CAPÍTULO 46

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- E quanto ao seu pai? - minha psicóloga pergunta na minha consulta de terça feira.

- Oque tem ele?

- Tem falado com ele? - mordo meu lábio com sua pergunta e entorto minha cabeça para o lado.

- Não.

- E isso não te incomoda? - pergunta e franzo minha sobrancelha, mordo meu lábio e olho para minhas mãos.

- Incomoda mas... - volto a olhar para ela - Ele não é importante.

- Não? - pergunta e sinto meus olhos arderem quando nego com minha cabeça, faz dois meses que estamos nessas consultas e só agora percebo que só falei de meu pai três vezes.

- Quando ele foi embora, eu senti meu mundo desabar e então eu me senti perdida novamente por causa de sua família perfeita e feliz e agora... - olho para o chão limpando meu rosto das lágrimas - Eu o amo, mas ele não me ama o suficiente para estar aqui para mim então...

Ela fica em silêncio me esperando falar no meu tempo. Eu lembro das vezes me que papai e eu dividimos risadas quando eu era pequena, de quando ele deitava na minha cama depois de espantar o monstro de meu armário e beijar minha testa e então ficava lá comigo até o amanhecer. Lembro dos poucos passeios ao zoológico e ao cinema pois ele trabalhava muito e não tinha tempo o bastante para mim.

Na verdade eu sempre estive em segundo plano na vida do papai, lembro das vezes em que ele não apareceu na apresentação dos dias dos pais na minha escola e então chegava com uma boneca nova e muitas desculpas que eu aceitava de bom grado porque ele sorria pra mim e tudo parecia bem.

Eu o amava mesmo quando não comparecia nas festinhas da escola.

O amava mesmo quando brigava com a mamãe.

Eu o amava quando entrou no carro e foi embora.

E eu o amei por muito tempo mas do que amei a mim mesma e sinto que isso me destruiu.

- Ele tem que ir - meu queixo treme e minha visão embaça por causa das lágrimas quando volto a olhar para ela - Eu tenho que deixá-lo ir.

Soluço e escondo meu rosto em minhas mãos, sinto meu peito doer e é como se eu voltasse no tempo, com o mesmo vestidinho vermelho e os sapatinhos combinando, chorando por perder uma das pessoas mais importantes na minha vida, ele entrou no carro mas dessa vez eu me levantei.

E eu não pretendo cair mais.

...

- Como foi a consulta hoje? - mamãe pergunta daquela noite.

- Bem - falo baixinho olhando para Billy que mama tranquilamente.

- Sua voz está estranha - ela diz e suspiro olhando para os meninos dormindo na cama agarrados um nó outro.

- Mãe - falo depois de um em silêncio.

- Oi.

- Você acha que o papai se arrependeu de ter ido embora em algum momento? - pergunto e ela suspira.

- Eu não sei - ela respira fundo e fecho meus olhos escutando sua respiração - Mas eu sei que seu pai ama você, ele só não sabe demonstrar isso direito.

- Ele nunca soube não é? - mordo meu lábio inferior.

- Ele manda dinheiro para você todo mês, está em uma conta no seu nome e já perdi a conta de quanto tem - ela diz e fixo calada - Ele liga todo mês para saber como você está...

Três é demais Onde histórias criam vida. Descubra agora