As vezes me parecia até loucura quando eu parava para pensar em tudo que tinha acontecido nas últimas semanas. Em dias normais, eu estaria agora olhando as crianças brincarem no jardim do orfanato, esperando dar a hora temida de me enfurnar naquela cozinha enorme por horas enquanto lavava dezenas de pratos e talheres.
Perdi as contas de quantas vezes chorei enquanto lavava aquelas louças desejando estar em outro lugar. Desejando viver uma vida de verdade.
Talvez fosse a visão das montanhas que me deixasse pensativa. Faziam uns minutos que eu estava sentada naquele mesmo banco encarando a vista de trás da casa do pai de Mason. Era manhã e Mason ainda não havia levantado da cama, seu pai, por outro lado, já havia saído para trabalhar.
Ainda estava bem frio, mas as roupas eram bem quentes. Pareciam até ter mais de uma camada.
ㅡ Sabe uma coisa que nunca te contei? ㅡ A voz de Molly soou, mas não me assustei dessa vez. Estaria eu, realmente, me acostumando? Ela estava sentada ao meu lado, também encarando a vista. Seus cabelos estavam presos numa maria chiquinha. ㅡ Sabe os livros que você lia? Lembra do último que leu?
ㅡ Sim, foi Um clichê de última hora. Até indiquei para a April e ela veio chorando depois que terminou. ㅡ Ri me lembrando.
ㅡ Quando você entrou para o Montgomery, eu te trouxe da sua realidade para a mesma realidade dos livros que você lia. Ou seja, Axel e Nancy existem aqui. ㅡ Arregalei os olhos para ela.
ㅡ É sério??
ㅡ Sim. A Lindy e o Zack, a Thalia e o Josh, a Jennie e o Noah, a Anne e o Luke, a Carla e o Hugo, a Fernanda e o Cold, a Carly e o Adam... ㅡ Molly começou a falar os nomes dos protagonistas dos livros que eu já tinha lido um dia. ㅡ Todos eles existem de verdade, só que aqui, nessa realidade. Você e o Mason até passaram perto do Axel e da Nancy, mas vocês estavam de carro e não viram.
Eu não consegui responder de cara, estava com os olhos arregalados e a boca aberta. Por um lado estava incrivelmente feliz por estar na mesma realidade dos personagens que eu tanto amava, mas por outro estava indignada pela Molly não ter me dito antes.
ㅡ E você espera eu sair de Nova Iorque para me dizer isso?? ㅡ Virei o meu corpo para ela.
ㅡ Bem, tecnicamente, você ainda está em Nova Iorque. No estado de Nova Iorque. ㅡ Ela disse ignorando totalmente o foco da minha pergunta.
ㅡ Você me entendeu. ㅡ Molly riu balançando a cabeça. ㅡ Então... Os personagens que um dia eu li, existem?
ㅡ Sim, assim como todos dessa realidade. Vocês só são... De realidades diferentes. ㅡ Ela explico com certa calma na voz. ㅡ Já ouviu falar da frase: A vida imita a arte? ㅡ Assenti. ㅡ É isso que acontece. Eu não sei dizer como, mas as vezes, alguns bugs acontecem entre as realidades e o que acontece aqui, acaba se tornando a inspiração de alguém na sua realidade. Por exemplo, Nancy e Axel tem uma vida normal aqui. Mas, de alguma forma, uma escritora da sua realidade teve uma inspiração e escreveu a história deles sem saber que, na verdade, tudo é real.
ㅡ Como isso é possível?
ㅡ Eu não sei. ㅡ Ela suspirou. ㅡ Eu não tenho todas as respostas, só posso dizer que existem muitos segredos no mundo em que vivemos. Assim como você não sabia da minha existência, que hoje sou alguém que pode levar uma pessoa de uma realidade para a outra, nós não sabemos da existência de muitas outras coisas. Não sei como essas inspirações acontecem, mas acho incrível o fato de vocês poderem ler sobre a vida de pessoas daqui.
ㅡ Existe alguma diferença entre a minha realidade e essa aqui?
ㅡ Sim. ㅡ Assentiu. ㅡ O tempo funciona de uma maneira bem diferente. Anos aqui são segundos na sua realidade. Tipo, se você voltar hoje, vai estar no mesmo lugar em que estava e no mesmo momento em que abriu o livro. Se você ficar anos aqui no Montgomery, mas voltar, só vai ter se passado alguns segundos na sua realidade.
ㅡ É bom saber. Me perguntava as vezes se alguém tinha sentido minha falta. ㅡ Ri sozinha. ㅡ E... Você só consegue trazer as pessoas da minha realidade para essa? Ou também consegue fazer o contrário?
