. Distante da minha, mas na fileira ao lado, o que indicava que se eu olhasse para a frente, prestando atenção na aula, eu teria a visão clara de suas costas. Sua mochila deslizou do seu ombro caindo no chão no momento exato em que seu rosto virou de lado e por um breve instante nossos olhares se cruzaram, pela primeira vez desde que fui até sua casa.
Não demorou para que ela voltasse para frente, mas eu sabia. Sabia que ela me reconhecia e sabia que ela sentia o que eu senti. Será que pensou no sabor dos pães doces? Porque eu podia sentir o sabor do seu nome nos meus lábios. Era como uma sobremesa agradável, daquelas que quando passam mais tempo na geladeira ficam melhores, é preciso somente ter paciência.
E eu teria, aguardaria o quanto tempo fosse necessário.
E eu o fiz.
A aula inteira observei, o jeito que ela usava todo o braço para jogar o cabelo para trás passando a mão pelo pescoço e virando a cabeça delicadamente. A forma como ela anotava o que o professor dizia, deixando o lápis cair uma vez e logo o socorrendo para que ninguém a notasse. Era óbvio que ela não queria chamar atenção e que se sentiu incomodada por ser apresentada como a nova aluna, sem um nome, sem uma história, apenas uma nova aluna, transferida, uma intrusa.
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STALKER
FanfictionVocê já teve a sensação de ser seguida? E se na verdade isso não for só uma sensação? E se tiver realmente alguém te perseguindo? O tempo todo, vendo as suas ações, comandando a sua vida. Você sentiria... medo? E se você não for a única peça nesse...