Capítulo 23 - Luna

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Vi quando Trinity entregou um cartão a Enrico e se despediu dando um beijo no canto dos seus lábios.

Nunca senti tanta raiva na minha vida e não vi nada, só fui em direção a ela, sendo parada pouco antes pelas mãos de Helena, que segurou meus braços firmemente, me virou e nos levou para seu quarto.

Helena me sentou numa poltrona que estava num canto do quarto e puxou um pufe que tinha ali, colocando na minha frente e sentando-se nele.

_ Agora me fale. Porque foi com tanta raiva em direção a Trinity. O que estava pensando?

_ Eu... não... não sei. Não estava pensando, acho.

_ Tudo isso é porque ela deu o número pessoal dela a Enrico?

_ Ela não faz o tipo dele. Eu sei que ele não vai ligar.

_ Enrico é como meu filho, eu o crio desde seus dez anos. E posso te afirmar com toda certeza de que aquela moça, é sim o tipo dele, assim como qualquer outra que circula dentro e fora desse complexo. Ele não faz muita distinção. Criei meus filhos pra que não existissem pra eles cor, gênero, raça, classe social... Se você olhar Francesco, Luigi, Diego, Mad... repare que mais diferenças entre eles não há. E porque acha que eles, qualquer um deles, teria um tipo específico de mulher.

_ Eu não quis dizer que ele era preconceituoso, ou algo assim... eu sei que ele não é, nenhum deles são... é só que ...

_ É só que você achou que ele fosse sentar e esperar você pra sempre.

_ É ... não...é que...

_ Ele estava esperando você... até dez minutos atrás, ele estava esperando você. Todo esse tempo, por quase esses um ano e meio, ele esteve te esperando. E sabe por que ele não vai mais?

Balancei minha cabeça negando, sem coragem de falar.

_ Ele não vai mais porque eu não vou permitir, ele não vai te esperar mais porque você está fugindo dele e pra piorar jogando aquela moça pra cima dele. E hoje, ele soube disso. Hoje, ele percebeu isso. Você está testando o amor dele por você, como você fez com todos nós. Só quem com ele tem sido pior, você tem sido mais intensiva, também tem sido mais fria e mais distante. Acha que não percebi como tem agido? Mas quer saber, ele não precisa mais ser testado. Ele te honrou e te respeitou todo esse tempo. tudo que você precisava fazer era ser honesta e conversar com ele, dizer a ele sobre seus medos e suas dúvidas. Ele teria esperado por você a vida inteira se preciso fosse.

_ Mas eu ...

_ Eu ainda não acabei Luna. Eu te amo, como uma mãe e como tal vou repreender você, assim como fiz com Pietra que vivia fugindo do Lorenzo e quando ele estava à beira da morte deu uma de Madalena arrependida. E quase foi tarde demais. Eu te amo, mas amo meu filho também. Meu Enrico sofreu por você. Ele que quis estar ao seu lado e te abraçar, quando soube que seu mundo ruiu. Quis ir atrás de quem te fez mal, se embebedou e chorou como não chorava desde que perdeu os pais, por não poder fazer nada pela sua dor. Eu vi um homem grande, adulto. Um poderoso consigliere da máfia, se desfazer em meus braços feito um menino, só porque ele não sabia como te ajudar. Como te proteger, como te respeitar mais. Então, sim tenha certeza de que eu não permitirei que ele te espere mais. A partir desse momento, eu farei o que for preciso pra que ele te esqueça e siga em frente. Uma coisa é a sua dor, o seu medo, o seu sofrimento. Eu entendo e respeito, todas nós Luna, principalmente nós que nascemos na máfia, temos um passado que precisa ser superado, pra que possamos seguir em frente. E eu não estou pedindo pra que você coloque sua dor de lado e fique com ele porque é assim e pronto. Estou dizendo a você que se quer ele, está na hora de mostrar e se quer que ele espere, precisa conversar com ele, deixar seus medos e dúvidas claros, porque ele não é adivinho, não tem como ele saber o que vai te fazer bem ou o que vai te trazer um gatilho. E estou te pedindo, que se você tem dúvida quanto ao que sente por Enrico, apenas deixe o ir. Amanhã ou depois, você encontrará alguém que fará você se sentir segura pra seguir em frente, isso eu tenho certeza. Quando você se permitir, o amor virá, mas eu não quero mais ver meu filho sofrendo. Vendo todos ao seu redor felizes, se amando e ele vivendo de migalhas.

Helena era precisa com as palavras. Na maioria das vezes na Survivor quando eu precisava de um sacode mais firme, era ela quem dava.