ㅡ Eu só consigo trazer da sua. ㅡ Ela encarou a vista. ㅡ Não consigo tirar no ninguém do livro.
Assenti compreendendo. Mais uns minutos se passaram em silêncio, até que Molly desapareceu. Não entendi na hora, mas a porta da cozinha se abriu e Mason apareceu. Seu rosto estava um pouco inchado de sono e seu cabelo esta a bagunçado. Aquilo me fez rir.
ㅡ Bom dia... ㅡ Disse com uma voz rouca ao se sentar ao meu lado. Logo depois ele coçou os olhos.
ㅡ Bom dia. ㅡ Ri de suas expressões. ㅡ Dormiu bem?
ㅡ Não muito. Estava meio preocupado, eu acho. ㅡ Ele me abraçou de lado e eu abaixei a cabeça. Eu também estava preocupada. Estava preocupada se alguém havia nos seguido, se conseguiram nos rastrear, mesmo que eu tenha me desfeito do meu celular no caminho. Jamais me perdoaria se eles nos encontrassem e acabassem fazendo mal ao pai de Mason, que não tem nada a ver com tudo isso. Também estava preocupada com meu pai. Não tinha ideia de como ele estava.
ㅡ Eu sinto muito por tudo isso.
ㅡ Nada disso é sua culpa.
ㅡ Ah, em parte é. Se eu tivesse estudado mais, teria passado para a faculdade e iria para o dormitório da universidade, eu não teria ficado tão deprimida a ponto do Montgomery me escolher e não teria causado nada disso na vida de vocês. ㅡ Mason franziu o cenho, não confuso, mas indignado.
ㅡ Arizona, não fala isso! Eu passo o risco que for, mas não gosto nem de imaginar você longe de mim. Acha mesmo que eu preferia não ter te conhecido, à não passar por tudo isso? Eu passaria por tudo de novo se fosse preciso, mas não me arrependo de ter conhecido você. Não... Não diga mais isso. ㅡ Acho que eu estava tão acostumada com a minha presença ser insignificante para todo mundo que me esquecia que Mason realmente me queria com ele. Abri um sorriso para ele e recebi um beijo na testa. ㅡ Quer conhecer o vilarejo hoje? Podemos ir à biblioteca que eu mencionei.
ㅡ Eu vou adorar. ㅡ Sorri sentindo seus braços me apertarem em seu abraço.
ㅡ Sobre... Sobre o que eu te pedi ontem... ㅡ Olhei para cima para observar seu rosto. ㅡ Me desculpa. Eu não quero influenciar numa decisão que é totalmente sua. Se você um dia voltar para a sua realidade, que seja por decisão sua, não por influência minha. Eu só estava... Preocupado. Estava com medo e sentia raiva sempre que lembrava daquele cara te agarrando e tentando te levar. Eu só queria ter certeza de que nenhum deles te faria mal e te pedi aquilo, mas peço desculpas. Como eu disse ontem, você é adulta e vai saber o que fazer quando precisar.
Fiquei feliz com seu voto de confiança, mas a verdade é que eu não sabia era de nada. Com certeza eu não saberia o que fazer se eu precisasse.
ㅡ E... Eu estive pensando. ㅡ Ele puxou um celular do bolso que percebi não ser o dele. Deduzir ser o do pai ou talvez algum que já tivesse aqui. ㅡ Gostaria de visitar o seu orfanato? ㅡ Ele me mostrou uma conta no Instagram. Conta do meu orfanato. Peguei-o de sua mão e olhei o feed. As fotos monstravam que o lugar era exatamente o mesmo, só não eram as mesmas pessoas. ㅡ Sexta-feira é véspera de Natal e eles estão aceitando brinquedos e outras coisas, para presentes das crianças. Podemos comprar algumas coisas e ir visita-los. Sei que não são as mesmas pessoas que te criaram e que cresceram com você, mas pensei que você gostaria.
Eu não sabia se estava pronta para voltar para lá, mas pensar na possibilidade de ajudar aquelas crianças me fez sorrir. Lembro que amávamos quando pessoas doavam presentes na época do Natal.
Olhei para Mason e assenti com um sorriso. Ele sorriu também antes de me abraçar novamente.
•••
Continua...
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Sobrevivendo ao meu Clichê I
RomansaPRIMEIRO LIVRO DA SÉRIE MONTGOMERY E se você tivesse a oportunidade de entrar num livro de romance e conhecer sua própria autora? E se essa autora fosse uma garota super indecisa que estaria ali para escrever o SEU romance? E se, como num passe de...