Eu sabia que ela tinha razão, mas naquele momento eu só queria chorar, eu não queria perder Enrico, mas não estava pronta pra seguir em frente. Não me sentia inteira, não me sentia completa.

_ Eu não sei o que pensar... não sei o que sentir... eu quero o Enrico perto de mim, mas não acho justo com ele...

_ Nisso você tem razão, porque não é justo com ele, ao contrário.

_ Mas Helena... eu estou tão confusa, nunca precisei pensar nisso de verdade, eu sempre tive outras coisas mais importantes pra pensar e agora...

_ Primeiro você tinha que pensar, nos seus pais, irmãos, inimigos, família e agora que precisa focar em você, no seu interior, não está conseguindo. Eu te entendo, de verdade, mesmo assim, vou te dar uma sugestão. Fale com ele, se abra. Diga a verdade, sobre seus medos, seus anseios e permita que ele tome a decisão sobre a vida dele. Para de empurrar mulheres pra ele, só pra depois ter motivos pra ficar com raiva dele. Isso não é justo, não é correto, não é quem você é, Luna.

_ E se ele não... – não consegui completar a frase.

_ Se ele não quiser esperar. Se ele quiser partir pra outra. Sim, porque isso pode acontecer. Então, eu estarei aqui por você, assim como Fernan, seus irmãos, suas irmãs, sua família. Vamos recolher seus cacos e preparar você para o próximo amor. Assim como faremos por ele, caso você decida deixá-lo.

Não conseguia parar de chorar e soluçar. Helena me carregou para sua cama e deitou minha cabeça em seu colo, acariciando meus cabelos.

Eu estava com raiva de mim. Raiva de não conseguir ser a porra da mulher normal que eu deveria ser, raiva de conseguir conhecer caras legais, mas equipara-los ao mesmo nível do bastardo do Javier.

Antes eu ainda conseguia tirar a roupa e ter sexo com um homem, não sentia nada, mas conseguia fingir o básico. Foi por isso que eu e Takeo não demos certo, ele percebeu e não aceitou continuar assim.

Nunca tinha ido tão longe com Enrico, com ele eram beijos incríveis e muito carinho. Enrico me permitia ficar horas ao seu lado. num silêncio confortável. As vezes conversamos coisas aleatórias. Falávamos de filmes, series, livros e lugares. Outras vezes falávamos de trabalho, armávamos estratégias, pensávamos nas logísticas das atividades que desenvolveríamos.

Eu me sentia segura e confortável ao lado dele e mesmo quando estávamos nos beijando e ele sentia que o negócio ia ficar mais intenso, ele dava o primeiro passo para parar e fazermos outras coisas. Ele sempre era o primeiro a tirar nosso foco do tesão que sentíamos.

Meu ódio por Javier era imenso e depois que eu tinha descoberto que ele ainda estava vivo meu ódio tinha aumentado, assim como meu pavor.

_ Madrinha. – falei enquanto secava meu rosto. _ Acha que algum dia eu vou conseguir transar com ele, de verdade.

_ De mulher pra mulher?

_ Sim, por favor.

_ Depende muito de vocês. Primeiro você precisa querer e se permitir. E depende dele a parte técnica, digamos assim. Se ele sabe te tocar, se ele te faz ficar com tesão, se ele tem paciência com as suas barreiras. Mas o esforço no geral é seu. Você precisa entender que aquele homem na sua frente, é o homem que você escolheu, não um homem que foi imposto por alguém ou um homem que forçou você.

_ Quando você fala, parece tão fácil.

_ O que talvez você não saiba ainda Luna, é que com exceção de Pietra e Bailey, graças a Deus, todas as mulheres dessa família já sofreram algum tipo de abuso, incluindo Donna e Mia. E veja como elas estão hoje, veja como todas nós estamos. Nunca é fácil. Não é acordar um dia e decidir que vai ser "normal" e pronto. É uma construção, feita tijolo por tijolo. Respeitando seus momentos, mas sem deixar de seguir em frente, sem deixar de quebrar as barreiras, de ultrapassar os limites. É o seu querer em uma luta constante com o seu medo. No final, você ganha sempre e se lembra que toda a luta valeu a pena. Mas pra isso, você precisa dar o primeiro passo, depois outro e outro. As vezes você vai tropeçar, vai retroceder, mas não pode parar, precisa manter o foco no objetivo. E acredite minha menina, cada segundo de luta, cada vitória conquistada, vale muito a pena. – Helena parou de falar e depois disse. _ Espere um minuto, vamos fazer algo diferente hoje...

Helena pegou o telefone, discou um número e pediu pra alguém ir a seu quarto.

Mulheres Poderosas IV - LunaOnde histórias criam vida. Descubra agora